Sobre a juventude e o preço da vida

SOBRE A JUVENTUDE E O PREÇO DA VIDA

Março/2010

Enquanto esperava para descer do carro e ir às compras de domingo, eu recebia uma ligação. Dizia-se que um amigo de infância havia falecido. Àquele momento eu, estando pasmo, apenas lamentei.

Em segundos, ao desligar o telefone, já corriam em minha mente as primeiras cenas em preto e branco do seu sorriso, das suas manhas e malandragens enquanto brincávamos juntos, próximos das nossas casas. Dos tempos em que tomávamos café em sua casa; das madrugadas em que assistíamos filmes, junto de seus familiares; dos gritos da sua mãe que ao entardecer, chamava-o para se recolher.

E então, ao comparecer em seu velório, eu o vi como jamais havia imaginado. Obviamente que os rumos da vida, as novas moradas e tantos outros fatores havia nos levado a destinos diferentes. Talvez sequer pensávamos um no outro. Mas, no fundo, eu estava triste, chocado por aquele acontecimento.

Ao lado de fora, eu cumprimentava sua mãe. Aquela velha figura da minha infância, de um bairro onde eu já não vivia há alguns anos. Sentada, ela apertava a minha mão e sorria: "Como você cresceu!". E em silêncio, através daquele gesto, eu tentava transmitir meu consolo. O caixão às suas costas parecia despercebido.

Um ato de aventura inconseqüente o levara a perder uma vida que talvez sequer tenha começado a descobrir. Mal dera seus primeiros passos e ao arriscar-se por matas desconhecidas, guiado por um amigo ele encontrara um fundo falso.

E eu lamentei por ele. Mas mais que isto, lamentei por sua mãe e seus irmãos. Estes ainda sofreriam a dor do choque, da perda, por um longo tempo.

Estranhamente ou não, um dia depois do ocorrido eu recebia uma informação de que sua mãe, na madrugada em que seu filho sofrera o acidente, sonhou a noite toda consigo; teve alucinações e mal conseguira dormir. Parecia prever o que viria a presenciar. Pela manhã, quando bateram em sua casa para lhe avisar, ela, no mesmo instante, já estava consciente de tudo.

Algo parecido me foi dito, com relação à mãe do outro rapaz falecido. Pela tarde, ela o questionara: “Ah, mas que coisa! Por que você novamente quer sair?”. E o rapaz lhe disse a sorrir: “Me deixe ser livre apenas hoje... Quero estrear minha carteira de motorista! Ademais, se eu morrer, haverá um bom seguro a ser recebido”.

Isto tudo me fazia pensar na forma com que os arquétipos parecem-nos ter vida própria. Sem que se possa ver, existe uma corrente muito forte, um elo místico poderosíssimo que une mãe e filho.

Confesso que tive aquela imagem chocante em minha mente ainda por alguns dias. E tudo me deixava a pensar. Primeiramente, correu-me à mente a constatação – quem sabe precipitada – de que as maiores vítimas das aventuras inconseqüentes dos jovens são os seus próprios familiares, quando estes ainda guardam amor por seus filhos.

Quando se tem consciência do arquétipo, pensa-se como se vivessem, dentro de nós mesmos, todos os nossos familiares. Do mesmo modo com que ferimos nossos pais ao fazer algo de errado, atingimos a eles se, porventura, algo nos atinge; se nós nos ferimos, eles, de modo automático, se sentirão feridos também. E haverá vezes em que nossos tecidos funcionarão de modo diferente, e o que nos parecer um simples corte será sentido por eles tal qual uma amputação, uma dor quase próxima da agonia que antecede um adeus.

A juventude muitas vezes é inconseqüente. A direção que lhe é dada hoje é a de um perigo vazio, da sede pelo prazer momentâneo, do risco.

Nas noites, às vezes a vida parece valer tão pouco.

Também penso na dor de tantos pais, ao se defrontarem com um filho que, pelas próprias mãos, escolhe a própria morte. O suicídio não é senão uma manifestação patológica, mas, se nela há um mínimo de consciência, pode-se dizer que é resultante de um egoísmo que me é repulsivo. Geralmente este fenômeno ocorre nos lares onde pouco falta ao jovem. Tem condições de estudo, de alimentação, saúde; não carece de problemas financeiros, nem familiares. Mas o consumo em excesso da química que fora procurada como auxílio, aos poucos toma proporções irreversíveis. Não para menos, apenas com raras exceções o suicida não está passando ou já passou por tratamentos para depressão a base de remédios controlados. A mão que lhe é estendida é a mesma que, tempos depois, toca o seu ombro e o leva a presenciar sua própria sepultura.

O jovem então passa a se ver como injustiçado, infeliz e mesmo culpado dos problemas do mundo. Está preso em si. Muitas vezes, no fundo pretende atingir aos demais; ser ouvido, quando não mais provier uma só palavra de sua boca. E assim, com um só ato de barbárie contra si próprio, arranca para si a vida daqueles que lhe são próximos.

Bons tempos aqueles que as aventuras joviais estavam direcionadas a outros interesses. A maior ousadia não era senão a de se arriscar a pular um muro ou esticar o máximo que os braços agüentavam, para apanhar uma fruta que nasce em determinada época.

Newton Schner Jr
Enviado por Newton Schner Jr em 10/04/2010
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