EM BUSCA DE NÓS MESMOS

“EU” EM BUSCA DE MIM MESMO, DO OUTRO, DO MUNDO

Para JOSÉ DE ANCHIETA CORREA, filósofo, gênio, humano, amigo que me ensinou que:

Totalmente diferente do homem de outras épocas um novo ser humano vive contemporaneamente. E a ele uma nova identidade e uma nova lógica de vida se impõem.

Na verdade, nos tempos atuais, é cada vez mais evidente que, entre os propósitos, projetos, desejos e atos concretos de nossas existências, há sempre uma grande distância, um imenso mal-estar, um angustiante vazio mesmo.

Nenhum pai ou mãe, educador, profissional, instituição, grupo social, ou comunidade, sabe como desempenhar seguramente seu saber e poder.

A velha questão acerca da identidade ganha, a cada dia, contornos diferentes e roupagens até mesmo surpreendentes.

O homem deste fim de um e início de um novo século, mais que em outras épocas, se sabe em constante busca de si mesmo. Tudo se passa como se algo nos escapasse sempre, ou melhor, como se fossemos definidos por essa falta, incerteza, incompletude.

Os paradigmas, os valores, as normas estão em constante evolução e mutação. O pensar, o sentir, e o agir, de cada um de nós e de todos, sobre a nossa vida, nossa comunidade, nossa Humanidade, não nos dão mais o conforto de termos uma única perspectiva de visão, de perspectiva, de ação.

Não é mais possível olharmos no espelho narcisicamente e nos enxergamos como antes - belos, seguros, inteiros. Os espelhos já não nos oferecem a imagem buscada. Há sempre deformação, mais eloqüente ainda na experiência de nos vermos no espelho do olhar do outro. Olhados com amor, somos um. Com ódio ou indiferença, somos outro. Somos diferentes modos de ser nós – mesmos: felizes, tristes, deprimidos, agitados e tantos outros matizes. É através do outro, de um não-eu, que minha identidade se constrói. Dito de outra forma, é no jogo de diferenças que as identidades se afirmam e se estabelecem.

É diante do não-cruzeirense, em particular do atleticano, por exemplo, que aquele ganha consistência. De tal forma que o prazer de ser “cruzeirense” é tanto maior, ou mais se afirma, quando o grito de “cruzeiro, cruzeiro,...” ecoa no ouvido do atleticano. Assim, pode-se dizer que a afirmação de mim mesmo requer, sempre, uma forma de negação. “Negação”, não, necessariamente, como uma anulação. Ao contrário, o termo “negação” aí está a indicar a exigência da presença do “outro” para dar consistência a meu modo de ser. O outro é a projeção de mim mesmo naquilo que eu não me reconheço.

Igualmente o professor requer o seu contrário - o aluno. Dizem mesmo alguns cansados e desavisados que “escola boa é aquela sem aluno”, ou “escola boa é aquela sem professor”. Triste escola em que esta contrariedade não exista. Em que uma falsa identidade entre os que possuem o saber e os que buscam o saber se estabeleça.

Semelhante relação ocorre na vida política em que não haverá ditador sem povo humilhado; não haverá democracia sem diálogo, ou seja, sem estabelecimento de controvérsias, de oposição de olhares e interesses.

Qualquer que seja a forma de identidade almejada, sexual, política, profissional, não há como construí-la isoladamente porque sua edificação nunca se assemelha a uma pura duplicação. “Eu” igual a “eu mesmo” ou “eu” no espelho, é sempre uma abstração, é sempre algo da ordem do imaginário, algo inverificável. Seja porque jamais coincido comigo mesmo, estando sempre à procura de mim mesmo, sempre em busca do que me falta; seja porque, a rigor, jamais estou só. Já ao nascer me instalo no universo de uma família, de um grupo social. Ninguém tem a experiência de ser indivíduo isolado, somos sempre um pouco do pai ou da mãe ou de ambos, presenças que permanecem eminentemente presentes mesmo após a morte deles em nós para sempre. O que chamamos estar só, doce ou tristemente, é uma situação sempre povoada de muitas relações, ou de uma relação privilegiada. Vivo, meu poder é sempre de ser outro, de negar a mim mesmo, no jogo das relações comigo mesmo, com os outros, e com o mundo.

