O que aconteceu

Saíram todos da sala. E como ela passava por ele, segurou delicadamente seu braço e a deteve. Ela voltou-se para ele com olhos ternos enquanto ele lentamente entreabria os lábios para lhe falar:

_Como foi mesmo que isso aconteceu?

Ela pendeu preguiçosamente a cabeça em direção ao ombro direito.

_ Não sei como poderia lhe explicar tudo, talvez fragmentos. De qualquer forma, já aconteceu não é mesmo?!

Ele baixou o olhar para as mãos dela que se sobrepunham à frente do diafrágma.

_ Já aconteceu.- ele disse – Mas nunca acreditei.

Ela ergueu as sombracelhas franzindo a testa.

_ Em quê?

_ Que você um dia ia se afastar de mim.

Ela volveu a cabeça em direção ao outro ombro e depois recuperou a verticalidade e a firmeza da postura:

_ Mas estamos aqui frente a frente não estamos?

_ Mas é diferente.- disse ele com uma voz cansada.

_ Que seja diferente então.

_ Acontece que nunca foi minha intenção ter você diferente do jeito que eu tinha. O que aconteceu?

_ Eu fiz uma escolha. Acreditei ser melhor assim.

_ E é melhor assim?

Ela pensou por um instante.

_ Não sei se é melhor. Algumas coisas melhoraram, e outras, eu vou escolhendo abrir mão, pois não se pode ter tudo...

_Prezumo que as coisas que você abre mão são coisas ínfemas, que você considera desnecessárias.

_Nem sempre, mas de certa forma sim.

Ele sentou-se numa mesa que estava no corredor e deixou as pernas balançando enquanto voltava os olhos para as próprias mãos.

_Em quê está pensando?- e aproximou-se dele.

Ele continuo olhando para as palmas das mãos e deu um sorriso de canto de boca.

_ Estava só pensando, como seria bom olhar para as linhas das mãos e ler um pouco do futuro.

_ E para quê?

_ Para saber se vale à pena continuar pelo caminho que escolhemos...

_ Talvez assim não tivesse graça...

_ Mas talvez nos desse algum motivo para achar graça!- olhou para ela com olhos luminosos.

(...)

Espinosa fala da essência do homem, que é o movimento interno do corpo juntamente com o nexo das idéias, que se denomina conatus, e que é esforço de existência e superação. Diz que o desejo, é a tendência interna do conatus a fazer algo que conserve ou aumente sua força. Desta forma, a ação consiste em apropriar-se de todas as causas exteriores que aumentam o poder do conatus. Assim, a ação é uma potência positiva, pois nela, o conatus (alma e corpo) incorpora o exterior graças ao seu próprio poder. O desejo do homem livre é a fusão deste com o objeto desejado, de forma que o desejo não significa distância, mas movimento de aproximação e união.

(...)

Ele voltou a olhar para as palmas das mãos.

_ Eu lhe garanti uma vez que nunca alguém iria lhe amar tanto quanto eu.

Ela soltou um suspiro.

_ Acho, que na verdade você quis dizer que nunca alguém iria me desejar tanto quanto você!

Ele levantou o olhar para olhar primeiro para a parede e depois pra dentro dele mesmo.

_ Foi o que eu disse...

Ela contraiu os lábios.

_ Não, não foi. Você disse amar, eu disse desejar.

_ Não entendo a diferença...

_ Para mim, não é o amor que nos faz querer estar juntos, mas sim o desejo.

_ Mas se você ama, você deseja. Não é assim? Quando a gente ama não deseja estar junto?!

_ Não necessáriamente. O amor tem muitas faces.

_ Você quer dizer que existe amor, e que existe paixão.

Ela fez que sim com a cabeça. E ele retomou a palavra:

_ Eu não entendo o que você entende... Eu não entendo o que aconteceu... você deixou de ser apaixonada por mim?

Ela mediu, mas não havia como medir:

_ Não.

Ele olhou no fundo dos olhos dela:

_ Você deixou de me amar?

_ Não!

_ Então, - ele queria saber, mas não sabia o que exatamente perguntar- O que aconteceu?

Ela olhou apaixonadamente triste para ele e disse:

_ Eu percebi que seus desejos eram muito diferentes dos meus!

Ele olhou perplexo para ela, que amava tanto... Ele amava ela, ela amava ele, mas ele não entendia como poderia ela renunciar à isso. Ela tinha outros desejos, só isso.

Caroline Natalie Stroparo
Enviado por Caroline Natalie Stroparo em 14/12/2009
Código do texto: T1977918
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