O Livro da Verdade - uma apresentação (em fase de produção)

“- Mas eu só falei a verdade! – gritei impaciente.

- Das duas, uma: ou você gosta de bancar o idiota ou então é idiota mesmo! – ela exclamou. – Será que não entende que às vezes é melhor ficar calado? Que em certas ocasiões é preciso blefar, usar mentiras diplomáticas, que uma pequena lorota inofensiva pode ser mil vezes melhor do que uma chocante verdade, que...

Não agüentei:

- Feche o bico, Bobocona – berrei.”

Transcrito de “A Escola Infernal”, Domenica Luciani. Editora Rocco Jovens, RJ, 2007, pág. 14.

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“O que é a Verdade”?

Segundo registros da história sagrada – quer seja ela fictícia ou não – essa pergunta foi feita a Jesus pelo governador romano Pôncio Pilatos pouco antes de ele finalmente lavar as mãos. Com o gesto, Pilatos dissera sobre sua “inocente” indiferença ao seu poder de absolvição e salvação da condenação à tormentosa morte na cruz daquele amoroso nazareno que, segundo ele próprio, particularmente em nada o incomodava – embora fosse possível que sentisse as subreptícias intenções de Jesus, que começara já a fomentar as bases da ruína do potente império materialista romano, entre outros.

Ao me contar o episódio – não necessariamente para que me tornasse um cristão, mas por admirar verdades jesuínas – meu pai costumava lembrar que, na ocasião, Jesus usara o silêncio como reposta a tal pergunta. Não porque não conhecesse a resposta, mas porque Jesus já não poderia mais dizê-la. Não mais do que já a havia “dito”, ou melhor, demonstrado ao longo das relações que manteve com a maioria de seus admiradores seguidores e, mais necessariamente, entre seus inimigos, por pouco mais de três anos (sic).

“A prática é o critério da Verdade”, dizem ter reconhecido o filósofo-economista Carl Max quase dois mil anos depois de Jesus, seu rival. Entretanto, em embates intelectuais entre pensadores sobre aquilo que possam reconhecer “os fatos”, nada é mais gratificante do que se conseguir dizer, com a fala ou a escrita, alguma coisa próxima àquilo que sentimos da Verdade; ou seja, realizar a impossível façanha de, com as palavras, fazer sentir outros aromas que nunca sentiram. Porque sentimos para poder saber, embora às vezes as muitas formas que a Arte nos tornou capazes de engendrar a comunicações, e com a qual damos nossa contribuição à Criação, tenham feito saber sentir muito àqueles que, adequados receptores da Verdade, sabem reconhecê-La.

A despeito do prepotente ditado ocidental (?) “Para um bom entendedor, meia palavra basta” – embora haja boa dose da Verdade nisso – numa história oriental sobre os feitos de Brahma, milenar apresentação hindu Daquele a quem se reconhece “Deus”, perguntam-Lhe o que fazer para livrar o homem de sua tolice: “Dez mil palavras não serão suficientes para tornar sábio um homem tolo”, disse Ele: “Mas, para o sábio, lhe resta ainda ouvir duas mil e quinhentas”.

Em seu livro "A Filosofia Perene", o filósofo e escritor inglês Aldous Huxley reconheceu várias nuances daquilo a que reconhecemos Verdade. Numa análise sobre o que nos pode fazer saber nossa cognição acerca da Verdade, e mais sobre as reações bioquímicas que nos causam certas drogas, em sua obra "As Portas da Percepção" Huxley se pergunta até que ponto aquilo que reconhecemos “loucura” não é senão a percepção de "outra realidade".

Para o escritor paraibano Braulio Tavares – como eu, fã da ficção-científica – “o oxigênio é alucinógeno”, e então aquilo que a maioria sente, vê e vive como “realidade” pode nada mais não ser senão a objetivação de formas e valores provindos da imaginação de um conjunto de mentes em relações cujas possibilidades de níveis cognitivo-inventivos estão niveladas pela influência do citado gás, que respiramos a manter nossa consciência num determinado nível perceptível e, em conseqüência, à criação de valorações de determinadas coisas, situações e pessoas presentes no mundo – um conceito perigoso para os de mentes frágeis.

