Ser ou não ser? Eis a questão! (problemas fundamentais da condição humana)

A obra de Shakespeare nos leva a problemáticas e conceitos tão atuais que os escritores parecem copiá-lo a todo o momento quando direcionam o assunto para a condição humana. Suas perspectivas, que visavam, aparentemente, os oficias e reis, mexiam na realidade com toda a população, não só de sua época, como também as seguintes, pois continuavam a ser contracenadas no teatro popular. Devido ao vários problemas pessoais e interpessoais, que viveu, ele pôde facilmente perceber as condições de seu povo e recriá-las através de peças intrínsecas de cunho psicológico.

Aparentemente simples, suas obras inspiram e digo eu: exalam o autoconhecimento até os dias de hoje, pois para conhecermos o outro temos de conhecer a nós mesmos primeiro. Os personagens de Hamlet são vivos e parecem criar vida progressivamente, com o avanço da leitura. As falas em verso bastam-se para perceber atributos da personalidade, meio e condição dos personagens na peça. Vale lembrar, que o dramaturgo escrevera outras grandes peças, das quais não citei nem um trecho aqui, todavia não por falta de qualidade, mas por fidelidade ao trabalho desta obra específica.

O texto aqui presente se vale(rá) a notar os problemas fundamentais da condição humana de forma atemporal a partir da obra de Shakespeare nomeada Hamlet. Já é sabido de todos que o ser humano muda com o passar dos anos, porém, diferentemente de seus muitos hábitos, alguns sentimentos perduram durante os séculos, tomo como exemplo o amor, a saudade, o ódio e a vingança. Todos atemporais no universo.

Vivemos em uma planeta consideravelmente pequeno, somos todos filhos do cosmos, isolados, quase estranhos. Dentro de nós, temos um mundo físico/material, um mundo químico/biológico e um mundo vivo, no qual ao mesmo tempo, estamos separados por nosso pensamento e cultura. Conhecer uma raça ou povo, não é separá-lo do universo, mas situá-lo nele, todo conhecimento deve contextualizar seu objetivo. Leia a fala de Marcelo, oficial da Dinamarca.

“Marcelo: Por que os suditos deste país se esgotam todas as noites

Em vigilias rigidamente atentas, como esta?

Por que, durante o dia, se fundem tantos canhões de bronze?

Por que se compra tanto armamento no estrangeiro?

Por que tanto trabalho forçado de obreiros navais,

Cuja pesada tarefa não distingue o domingo dos dias da semana?

O que é que nos aguarda.

O que é que quer dizer tanto suor

Transformando a noite em companheira de trabalho do dia.

Quem pode me informar?”

(SHAKESPEARE, William. Hamlet, 2007. p15)

No trecho acima, Marcelo demostra demasiada racionalidade ao perceber os problemas do seu país, que vive uma espécie de ditatorismo sem fim, como se se preparassem para uma guerra. Poderíamos nós perceber os traços que determinam e contextualizam o objetivo deste povo? E seriam os objetivos desse povo os mesmos de Marcelo, e se formos além, afirmando que esses objetivos nunca foram desse tal povo, apenas do seu governo ou governantes. Contudo, assim estaríamos excluindo-o do universo, não? Pois o oficial Marcelo, parte do povo, difere de pensamento e cultura com o seu universo.

Pois bem, acredito que todos em algum momento da vida, ouvimos ou pensamos “Quem somos nós?” Porém, “o que somos e quem somos”, é completamente inseparável de “onde estamos de onde viemos, para onde vamos?”. Logo, Marcelo é o que o todo é. Mas e a sua racionalidade divergente de cunho próprio? Fica a deriva no cosmos, pois é impossível separar um sujeito de seu povo para classificá-lo.

Já sabemos que a obra de Shakespeare é permanentemente atual, pois trata com grande força alguns dos problemas fundamentais da condição humana como obsessão, vingança, loucura, dúvida e o desespero, muito presentes em seus monólogos. Leia o trecho.

“Hamlet: Ser ou não ser – eis a questão.

Será mais nobre sofrer na alma

Pedradas e flechadas do destino feroz

Ou pegar em armas contra o mar de angustias –

E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;

Só isso. E com sono- dizem – extinguir

Dores do coração e as mil mazelas naturais

A que a carne é sujeita; eis uma consumação

Ardentemente desejavel. Morrer – dormir –

Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!

Os sonhos que hão de vir no sono da morte

Quando tivermos escapado ao tumulo vital

Nos obrigam a hesitar: e é essa reflexão

Que dá à aventura uma vida tão longa.

Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,

A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,

As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,

A prepotência do mando, e o achincalhe

Que o mérito paciente recebe dos inúteis,

Podendo, ele próprio, encontrar seu repouso

Com um simples punhal? Quem agüentaria fardo,

Gemendo e suando numa vida servil

Senão o porque o terror de alguma coisa após a morte –

O país não descoberto, de cujos confins

Jamais voltou nenhum viajante – nos confunde a vontade,

Nos faz preferir e suportar os males que já temos

A fugirmos pra outros que desconhecemos?

