Carlos Drummond: O amor como paródia

Amor. Não há poeta que resista a esta temática. Desde os tempos mais remotos até hoje ele é garantia de presença na arte. O sentimento é sempre o mesmo: as angústias, as palpitações, desgastes, erotismo. A grande diferença vem através dos pontos de vista de cada poeta, seja ele romântico, parnasiano, simbolista ou moderno. Os românticos, mais especificadamente os byronianos, expõem em seus poemas uma visão completamente subjetiva da realidade; vemos o mundo aos olhos do poeta; a poesia é um meio de confissão e desabafo; o irracionalismo, pessimismo e o tédio são valorizados; as mulheres são seres intocáveis, virginais e distantes. Mais adiante, temporariamente, encontramos os parnasianos, obsessivos pela estética, assumindo uma postura anti-romântica, mas abordando o amor ao seu modo artificial. E, finalmente, o Simbolismo: transcendental, sublime, metafísico. Nada é mostrado, tudo é sugerido e é aqui que a poesia mergulha mais profundamente, os simbolistas buscam a essência do homem e aquilo que ele tem de mais complexo e comum: a alma. Com a presença de muita musicalidade tratam do amor de forma subjetiva, porém menos piegas e artificialmente do que os românticos.

Após relembrarmos rapidamente a temática do amor entre o século XIX e parte do XX, chegou agora a hora de mostrar como Drummond, com muito humor e ironia conseguiu ser irreverente, construindo divertidos poemas, parodiando todas essas características vistas anteriormente. No poema “Sentimental”, por exemplo, o poeta reitera o lirismo, mostra-se evasivo (em um mundo de sonhos), fora da realidade, porém através de dissonâncias bem empregadas ele quebra com a atmosfera lírica, impondo ao eu lírico a volta à realidade cotidiana, durante todo o poema as evasões e a voltas à realidade são mostradas alternadamente. As dissonâncias também são expostas tanto pelas ironias e imagens prosaicas quanto pelo subjetivismo misturado com passagens objetivas. Através disso o poeta consegue atrair e ao mesmo tempo perturbar o leitor. Drummond dá ao poema um tom confessional e subjetivo, parodiando com características do romantismo e ainda conclui o poema com uma crítica social: “Nesse país é proibido sonhar”, apontando problemas políticos da época.

No poema “Quadrilha” o eu lírico é completamente anulado, trata-se de um poema-piada, uma blague do amor romântico em que acontecem vários desencontros amorosos. Para construir um quebra nas expectativas dos leitores e na harmonia do poema, mais uma vez Drummond recorre às dissonâncias, fraturando bruscamente a musicalidade dos três primeiros versos com os outros quatro totalmente livres, sem nenhum jogo melódico, apenas os fins trágico-cômicos dos personagens. Observe que o único que não entrou na história, também é o único que o poeta não expôs o primeiro nome (J. Pinto Fernandes), o sobrenome é que foi valorizado, haveria sido o casamento de Lili ( a que não amava ninguém) fruto de interesses? Seria Lili uma megera interesseira? Isso só Drummond sabe e é papel dele deixarmos com essa dúvida.

No “Balada do amor através das idades” o poeta faz uso de cinco máscaras, uma em cada estrofe, para mostrar uma aventura amorosa, vale salientar que essas máscaras podem ser interpretadas, lembrando Friedrich, como partes de categorias negativas. Drummond mostra neste poema o amor atravessando o tempo através de deslocamentos temporais e geográficos. Analisando a primeira estrofe, perceberemos que a primeira máscara seria na Grécia Antiga, a amada uma troiana. Tudo é mostrado com uma linguagem despojada, coloquial, com tons de blague e ironia. Na segunda estrofe e máscara é na Roma Cristã, aqui desaparece qualquer traço de romance, Drummond mostra de forma cômica e irônica um trágico fim de romance. A terceira máscara é a do mouro, a quarta acontece em meio a Revolução Francesa e, por fim, na última estrofe o poeta extravasa na piada, de repente todos os problemas são resolvidos e o casal tem um final feliz. Neste poema há uma paródia da velha construção das histórias românticas: o amor – o obstáculo – o fim do obstáculo – a conjunção final, Drummond, para brincar com isso, atordoa o casal do poema com os mais exagerados obstáculos em cada estrofe e a conjunção final nunca acontece. Só nos últimos versos o poeta concede aos “pombinhos” um final feliz. Observe que as dissonâncias nessa paródia em forma de poema é construída através das categorias negativas (máscaras) em cada estrofe. Outra observação importante é o fato de não haver nenhuma profundidade lírica, não há subjetividade o poema é praticamente uma narrativa.

Além de paródia Drummond também faz uma crítica social em um poema repleto de erotismo: “Iniciação amorosa”. Nele encontraremos o primeiro contato sexual de um garoto. A crítica está na personagem escolhida por Drummond para ser desfrutada, uma lavadeira. Dessa forma o poeta mostra a questão do preconceito social através da hierarquia de classes e o esteriótipo, a mulher de alta classe social como ser inacessível e virginal, que chega até mesmo assustar os mais curiosos, inexperientes e ociosos dos adolescentes versus o a mulher pobre, desfrutável. Inicialmente (na primeira estrofe) o poeta envolve o leitor numa atmosfera romântica, mostrando um cenário lírico, para depois fazer a quebra com o ato sexual do garoto com a lavadeira. O poema é em forma de narrativa, faz uso de linguagem coloquial e mostra uma paródia de uma lírica romântica.

No último, porém não menos interessante, “Toada do amor”, Drummond expõe o lado monótono do amor. O objetivo da palavra toada é simbolizar todo o tom repetitivo e enjoativo. Neste poema a linguagem é mostrada de forma totalmente irreverente, parodiando o parnasianismo (vago, obsessivamente estético). A dissonância aqui tem tom de blague.

Através desses cinco poemas foi ilustrado, de forma bastante clara a questão do amor como paródia em Carlos Drummond. Mais uma vez o poeta, de forma divertida e irreverente mostra aos leitores que em tudo há um novo ponto de vista e uma nova forma de tratar algo tido como tão sublime e universal como o amor.

Érika Bandeira de Albuquerque
Enviado por Érika Bandeira de Albuquerque em 16/06/2010
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