Um brinde à .

Pediram-na para que propusesse um brinde. – A que? Foi o que perguntou. Talvez à vida? Foi o que pensou. Um brinde a vida. Mas logo ela? Que era um poço de amarguras e remorsos? Que vivia pelos cantos tão dispersa, não se dando conta da vida que passava? Logo ela que vivia para si? Então a vida para ela tomava outro rumo, tinha outra conotação. Ergueu a taça e pensou em brindar a liberdade de ser, o livre arbítrio de pensar por si mesmo. Mas aquilo causaria muito espanto e não diria nada sobre o que era a vida para ela. A vida para ela tinha um quê a mais, um sabor inconfundível de memórias e reflexão. Era alienada? Não. Sábia? Também não. Então o que era? Um amontoado de dúvidas e preconceitos. Suas falhas eram iguais as de todos. As qualidades eram louváveis. Gentil, educada, cordial. Isso que a sociedade sempre espera, não é? Verdade. Uma massa de sutilezas e mesuras. Uma fábrica de bom senso. Bom senso era bom. Um brinde ao bom senso! Mas bom senso ainda não traduzia o que era a vida. E como era ela que havia de propor um brinde, ao menos que fosse especial. – Um brinde a solidão! Aos momentos que estamos em par com nossos monstros internos! E a partir de então fez-se um silêncio mórbido na sala. Aquele era o brinde mais apropriado já proposto naquela família tão falante. E o mais sincero. O brinde que tinha o cheiro e o sabor do que a vida algum dia sempre vai precisar.

Andrea Sá
Enviado por Andrea Sá em 20/01/2010
Reeditado em 25/01/2010
Código do texto: T2041574