A COMUNICAÇÃO PELAS VELAS DO "MUCURIPE"

Sou duma geração cuja maior novidade musical eletrônica era o radinho de pilha e as vitrolas para disco de vinil.

O radinho me maravilhava, eu o levava para qualquer lugar, aliás era o sonho de consumo de muitos.

Num natal, ainda menina, lembro-me que ganhei um aparelhinho vermelho de "última geração".

Eu o colocava sob o travesseiro para ouvir as canções da rádio difusora de São PAulo.

Falava-se que era perigoso dormir com aquele aparelho sob os ouvidos, mas o quê entendia eu de perigo com oito anos de idade?

A maior felicidade dessa vida é ignorar os fatos.Como se é feliz quando se ignora certos fatos...(Às vezes penso que os políticos estão certíssimos quando mantêm as ignorâncias de geração a geração.)

Só sei que aquilo para mim era um luxo, e sequer sabia eu que sob meus ouvidos, durante a noite inteira, as ondas eletromagnéticas fanfarreavam lá nos meus tímpanos.

A vitrola, já falei dela por aqui, eu a ganhei no dia dos meus quinze anos, juntamente com um vinil dos "Jackson Five" e um outro do Roberto Carlos.

Inglês ainda não me era uma língua familiar, mas no vinil do Roberto havia uma canção MARAVILHOSA, cuja autoria da letra consta ser do fagner e do Belchior: MUCURIPE. UMA POESIA.

Talvez ali já se revelasse minha sensibilidade pela poesia.Eu a ouvia e chorava. Mas não sabia o porquê.Jamais poderia interpretá-la com a consciência poética de hoje.

Talvez seja uma característica dos poetas.Nem tudo o quê sentimos sabemos porquê sentimos, muitas vezes sequer deciframos os sentimentos, que se misturam frente às diversas situações da vida.

O fato é que as velas se içaram e seguiram adiante...pelos tantos MUCURIPES da vida.

Hoje estamos na era da Internet, da comunicação digital.

Certa vez, alguém me dizia que os telefones teriam imagem. Não consegui entender, alcançar tal possibilidade me era muito difícil, dentro da parca conexão dos meus neurônios meio que incompatíveis com a exatidão das ciências. Um eufemismo, claro.Sei das minhas dificuldades.

Hoje numa fração de segundo, nos conectamos ao mundo, vemos jornais, filmes, aulas científicas, shows.

Conversamos por webcam, trocamos idéias, emails, fotos experiências. Diminuimos as distâncias físicas, enganamos o tempo.

Encontramos e reencontramos amigos... fazemos novos.

E escrevemos, e tocamos, e cantamos... olha eu aqui. Tudo pelo amor à arte, nesse espaço maravilhoso.

Enfim, hoje pela era digital, temos a impressão de que estamos cada vez mais próximos.

Pessoas se conhecem, namoram, noivam e até se casam pela internet.Casamentos digitais, vejam que coisa!

Mas no entanto tenho a impressão de que estamos cada vez mais longe...uns dos outros.Ou quem sabe cada vez mais usando duma imagem que não nos pertence, além de entender no outro uma mensagem que não foi proferida.

Quase tudo na internet corre o risco da idealização.

Aqui corremos o risco de ser mal interpretados e é preciso coragem para se fazer arte.

É preciso mais que habilidade para se navegar pela Net.

É preciso que saibamos o que procuramos.

É preciso que reconheçamos o que temos a oferecer "de bom" ao outro.

Tudo isso muito difícil numa era digital, em que as pessoas nem sempre têm face, são meros caracteres transformados em leitura de código binário.

Num universo tão invisível e grandioso, as pessoas se equivocam, e as intenções , ainda que louváveis, se perdem nesse universo despersonalizado de todo intangível.

Que pena!

Às vezes sinto falta do meu vermelho radinho de pilhas e da minha vitrolinha amarela.Lá eu me sentia mais protegida.

Ali, embora criança, eu viajava pela poesia, nas velas do Mucuripe, sem correr risco algum, a menos que meus tímpanos me dessem sinais de cansaço...e minhas pálpebras pendessem de sono.

Então, era só fechar os olhos e continuar a sonhar...