Quando encontro um conhecido ou amigo e ele diz você mudou eu digo: Que bom, mudei, tomei em minhas mãos o meu dinamismo e o da vida, a riqueza ou pobreza de tantas circunstâncias e do destino, aproveitei ou perdi algumas oportunidades e me fiz outro com a graça de Deus. Mudei, sim. Para bem melhor, não vê? E sigo sempre em busca de mim mesmo, do outro, e do mundo.

Se meu semelhante que indaga sobre minha mudança tem um bom senso artístico eu até costumo arriscar com uma poesia que fiz aos trinta e três anos de minha vida sobre essa busca – Definitivo impasse:

Andou tanto e tão depressa,

que se viu num definitivo impasse:

continuar sozinho, ou se sucumbir

na solidão da maioria.

Amou tanto e tão profundamente,

que partiu sua individualidade,

na comunhão com um todo infinito, amorfo,

sem rumo, sem proposta aparente.

Mil vezes tentou ser razão pura.

E se deparou com sua pequena estatura,

diante de uma monstruosa realidade,

impiedosamente hostil,

a ser definitivamente limitada,

posto que, em contínua transformação

como ele mesmo.

Tantas outras vezes

capitulou-se à sua sensibilidade.

E se perdeu,

e se encontrou,

na inutilidade do discurso,

da busca de si no confronto com o outro,

e na busca do outro em si mesmo.

Isto posto,

começou tudo de novo:

Na eterna tarefa,

de se nascer,

e de se morrer,

de se perder,

e de se encontrar,

na sua busca

e na do outro.

Sei muito bem que a vida ama se dar de diversos modos. Ama as surpresas. Ama a diferença. A repetição, freqüentemente, é sinal de morte. De tal forma que é verdade dizer que a neurose se estabelece quando “um antigo presente” (dificuldade, decepção, dor, trauma...) não quer se tornar “passado”, quando tais vivências passadas, real ou imaginariamente, teimam em se repetir. No entanto, são tantos aqueles que por preguiça ou por falso orgulho se arvoram em “sou assim, nasci assim”, e, muitos poucos, aqueles outros que correm o risco de ser dar ao trabalho de se tornarem sujeitos de sua própria história construindo seu modo de ser, sua identidade, sempre em aberto.

A tarefa do Homem atual não é apenas a de corrigir deficiências ou excessos e sim a de reinventar o próprio universo e a si próprio. Na verdade, o homem possui o programa genético mais aberto, mais flexível de todos os outros organismos. E o alargamento dessa flexibilidade é ainda maior pelo progresso da ciência e da tecnologia, pelo exercício da razão humana que pode interferir na sua herança genética. Tal descoberta e tais possibilidades requerem mudanças no modo de representarmos a nós mesmos e o mundo. Tais conquistas nos fazem participantes da criação do mundo, de um mundo sempre inacabado, cabendo ao Homem inventar, criar nossas formas de vida, novas possibilidades de viver, em vez de apenas conservá-las. O universo e mesmo o homem não são algo acabado ou definitivo, mas em evolução, em processo de mudança. Por esse caminho, nosso modo de estar no mundo muda de figura. Não se trata apenas de conservá-lo, repetir o já dado, mas de inventar novas formas de ser e de se comportar, de habitar, de conviver em sociedade, de ser amigo, de amar e de adquirir conhecimento. E, por que não, de inventar, até mesmo, novas formas de vida? Assim, somente pelo constante trabalho de reinvenção, efetivação da diferença, que preservamos a vida e não somente assegurando sua pura repetição.

Precisamos sair da lógica clássica, abandonar os raciocínios mecânicos e a certezas dogmáticas. Precisamos abrir-nos ao novo, ao imprevisível, a outras possibilidades até então inimagináveis, em todos os campos do saber e do poder, a outros paradigmas.

Para isso será preciso que cada homem decida, em particular, o mundo que deseja para si e para os outros e, a partir dessa decisão pessoal e societária, assuma a tarefa e o risco de juntos construírem-lo, no respeito à diferença, à diversidade, formas privilegiadas de vida.

