Sobre os esportes na minha infância e adolescência

SOBRE OS ESPORTES NA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE

Março/2010

A criatividade também se manifesta e é identificada através de coisas simples.

Nos tempos de infância, sempre fui muito ligado a esportes. Não tinha aquele típico sonho de tornar-me jogador profissional disso ou daquilo; aliás, sequer sabia com que profissão sonhar. Mas gostava muito deles. Isolado, ao meu próprio modo, direcionava minha criatividade na direção dos esportes – da vida em movimento, tão importante para Sócrates e Schopenhauer.

Em determinada época, meu pai havia conseguido algo que me era inédito: uma rede de televisão a cabo. Através dela, aos fins de semana, eu acompanhava os esportes mais diversos, de todos os cantos do mundo. Sempre junto de um caderno, anotava tudo o que me era possível: nomes, resultados, probabilidades, táticas, etc.

Uma mesa clara, feita em vidro, me era o cenário perfeito para criar uma espécie de hockey no gelo jogado com os dedos; o corredor extenso, da casa paterna, era o palco do basquete onde as cestas eram imaginadas acima das portas. As partidas, quando não feitas com os dedos, eram disputadas contra o meu próprio corpo. Ainda hoje eu me pergunto como me era possível, por exemplo, jogar futebol comigo mesmo, fazendo com que uma perna representasse um time diferente do outro. Mas, confusão à parte, tudo me era profundamente divertido.

Quando retornava àquela nossa velha casa de madeira, eu costumava cavar um buraco próximo do tronco de uma árvore. Para longe, levava uma pequena bola de plástico. Ali, eu simulava minhas partidas de golfe. Passava horas jogando sozinho, sujo pelo terrão, até que precisasse me banhar. Anotava todas as tacadas. Jogava em nome dos melhores do ranking. Não havia ventos, nem areia, lagos ou uma grama bem aparada. E, no entanto, tudo me era grandioso.

Certa vez, abaixo dos mesmos galhos, eu tentei simular uma partida de Cricket. Eu havia estado encantado pela duração das partidas que havia visto na televisão. Enquanto minha mãe se ocupava das atividades domésticas, eu, agachado, desejava passar doze horas ou mais a brincar. Com uma das mãos eu atirava uma bola minúscula; com a outra, segurava um pedaço de madeira – quem sabe mesmo um palito de sorvete – e procurava rebater a bola. Os dedos médio e indicador, com as pontas ao chão, simulavam alguém que corria.

Eu também tinha uma coleção de carrinhos de brinquedo, dos mais diversos tamanhos. Dei, então, nome a todos os seus pilotos e dizia que cada um representava um país específico. A cada fim de semana, geralmente aos domingos, eu iniciava uma nova disputa. E à moda das corridas verdadeiras, sempre procurava mudar o cenário. A casa grande do meu pai proporcionava minhas pistas ideais, como calçadas e corredores. Eu lançava os carros com a força dos punhos, um a um. Tudo durava pouco tempo. Às vezes me era preciso tirar um ou outro para reparos técnicos. E tendo retornado ao lar materno e lá passado toda a semana, eu brincava comigo mesmo a me fazer de jornalista, dizendo que tudo se preparava para a próxima corrida; alimentava a minha própria expectativa. Eu era o protagonista e o meu próprio público.

Relembro quão manchadas ficaram aquelas paredes do lado de fora da casa onde eu morava com a minha mãe, quando, por diversas vezes, simulei um jogo que era uma mistura de squash com badminton: a bola era raquetada contra a parede, sem que fosse permitido derrubá-la. Eram disputas acirradas, árduas, como se dois ou mais competidores vivessem dentro de mim. Era como escrever uma peça de teatro, onde, à palma da minha mão, eu dava vida a personagens de características tão distintas, que se confrontavam entre si, fazendo uso de suas melhores armadilhas.

Morávamos ao lado de um velho campo, onde carneiros eram criados por um senhor holandês chamado Kurtz. Por algumas madrugadas, eu cheguei a invadi-lo para jogar futebol sozinho. Os holofotes estavam todos condensados em um único foco para fora de casa. E lá, eu dizia a mim mesmo que estava a disputar um campeonato japonês: pela diferença de fuso-horário, explicava-se, portanto, fazê-lo àquela hora.