Emocionalmente, muitas estão inaptas à tarefa de manter ao mesmo tempo conscientes aqueles conjuntos de valores apreendidos em convivências familiares, que constituíram “seus” seres, “seus” mundos, e aqueles outros formados em convivências com as surpresas oriundas de outros estados de consciência, natural ou artificialmente alterados.

Dentro deste complexo de experiências sensoriais – que secularmente têm nos auxiliado a construir nossas histórias – para muitos, grandes mentiras revelam grandes verdades; como aquelas produzidas pela arte do Cinema, que tanto da Verdade no diz com suas fantasias, expressas muitas vezes a nos parecerem apenas absurdos imagéticos.

Apesar dessa introdução um tanto quanto “eloqüente e prolixa” – como considerarão alguns – sobre do que deverá tratar este livro, apesar do que ainda possamos concluir sobre a existência ou não daquilo que inequivocamente reconheceríamos como “Verdade” (e, inevitavelmente, a mentira), a despeito de seu título pretender estimular o leitor-pensador a longos percursos de reflexões filosóficas – a lhe fazer descobrir qualquer milenar “Grande Verdade”, ou “a Verdade Primeira e Última das Coisas” – peço desculpas se decepcionarei a tais jovens filósofos, que se sentiram motivados a ler este livro por causa de seu título, bem como a interessados macacos-velhos pensadores. Porque, na Verdade, a despeito de certa tendência a “filosofices”, como uma espécie de registro de um “Juízo Final”, este livro foi escrito apenas a por em evidência algumas pequenas (embora um tanto incômodas) verdades sobre aquele a quem aprendi a reconhecer eu mesmo, então reflexos de certas verdades comuns a todos, mas que a poucos parecem inquietar.

Aqui, portanto, direi sobre coisas que, no fundo, as pessoas “sabem em secreto”, quer sobre outros, sobre si mesmas ou sobre os valores engendrados pelos sistemas de relações que construímos à paz ou as guerras ao redor do mundo, no tempo e no espaço.

Apesar de muitos preferirem ser ignorantes (mesmo porque, como reconheceu o sábio bíblico rei Salomão, “muito saber é muito sofrer”), aqui, mesmo por obrigação moral, espero poder dizer, tão exatamente quanto possível, aquelas pequenas grandes verdades sobre nós mesmos que não temos coragem de admitir sequer deitados no consultório de um psicólogo – quer por termos recebido a esmerada educação que nos torna de uns selvagens sem-vergonhas nuns tímidos pré-humanos com-vergonhas, quer pelo receio de que, ao nos expormos, estaremos abrindo a guarda para ataques inimigos.

Mas, porém, e muito infelizmente, nasci um artista. Assim me reconheceram em casa, na família de artistas de onde provim, e por outros, bem como a boa qualidade de meus trabalhos; e é assim que, hoje, me reconheço - embora sem mais o peso da humildade na consciência por me faltar agora aquela modéstia que dizia minha mãe eu manifestar durante o recebimento de meus primeiros aplausos.

Dessa forma, para o ciúme de muitos, nasci dotado de todas as características que manifestam “um grande artista”, cujo único compromisso estético-ideológico é pretender também manifestar a Verdade.

Como artista, então – e aqui, escritor – me foi imposta pela Vida, através de minhas constituições congênitas e culturais, a tarefa de também vasculhar os recantos mais obscuros de nossas profundezas a descobrir quem somos nós, onde estamos metidos e no que poderemos (?) e deveremos (?) nos tornar.

E que me desculpem aqueles e aquelas que, depois de terem lido este livro, tomarem a definitiva consciência sobre quão podres são e sobre quão “belos” ou quão verdadeiros seres Humanos nunca poderão vir a ser.