O mundo da globalidade nos remete a todos ao mesmo hambúrger, ao mesmo jeans, ao mesmo herói, até a mesma língua. Ao contrário, em muitas sociedades, já se assiste ao começo da celebração e do respeito às diferenças. São novos dialetos que requerem estatuto de língua materna. São antigos e peculiares costumes, festas e ritos esquecidos que renascem com força e vigor. São novas formas de amar que ganham direito a existir. Novos grupos que ganham direito à cidadania. Mesmo lá, onde os fundamentalistas e os reacionários de sempre detêm o poder e tentam recusar a diferença, e por todos os meios estabelecer a intolerância, recorrendo a torturas e assassinatos, o insuportável de tal situação começa a despertar no povo o horror por semelhante barbárie. Mesmo, nesses tristes horizontes, um apelo a um novo amanhã acontece.

Para que também, entre nós, se estabeleça um verdadeiro mundo humano, mundo de paz e de solidariedade, mundo de respeito às diferenças, é necessário abandonar falsas identidades e cuidar de inventar o nosso modo de ser, construir nossa identidade no jogo, no laço, na relação com o outro, com o diferente de mim. Que não se separem, pois, homens e mulheres; crianças, jovens e velhos; ricos e pobres; pretos e brancos; crentes e ateus; atleticanos e cruzeirenses. Ao contrário, que se multipliquem as relações entre os diferentes, que se mantenham sempre abertas as portas de nossas casas, de nossas escolas, de nossa cidade para receber o outro, o estrangeiro. Que a humanidade invente novos modos de ser e de estar uns com os outros, ensejando situações e processos viáveis para que todos os homens, sem distinção de raça, cor, religião, ideologia, opção sexual, tenham direito e acesso ao gozo dos bens da natureza e da cultura. Somente assim “eu”, eterno caçador de mim, terei chance de me encontrar e cada um e todos nós em conjunto de nos encontrarmos.

Mas é preciso ressaltar que este conflito, determinado pela distância entre o desejo e a resposta que todos queremos dar como pessoas, papéis, instituições, não pertence ou é um privilégio apenas de um de nós como indivíduos isolados, ou como classe, ou como comunidade. Pertence tipicamente a toda relação teórica e prática seja ela qualquer relação entre pessoas, grupos e sociedades.

E por que aconteceu esse impasse?

Este mal-estar, este vazio, esta grande distância entre o nosso desejo e a resposta que podemos dar no nosso dia-a-dia atual deve ser entendido dentro de uma perspectiva histórica, porque imerso na História do Homem e da Humanidade.

Aconteceu que, nós que estamos vivendo assim esses primeiros passos do ano dois mil, esse início do terceiro milênio, esse final do século XX, estamos agora ressentindo tudo aquilo que ocorreu em termos do século XIX, que foi uma ruptura, entre uma maneira de considerar o conhecimento, a realidade, a verdade, e a própria felicidade.

O que aconteceu no século XIX a respeito disso?

No início do século XIX aquilo que até hoje é considerado por todos nós como um conhecimento certo, exato, rigoroso – científico – a Física foi abalada por duas coisas: primeiro, por verificar que a realidade se modifica toda vez que o observador ou que o cientista toma conhecimento dela; segundo, por verificar que aquilo que parecia o conhecimento exato – a matemática e a física, por exemplo-, não o era.

A Física sempre fora considerada um conhecimento certo, exato, rigoroso – científico – porque um conhecimento que norma todo mundo, que se tem controle, que se experimenta, que se tem previsão.

A partir do século XIX, porém, a comunidade científica passou a entender que ela, a matemática, ou qualquer estatuto de conhecimento, e entre eles qualquer ciência, não podia mais ser considerada completa, perfeita, absoluta.

Goedel, na matemática, mostrava que a soma dos números inteiros e finitos podia ser finita ou infinita, donde a própria matemática tinha sua indecisão, sua ubiqüidade.

Charles Darwin, com sua teoria da evolução das espécies, à teoria que Deus havia feito os vegetais, os animais, e mesmo o ser humano, de uma só vez, completos, acrescentou sua visão evolucionista em que milhões de anos foram necessários para que a vida vegetal, animal, humana fosse construída, através de variações passadas de geração a geração e que possibilitaram uma maior adaptação, sobrevivência e desenvolvimento dos seres vivos.

Heisenberg e Einstein fizeram um grande esforço para mostrar que a Física (este discurso ou estatuto de conhecimento chamado científico) tinha a ver com o sujeito que a praticava, que a fazia.