E assim a reflexão faz todos nós covardes.

E assim a reflexão faz todos nós covardes.

E assim o matiz natural decisão

Se transforma no doentio pálido do pensamento,

E empreitadas de vigor e coragem

Refletidas demais, saem de seu caminho,

Perdem o nome de ação. [...]”

(SHAKESPEARE, William. Hamlet, 2007. p15)

No trecho, podemos perceber os profundos devaneios filosóficos do atordoado Hamlet, devido aos infindos problemas familiares e sociais vividos por ele. O protagonista fala do amor nas primeiras linhas, então cogita o suicidio que se mistura com a loucura e o desespero condensado com ódio pela condição humana nas últimas linhas. Podemos pensar tais fundamentos, nos tantos suicidas, psicopatas, sociopatas e até mesmo homicidas tão em pauta nos dias de hoje. Pesquisas atuais dizem-nos que entre os sentimentos mais presentes no autor de qualquer um desses atos estão o desespero, ódio e a vingança. Confirmando a atemporalidade do que foi dito. (ALVAREZ, A. 2003)

Os céticos podem dizer que os sentimentos têm os mesmos nomes, porém mudam de sentido com o passar dos séculos. Ou que nunca se deve estudar o passado para pensarmos o futuro. Devemos, então, fazer pesquisas baseadas em dados atuais, pois os homens mudam, naturalmente, junto com seus fundamentos e condições. A atemporalidade é uma farsa, baseada em “achismos” históricos. Para conhecermos um determinado povo, temos que fazer identificações das partes e separá-lo do todo. É impossível classificar um todo, as generalizações são errôneas. Cada ser constrói a sua identidade, o seu “eu”.

A persistência de certos sentimentos é um dos pontos mais importantes a serem julgados aqui, pois embora mudemos a grafia ou a forma de emprego, o mesmo sentimento ainda existe. O mesmo talvez não possa ser dito quanto à certeza dos sentimentos serem todos atemporais, um sentimento como o da vingança, sentido pelos britânicos em diversas ocasiões históricas, por exemplo, era desconhecido pelos índios durante muito tempo, pode então a vingança ser atemporal para o universo?

A seguir alguns exemplos que esclarecem o que vem sendo dito. Quando nos referimos a problemas fundamentais da condição humana, temos há necessidade de diferi-la do conceito de natureza humana. Leia:

“Hamlet: Vamos lá, sente aí e não se mova;

Não vai sair daqui antes que eu a ponha diante de um espelho

Onde veja a parte mais profunda de si mesma.”

(SHAKESPEARE, William. Hamlet, 2007. p15)

A condição humana representa as características essenciais da existência do homem em determinado espaço, visto que sem elas essa existência deixaria de ser humana para ser irracional, ou seja, a vida, a natalidade e a mortalidade, a mundanidade, a pluralidade e o Planeta Terra em todo o seu âmbito pertencem à condição humana.

“Esse crânio já teve língua um dia, e podia cantar.

E o crápula o atira aí pelo chão, como se fosse queixada de

Caim, o que cometeu o primeiro assassinato.

Pode ser a cachola de um politiqueiro,

isso que esse cretino chuta agora;

Ou até o crânio de alguém que acreditou ser mais que Deus.”

(SHAKESPEARE, William. Hamlet, 2007. p15)

Os gregos, ainda antes de Cristo já pensavam a condição humana, todavia eram muito mais subjetivos em seus devaneios. Pensando, na maioria dos casos na natureza humana e não em sua condição, durante séculos buscavam saber daonde vinham às coisas e quais os materiais que as compunham.

A abertura que sugiro aqui, repensando os problemas fundamentais da condição humana e todos os grandes problemas e conceitos serve para meditar sobre o saber e para integrá-lo a própria vida, de modo a explicar a própria conduta de um povo ou o conhecimento de si mesmo. Aliás, a mentalidade fundamental da condição humana, que percebo em Hamlet, deve investir, no propósito de favorecer a inteligência geral, a aptidão de problematizar, a realização da ligação dos conhecimentos.

Enfim, acredito que podemos aprender lições de vida, tomar consciência de novas condições humanas e ampliarmos outras, contribuindo assim para o aprendizado existencial e psicológico do ser humano.

BIBLIOGRAFIA

SHAKESPEARE, William. Hamlet. 10 ed. Porto Alegre, L&MP, vol.4, 2007

BARRETO, Aldo de Albuquerque. A condição da informação: São Paulo, Perspec, vol.16, 2002

Evangelista, Pedro Rafael Farias. A APRENDIZAGEM CIDADÃ: ENSINAR A ASSUMIR A CONDIÇÃO HUMANA, ENSINAR A VIVER. Nova Venécia, Diário oficial da união, 1999.

MORIN, Edgard. A cabeça bem-feita, reformar o pensamento. 6. ed. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2002.

Alex Sandro M Spindler
Enviado por Alex Sandro M Spindler em 06/12/2009
Reeditado em 14/01/2010
Código do texto: T1963929
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