Outono sem pano de fundo

OUTONO SEM PANO DE FUNDO

PRIMEIRO ATO:

De frente a minha janela, o vejo insípido fumegante

Queimando cada palavra, cada injúria, gestos de ingratidão

Da frase errada, e contida, o arrependimento que rege nossas vidas

Queimei todos os meus livros, bebi todas suas cinzas e guardei todos os sentimentos, guardei o poema que não lera por orgulho e ingratidão. Mas o amor ficou lá, escondido, enrolado numa espécie de caixa de papelão, visto que sentirás muito frio, desde então não quiseras, mas viver.

SEGUNDO ATO:

Chorei não pelos costumes insinuosos do sexo, mas a delicadeza fundada naquele momento, rosto angelical, doce puro, chorei sim e admito. Ainda lembro seus seios roçando nas minhas costas nuas, e a sua mão deslizavam pelo meu corpo, como se cotasse uma harpa.

Carmem perdeu a vontade, gosto pela vida, quando descobriu que não poderia, mas dançar balé. Ficava a maior parte do seu precioso e monótono tempo apreciando uma velha chaminé, de uma lavanderia desativada, próximo ao local onde residi.

Outono sem pano de fundo

Terceiro ato

Carmem saiu da cama, descabelada, desprovido de seus sentimentos, seu quarto escuro, frio e um cheiro de mofo que pairava no ar, caminhou vagarosamente até o banheiro e se olhou no espelho quebrado, a expressão pálida, com olheiras, de longas noites sem dormi, e o aroma que seu corpo exalava não era nada bom.

Quarto ato

O fogo que crepitava com suas labaredas constantes e a fumaça negra era expulso da chaminé na rua onde residi, foram queimados amores, desencontros, prazeres alheios, sordidez e todo sentimento de culpa, junto com os restos dos meus livros, esses de capa dura de colecionador, tentei queimar, a foto em que você aparecia sorridente e triste ao mesmo tempo, pois naquele dia souberas que não podias mais dançar.

Primeiro ato do fim

Prescreveram se os dias sem Carmen, as manias, seus gestos hediondos e a leveza como ela dançava e saracoteava no ar, nem se ouvia seus pés tocarem no chão de tanta a sutileza, seu rosto realçado com a maquiagem, pó de arroz, lápis escuros sobre as sombraçelhas, batom sempre em tom bem vermelho, e os olhos um convite para ir para cama com ela, não posso também esquecer de seus cabelos de cor avermelhado, sempre preso com uma fitinha de seda italiana que ganhara do Pai e que lembrava uma queda de uma cachoeira, juntando também com todos esses predicados a sua pele branca, macia, nítida, quente, imaculada que sempre me adornava nas noites frias. Parei de escrever quando Carmen parou de dançar, tive pneumonia, depressão, perdi um irmão, mas o amor por Carmen aflorava, germinava nas minhas veias, alimentava minha alma e escondia seus conflitos mais exasperando.

Segundo ato do fim

Encontrei uma carta em que dizia:

“no dia em partiras desse mundo para reinar ao lado do senhor supremo, perpetuei na solidão até os últimos dias da minha vida, sem amor e sem você, lembro só da flor amarela que coloquei na vestimenta de madeira que vestisse, e sorri, cantarolando seu nome baixinho, meu grande amor”

De sua Carmen.

Outono sem pano de fundo

Escrita por: Gustavo leite