Ah, como eu gostava de futebol! E, no entanto, sempre me era difícil jogá-lo. Na escola, eu me esforçava para me tornar o goleiro do segundo time da sala; ou, com muita sorte, o substituto do goleiro oficial, que se chamava Rui e sempre, ao falar, parecia querer cuspir na cara de todos. Eu realmente adorava aquele esporte. Sobre questões teóricas, eu procurava ler tudo a respeito. Sabia muito. Mas, como atleta eu, algumas vezes, fui um verdadeiro fracasso.

Ainda relembro os tempos em que eu havia ganhado um gravador. Carregava-o comigo para todos os lados. Houve algumas vezes em que sozinho, estive, em meio a algumas árvores, a acompanhar as partidas de um time de futebol amador da cidade. Eu as narrava e ouvia tudo posteriormente. Aquele exercício ingênuo parecia fortalecer a memória na minha posteridade.

Com um físico não muito bom, cabia-me a imaginação.

Talvez isto fosse fruto do envolvimento maior que tive com o xadrez. Se me é permitido fazer referência ao meu primeiro esporte, este teria sido ele. Fui introduzido pelo meu pai. Eu, na verdade, nasci em uma família de enxadristas. Ainda relembro que bastante pequeno, visitávamos uma tia do lado paterno, casada com um irmão já falecido. E com seu sobrinho, meu pai, por horas, se ocupava das partidas de xadrez. Sem me sentir à altura para disputar aquelas partidas, eu ficava a observar todo o cenário daquela casa que apesar de ter sido um marco na minha infância, nunca mais foi visitada.

Meu pai realmente amava o xadrez. Para que se tenha um exemplo disto, basta dizer que a calçada de casa, onde funcionou seu último consultório, é composta de peças de xadrez: na primeira fileira, apenas peões; na segunda, as peças demais. Ainda me é possível encontrar inúmeros cadernos seus, repletos de táticas. E de fato, ele sempre me foi um espelho nesta prática que muitos não consideram um esporte – um espelho que não consegui alcançar. Nunca consegui vencê-lo, por mais que me esforçasse. Era, na verdade, mais um dos seus truques sábios. Deixava-me rir, sempre a pensar que em poucos movimentos eu o venceria. Mas, em uma única jogada, ele revertia a situação e a mexer seu bigode acinzentado pela idade, dizia: “Mate... Cheque-Mate”. E eu, com aquela voz de protesto infantil, dizia: “Ah, pai! Mais uma vez!”. E saía aborrecido.

Àqueles tempos, seu método de jogar xadrez tornou-se bastante heterodoxo. Tendo encontrado um aparelho de xadrez eletrônico, ele o levava à mesa, logo após o expediente. E então, junto de seu chimarrão, dava início a uma partida. Quanto mais o jogo avançava, mais demoradas eram as jogadas da máquina – oposto do meu pai, que optava por uma tática que se referia como “relâmpago”. Havia um botão onde era possível apressar a jogada, mas ele nunca o pressionava. Por inúmeras vezes, foi às compras à espera de um movimento por parte de um adversário que, de modo carinhoso, era chamado de Kasparov. E ele só pausava quando lhe era solicitado tirar o tabuleiro da mesa para que a toalha fosse estendida e a janta servida.

Mas o meu maior envolvimento com o esporte viria com o Tênis de Mesa. Em pouco tempo ele se tornou uma paixão. Os rumos da vida me levaram a deixar de lado a prática do xadrez, com o qual eu era familiarizado desde pequeno, para optar por um único esporte. Dos dois esportes com os quais mais se usa o cérebro, eu escolhia o segundo.

A primeira vez que tive contato com o Tênis de Mesa havia ocorrido quando eu ainda era uma criança. E eu sequer tinha consciência de que em alguns anos, ele ganharia um novo sentido para mim. A iniciativa de se ter uma mesa para jogá-lo partia da minha mãe, que sempre gostou muito de esportes. Fora um destaque no Handebol, nos tempos de juventude. Pequeno, notava a tudo com certa indiferença.

