Elos que não se desfazem

Falo dos elos que não se desfazem nas despedidas e que aparentemente se rompem num adeus metódico ou repentino.

Há um adeus surpreendente e não premeditado que diz: vou logo ali, mas logo estarei de volta!

Inexplicável, deixa-nos em troca um aperto, um vazio que se instala e turva nossa mente.

Aos poucos, ruídos estranhos vão tornando a tal voz inaudível, paira no ar a dúvida! Desta vez sem despedidas?

Do ponto distante uma luz sinaliza a encadear o olhar e a tornar inacreditável os anseios na espera, envoltos de mistério e silêncio.

Na presença que se distancia, na voz interrompida bruscamente, nas palavras que soam agora vãs. O silêncio é covarde!

Mais uma vez reina sobre a inquietante e inevitável inércia.

A morte, qualquer que seja ela, leva para longe o tudo que amamos. No entanto existem elos imunes aos gestos fracos, ao tempo, a distância e a própria existência.

Nenhum apelo os corrói e nada é mais forte que a razão, por vezes desconhecida, deles próprios existirem.

Sendo assim não existem desligamentos infinitos, embora que não sintamos assim, pois se assim fosse o sofrimento não tomaria conta de nós.

A porta se fecha, o ente amado ou quem quer que seja vai-se, envolto numa penumbra, num nevoeiro onde nossa vista já não pode acompanhar. Paredes invisíveis isolam os sons da voz, já não podemos ouvi-la, o corpo, já não podemos tocar, o cheiro, já não podemos sentir.

A despeito de nossa dor seguimos vivos com os sentidos em alerta e sinalizando que eles não são insuficientes para sentir a presença do ente amado.

Um outro sentido qualquer se desenvolve, a duras penas colamos os pedacinhos de nós, adotamos outra forma de sentir o ser ausente como uma forma íntegra e decente de sobrevivermos. Uma espécie de sublimação que nos põe em tolerante sobrevivência.

É difícil ver alguém partir, ainda mais sem dizer adeus, pois é difícil acordar e deixar o sonho ir.

E é isso que algumas pessoas são para uns, o sonho idealizado e transfigurado neste ente que a vida leva impiedosa para longe de nós.

A dor perdura por que não processamos mecanismos mais ágeis que o próprio instalar da dor, esta precisa talvez ocupar qualquer espaço dentro de nós antes que venha o esquecimento benfazejo e que nos torne aptos a seguir inteiros rumo ao horizonte de nosso viver.

Involuntariamente impotentes mergulhamos no inaceitável, e vivenciamos a espera. Em algum momento uma certeza bate ao nosso ombro, e ouvimos algo dentro de nós dizer que nenhuma interrogação fica eternamente sem respostas.

Há e não devemos esquecer, o tempo de semear e colher.

Um belo dia um arquivo qualquer abrirá diante de nosso olhar desesperançado, e as respostas saciarão a sede deste existir, e haverá respostas para todas as questões, mas agora este tempo, este momento não nos pertence.

Assim depois de uma longa estiagem, a chuva cai, as folhas ficam verdes e uma promessa de flores instala-se nos campos de nossa alma.