Ou seja, de uma hora para outra explodiu essa maneira de considerar a realidade como uma coisa dada pronta, como uma coisa que está aí.

Isso levou os cientistas principalmente a compreender que não era mais possível ao homem atual, em qualquer ramo do saber, pensar que a realidade é uma coisa que existe sem ele ou apesar dele. Aquela velha distinção entre sujeito e objeto acabava assim.

A partir daí soube-se claramente que qualquer discurso produzido, qualquer práxis (e a teoria é uma práxis), dependia diretamente da classe social do sujeito que falava, dependia da psicologia do sujeito, era relativa à situação, ao universo, ao contexto, em que ele estava inserido.

E isso não era um mal, simplesmente precisávamos tomar conhecimento disto – isso era a própria realidade humana.

Claro que todos gostaríamos, e há aqueles que ainda gostam ou querem que a realidade na medida em que fosse dada, pudesse ser conhecida, conquistada, definida, porque seria igual hoje, ontem e desde sempre, e que também houvesse um conhecimento verdadeiro possível de ser dominado ou conhecido por um indivíduo, um grupo, uma instituição qualquer, e que esse conhecimento verdadeiro fosse um conhecimento objetivo, válido para qualquer geografia, válido para qualquer idade, válido para qualquer história, válido para qualquer pessoa. Mas isso não é verdade.

Vivemos uma época diferente das outras.

Dos gregos até o século XIX as pessoas sempre tiveram uma verdade, mesmo aquelas que eram cépticas, tinham a verdade de não ter verdade. Hoje, vivemos a experiência da verdade.

O que é isso?

Sabemos que a verdade – a verdade do conteúdo de um sistema de pensamento, do ato pedagógico, do ato profissional, do ato político, da minha sobrevivência, da minha segurança, da minha saúde e tantas outras - depende das pessoas que a estão fazendo. A verdade é alguma coisa por construir. Ela é um ser de relação. Não pertence exclusivamente a um dado claro que uma ciência pode me revelar, não depende de uma opinião de um cientista, de um religioso, de um filósofo, de um homem do povo. Ou seja, não depende isoladamente do discurso ou da práxis de uma pessoa isolada, de um grupo, de uma instituição, de nenhum saber ou poder instituído ou não.

Assim o século XIX mudou o saber humano quanto à possibilidade de se ter algum dia um conhecimento, uma realidade, uma verdade, uma felicidade, definida, exata, absoluta.

Definitivamente o ser humano ficou sozinho no universo. Não podia mais querer apreender um conhecimento, uma realidade, uma verdade, uma felicidade única. Deus se apartou do Homem e ele passou a ser responsável pela construção de cada um desses elementos essenciais de sua caminhada para um futuro incerto, imprevisível, probabilístico e não mais determinado.

Na medida em que, porém, o universo do saber, a quantificação e aceleração das informações foram aumentando, assistiu-se a necessidade do homem estreitar o seu campo do saber, deter o seu olhar, a sua óptica sob um campo cada vez menor e tentar explorá-lo a fundo. E o século XIX também urdiu uma grande ilusão – vamos partir para o especialista. E de fato tinha razão, porque naquele momento findava a possibilidade de um único ser humano ter todo o conhecimento da época, como acontecia com um Leibniz, por exemplo. Leibniz não sabia somente matemática, fundou o cálculo infinitesimal (ao mesmo tempo em que Newton inventa, ele reinventa). Leibniz sabia filosofia. Não. Ele inventou um sistema filosófico. Sabia não sabia somente teoria histórica e relações entre os povos, ele a exercia. Então ele era um sujeito, no seu tempo, capaz de ter domínio de todo saber da época.

Então ele era um sujeito, no seu tempo, capaz de ter domínio de todo saber da época.

Mas aconteceu uma coisa muito interessante: a quantidade e qualidade das informações naquele pequeno campo se tornaram tão complexas, tão abundantes, tão ricas, que começaram a extrapolar aquele campo e um teve de se estreitar com outros campos do saber para que pudesse haver uma verdadeira democracia do saber.

Nos anos sessenta nos Estados Unidos assistimos a explosão do campo do especialista.

O que foi isso?