Assim se transcorreram os anos, até que eu tomasse coragem para freqüentar o centro de treinamentos da minha cidade. Antes, eu jogava apenas sozinho. Já dispunha de raquetes, também já fazia minhas primeiras pesquisas a respeito, e, no entanto, não me sentia preparado o suficiente. Aquele centro de treinamentos me era um lugar quase que mitológico. Quando porventura passava diante dele, meus olhos brilhavam. Do mesmo modo, aqueles, com quem posteriormente haveria de construir proximidades e mesmo frutíferas amizades, também, por certo, me eram seres mitológicos. Como em tudo, sempre residia em mim uma espécie de romantismo alemão pelas pessoas que eu sentia estar acima da minha pessoa, ligadas a áreas sobre as quais eu passava a me interessar.

A metade de uma mesa e uma parede eram os meus únicos recursos. As disputas eram realmente acirradas. Geralmente, eu criava uma espécie de campeonato. Selecionava os melhores do ranking e fazia-os jogar entre si. Cada raquetada representava a ação de um jogador em específico. E eu procurava incorporar o estilo que cada um seguia; do atacante ao defensivo, passando pelo estrategista.

O êxtase das brincadeiras solitárias chegava ao ponto de ter comprado, por uma ou duas vezes, as medalhas para os três primeiros lugares dos campeonatos internacionais que eu mesmo havia imaginado. Na parte de trás de cada uma, escrevia o nome do seu vencedor e o ano da disputa conquistada.

Meu método de treino chegou a ser mostrado e mesmo praticado junto de outros colegas.

Meu envolvimento com este esporte ainda duraria alguns anos. São boas recordações. As primeiras viagens; os primeiros dias em que eu dormia fora de casa; a solidão dos alojamentos; a pressão dos campeonatos; a concentração. E, no entanto, ainda não era capaz de perceber que por algumas vezes me havia sido concedida a honra de defender a minha cidade em competições estaduais.

Lamento hoje não ter a proximidade que me era possível conseguir, junto dos orientais, naqueles tempos. Predominantes no Tênis de Mesa, era sempre comum vê-los reunidos em família, presenciando os jogos. Uma mãe lendo, uma filha fazendo origami e um filho se preparando para disputar as próximas partidas, alongando os braços e pernas. Tudo era quieto, a não ser pelo barulho dos tênis ao chão e o quique das bolas em contato com as mesas. Todos ali se cumprimentavam. Eram profundamente educados, sérios e dedicados. Hoje, se os tivesse à minha disposição, certamente teria muito que poder perguntar-lhes, sobretudo aos mais velhos. É certo de que muitos, assim como eu, devem compartilhar da mesma agonia que sinto pelo destino que é conduzido à juventude e às culturas. Do desrespeito pela ancestralidade, pela terra, pela saúde, pelos bons costumes.

Infelizmente, uma sombra em forma de nervosismo sempre me acompanhava em todas as partidas que eu disputava. Talvez por isso, eu não tenha vencido muitos campeonatos. Facilmente derrotava alguns colegas durante os treinos. Mas a sensação de disputar um título mexia muito comigo. Eu tremia e me sentia incapaz de agir, nem raciocinar. Assim, era derrotado.

Nunca hei de me esquecer a pior de todas as derrotas. Nossa equipe deveria passar para uma fase seguinte. Bastaria que eu vencesse minha partida. Tudo corria bem. Estive a pouco de vencê-lo. Mas apressado, optava pelo jogo ofensivo – oposto ao meu próprio. Um a um, os pontos foram se aproximando pelas minhas precipitações. Retornei à defesa e, agora, por ele era atacado. Uma bola do alto decidiria tudo. E, no entanto, eu a errei. Falhei, eliminando todo aquele esforço em conjunto. Um peso enorme pareceu cair sobre mim.

Em um tempo, fui presenteado com uma mesa oficial, com rodas. Era um grande sonho. Sobretudo porque além de facilitar a locomoção, me possibilitada dobrá-la pela metade, para que eu pudesse treinar. Mas logo que eu a trouxe para a casa materna, não notei as escadas às minhas costas e a derrubei. Chorei, pois ela, logo em seu primeiro dia, estava destruída e jamais voltaria a ser a mesma.

