O poder da palavra: Construção, desconstrução ou ambos?

Uma palavra ou vocábulo é uma unidade da linguagem falada ou escrita. As palavras podem ser combinadas para criar frases e consequentemente uma significância e/ou ideia. “Ideias são a prova de balas, você não pode matá-las”. MOORE, Alan, V de Vingança, 1982. Sendo assim, vejo a palavra como base para a construção/desconstrução de ideias e “mãe natureza” dos significados, pois sabemos que uma palavra pode ser dúbia em significados. E sem a palavra o raciocínio é falho e limitado.

Ambas as obras mostram problemáticas trazidas pela “palavra”, no respectivo âmbito social. Em Fahrenheit 451, o primeiro longa metragem falado em inglês do cineasta francês François Truffaut. Lançado em 1966, é a adaptação para o cinema da obra literária de mesmo nome do americano Ray Bradbury de 1953, uma sociedade em que os livros são perigosos e devem ser aniquilados é o contexto, o uso e/ou busca da palavra significa a alienação e culto do anti-social; é a ideia. No conto, Dos Palabras, a palavra é vendida como um bem precioso por Belisa Crepusculario, personagem principal, a qual as pessoas juntam-se para escutar e pagam para receber suas “próprias palavras”, poesias, cartas, etc.

A história do filme se passa em um futuro não muito distante, um mundo pós-guerra. O personagem principal é Guy Montag, um bombeiro que tem a função de localizar e destruir livros. Porém, Montag começa a questionar seus ideais quando se encontra com Clarice, uma jovem professora que, através de um jogo retórico, tenta despretensiosamente convencê-lo do absurdo que é proibir os livros.

O contexto histórico em que o filme foi produzido, penso eu, anos após o final do nazismo, teve uma influência na hora de adaptar o texto para as telas. O autoritarismo marcante dos bombeiros responsáveis por queimar os livros foi influenciado pela lembrança- recente na época- da polícia nazista. Apesar disso, vejo a figura dos bombeiros não tão autoritária, eles são apenas um instrumento do sistema, o que me faz recordar a obra de nome 1984, de George Orwell, publicado em 1949. Bradbury faz um discurso explicativo para a abolição e proibição dos livros “O mundo não precisava mais deles, as pessoas não queriam mais lê-los, passaram a descartá-los e então o governo percebeu que deste modo era mais fácil controlá-las”. Tais observações me levam a crer, em muito, que a obra, várias e várias vezes mantém cunho atemporal, pois transcende o ano ficcional querido pelo autor.

Truffaut não aplica esse discurso sobre “controle” diretamente, mas abusa dos closes nos livros sendo devorados pelo fogo em longas cenas. Para ele, essa imagem é suficiente para causar uma empatia com o público.

O filme é centrado nos bombeiros, por isso, fica difícil questionar e criticar o inimigo que é indeterminado, o verdadeiro responsável pela repressão. Nós não vemos onde é o centro real do autoritarismo, a gente só vê os tentáculos, que são os bombeiros.

Há também o alto consumo de remédios para amenizar o sofrimento, frisado em Fahrenheit, além disto, as pessoas são totalmente solitárias não há contato real e desta forma elas se auto-acariciam, o que provoca uma sensação muito estranha em quem assiste, já que tudo no filme é voltado para o material e TV tem muita importância e nenhuma criticidade.

O conteúdo das publicações literárias mais lidas hoje em dia penso que não são, em si, mais perigosos que a televisão, depende em muito do conteúdo que está ali. Acho que o livro ideal que é tratado no filme é o que reflete a experiência, o pensamento e que traria informações, conclusões e ensinamentos que a gente não conseguiria ter em nossa vida cotidiana, um poder de conhecimento que só com uma experiência mais profunda se conseguiria ter, ou através do livro, que é capaz de confrontar o sujeito; o poder da desconstrução de um antigo eu já familiarizado com o cotidiano.

O desfecho de Fahrenheit 451 é um pouco mais positivo do que na maioria das distopias clássicas (Laranja Mecânica, Blade Runner, 1984). Todavia, não tão reconfortante, ao assumir o livro como essência da vida, as pessoas-livros quase esquecem quem são (desconstrução), elas não têm mais nomes, são uma “memória ambulante”, concluo que isso seja uma antítese ao que o livro em si promove.

Já o conto de Allende se passa em guerrilhas na América do sul, fator que liga indiretamente as duas obras que se passam em momentos de austeridade militar. Um coronel a fim de tornar-se presidente, já cansado das batalhas, compra um discurso de Belisa Crepusculario, que dá a ele duas palavras secretas. Após algum tempo, um mulato percebendo o tormento do Coronel, vai atrás da vendedora de palavras para que ele não sofra mais, pensando se tratar de um feitiço.

Dos Palabras, valoriza a palavra e toda a sua significância, o ditado: “um gesto vale mais que mil palavras”, fora exilado. Surgiria até um novo com um pouco de audácia; “Duas palavras valem mais que mil gestos”. As palavras ditas por Belisa, podem não importar ou simplesmente serem simbólicas, mas a sua significância e/ou ideia é rica. “Te amo”, “Me espere”, “Jamais esqueça”, etc. Podemos fazer “N” combinações, mas o que Isabel Allende desejara, é que tomemos nota do significado, não das palavras em si. Embora, a imensa variedade de palavras que poderiam se completar teriam um só significado:

“porque todos pudieron ver los ojos carnívoros del puma tornarse mansos cuando ella avanzó y lê tomo la mano”. (amor...) No conto de Allende, a palavra constrói o sujeito, pois emancipa seus valores e criam-se novos. Primeiro a palavra muda o sujeito-Belisa Crepusculario que antes miserável sem grandes ambições torna-se uma vendedora de palavras feliz e muito requisitada. As palavras dadas por Belisa motivavam os guerrilheiros do coronel, e as palavras secretas do coronel criaram um amor tal que atormentava os dias de uma meia-noite a outra.

Alex Sandro M Spindler
Enviado por Alex Sandro M Spindler em 03/11/2009
Código do texto: T1902330
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