Isso remeteu cada vez mais o cientista a uma necessidade de fazer uma comunidade do campo do saber. Primeiro porque não havia verdade parcial. Segundo, que a verdade devia ser feita pelos homens. Terceiro, a verdade devia ser remetida a uma multiplicidade de ópticas, porque o conhecimento de outras áreas podia servir a uma área específica.

Isso veio mostrar que o fato de não haver uma verdade absoluta não era um mal. E que a verdade era relativa à História como mostrou Nietzsche, à classe social como mostrou Marx, à psicologia como mostrou Freud e outros tantos, inclusive à psicologia individual de quem faz a verdade. E isso longe de ser um mal era um convite à circulação ou à democracia do saber.

Assim estamos hoje cada vez mais conscientes que não há nem práxis, nem atividade, que se ela quer responder ao desejo ou à demanda, ela não se insira num complexo de relações que vai muito além daquela circunscrição ou especialidade que o sujeito faz. Mas para isso é preciso realmente reabrir o campo a uma verdadeira democracia do saber (de cratus- poder, demo – povo) ou seja a um verdadeiro poder exercido pela comunidade. Isso não é fácil, isso não se dá de graça, isso não se dá atoa. É uma situação histórica em que o poder possa realmente ser assumido, participado, exercido, pelos diferentes pesquisadores, pelas mais diversas pessoas, pelos inúmeros clientes do objeto daquela pesquisa.

É imprescindível que haja uma circulação do saber para que surja uma verdade naquele determinado campo e que se atinja uma coisa muito séria. A ciência do especialista esqueceu com o tempo uma coisa muito séria – que todo discurso da ciência deve ser endereçado para se realizar uma coisa tipicamente ética que é a felicidade do homem.

E a felicidade de cada um de nós é tipicamente alguma coisa a ser construída, alguma coisa que se realiza na relação entre as pessoas, e a responsabilidade não pode cair sobre um indivíduo, ou classe, ou instituição, isoladamente.

O tema da relação humana foi muito pouco explorado. E na verdade somente favoreceu o narcisismo do cientista, ou do professor, ou do amante, ou do político, ou do religioso, ou de tantos outros que detém o poder e o saber. Hoje está favorecendo ao masoquismo daquele que detém o saber ou o poder, porque na verdade o faz sofrer muito porque sabe que não corresponde à realidade.

Quem sabe hoje em dia como é ser um pai, um professor, um político, um ser humano perfeito?

Mas nem na situação que cada um desses indivíduos, ou papéis, ou grupos, de saber e de poder, podiam ter seu narcisismo reforçado porque era um Deus, um ser perfeito, um ser completo, porque dele emanava o saber, o conhecimento, o amor, o fazer, a salvação, nem nessa situação em que os valores, crenças, conceitos, tecnologia,..., mudaram e encantoou o ser humano numa perspectiva em que seu poder e saber é cada vez menor, mais precário, menos atualizado, e que ele necessita se remeter aos outros elementos de sua relação para que realmente possa exercer seu saber e poder.

Nem podemos nos capitular nem a um narcisismo exultante, nem a uma frustração culposa.

É preciso, na verdade, restabelecer a relação entre os diferentes sujeitos de um determinado saber ou poder (entre o professor e o aluno, entre o médico e o paciente, entre os filhos e os pais, entre os cidadãos e o Estado, entre o amante o amado).

Parece que a realidade é uma coisa por construir porque relativa. Que o conhecimento se faz na mudança da perspectiva entre os vários sujeitos do saber e do poder. Que ninguém tem a verdade e aquele que a julga possuir é um ditador solitário e sempre contra qualquer diálogo, porque ele entende que pode falar e os outros devem abaixar a cabeça e repetir o gesto.

Parece que é preciso se reinventar uma relação adulta entre os diferentes sujeitos do saber e do poder na construção do conhecimento, da verdade, da realidade, da felicidade humana, relação essa sempre participada e em que o engajamento deve ser mútuo ou múltiplo.

Finalmente, parece que tanto a realidade, quanto o conhecimento, quanto a verdade, quanto a felicidade antes de serem coisas dadas prontas constituem uma tarefa do Homem e da História do Homem.

CARLOS VIEIRA
Enviado por CARLOS VIEIRA em 13/11/2009
Código do texto: T1922132
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