Nos treinos, a grande maioria dos jovens eram cuidadosos com suas raquetes. Comigo não poderia ser diferente. Apesar de não ter pago um preço alto pela minha, eu a protegia. Levava-a sempre envolta a uma toalha branca. Limpava a superfície de suas borrachas com água. Com sorte, às vezes me era possível usar uma espécie de espuma importada, especial, que um ou outro sujeito trazia.

Eu era, sem exageros, o mais excêntrico daqueles treinamentos. Meu modo de jogar. Meu aspecto visual. Minhas concepções de mundo. E tudo parecia me tornar uma figura que apesar de chocante e engraçada, muitas pessoas pareciam nutrir um carinho especial.

Durante uma época específica, cheguei a treinar nove horas diárias. Almoçava, após retornar do colégio. E tão logo, estava a preparar meus pertences, tomando, em seguida, um ônibus. Tudo lá me era como uma segunda ou terceira família. Deve-se dizer, portanto, que consistia em uma verdadeira frustração quando, por um imprevisto qualquer, não nos era possível treinar.

Devido ao meu próprio método de treino, desenvolvi um estilo defensivo bastante incomum, ao menos se comparado entre meus colegas mesa-tenistas. Agia como um sábio que responde à agressão de um opositor seu com um simples: "Não, não é bem assim, amigo... Você precisa entender que...". E na persistência, por muitas vezes obtive êxito: vencia-os pelo cansaço.

Apesar do nervosismo, triunfei no dia em que fui submetido à maior pressão possível. Agora, estudando em um colégio particular, eu ouvia das arquibancadas as mais diversas ameaças, caso vencesse a partida que disputava. E eu a venci, dando o título de campeão ao meu colégio, em equipe. Eu procurava desviar os meus olhos do público, embora temesse pelo que pudesse me acontecer ao deixar o ginásio. E ao fim, sob recomendação do nosso técnico, foi preciso que a polícia militar fizesse nossa escolta.

Naquele mesmo ano, durante a mesma competição, eu conhecia a querida Ivana, com quem tive minha filha Sophie. Relembro tê-la visto jogar. Integrava a equipe de um dos colégios mais tradicionais no Tênis de Mesa feminino. Mas jamais eu teria imaginado que voltaríamos a nos ver quatro anos mais tarde, levados por diferentes ventos que se cruzavam sobre um mesmo caminho de afinidades. Terá sido o mundo sempre tão pequeno assim?

Recordo que tive uma ou duas paixões durante os tempos de mesa-tenista, no que diz respeito ao lugar, já não mais mitológico, onde eu costumava treinar. Uma e meia, para ser mais específico. Uma moça ruiva havia me encantado. Era realmente bela. Relembro ter escrito algo – um poema horrível. Mas, para minha sorte, igualmente para a sua, eu não a entreguei. A meia paixão se refere a outra moça, dona de um rosto incrivelmente atraente, de aparência dócil, por quem respirei fundo durante uma noite toda.

Talvez meu grande problema foi o de ter sido levado por uma espécie de euforia que parecia roubar meus controles. Nunca uma derrota era bem vista por mim. Fosse um treino, uma competição estadual ou uma simples brincadeira: em todas as situações me era inadmissível perder, sobretudo quando estava cônscio da possibilidade de enfrentar por igual ao adversário.

Mas, se hoje tivesse oportunidades de retornar à mesa, quem sabe eu o fizesse. Seria guiado pelo aroma dos velhos tempos.

Pois é sempre uma experiência interessante voltar a saborear algo que, na juventude, uma avó nos preparava com tanto carinho. Agora alguém em seu lugar a reproduz. Pode ser que o sabor não seja o mesmo, apesar de se contar com uma receita milenar. E certamente algo haverá de conduzi-lo, através do paladar, à magia de outros tempos. Assim, quem sabe, deverá ocorrer comigo em relação ao esporte pelo qual nutri uma paixão imensa.

Newton Schner Jr
Enviado por Newton Schner Jr em 08/03/2010
Reeditado em 08/05/2010
Código do texto: T2126875