Análise do Poema de Sete Faces de Carlos Drummond baseada em teorias de Hugo Friedrich

Iniciando com alguns pressupostos, Friedrich nos mostra o quanto podemos enxergar dos artistas dos séculos XVIII e XIX em Carlos Drummond, mais especificadamente no seu Poema de Sete Faces. Dissonâncias, anormalidades, categorias negativas, poesia grotesca e fragmentada, lendo isso imediatamente lembramos do início do nosso modernismo nas artes, mas engana-se quem pensa nessas características como algo novo. Poetas como Lautréamont, Rousseau, Diderot, Novalis, Victor Hugo já as usavam, e brilhantemente, como já sabemos.

Carlos Drummond munido de toda essa bagagem literária, do seu humor e talento escreve o tão aclamado Poema de Sete Faces, uma verdadeira blague da literatura brasileira. Estruturalmente o poema contém 29 versos e sete estrofes independentes em seu conteúdo, ou seja, não há uma unidade temática. Trata-se definitivamente de um texto cheio de dissonâncias, a começar pelas rupturas em cada estrofe, ora são predominantemente objetivas ora subjetivas ou ainda aparecem mesclada. Os tempos verbais também intercalam dissonantemente nas estrofes: algumas no tempo passado, outras no presente. Outra dissonância aparece na mistura do sagrado com o profano e do sobrenatural com o cotidiano, encontrada respectivamente na terceira e quinta estrofes e na primeira e última estrofes. São fusões de contrários.

Igualmente interessante e bastante presente no poema que aqui comentado é a questão das categorias negativas. Segundo Friedrich “Para o entendimento da lírica moderna é necessário procurar categorias com as quais se possam descrever essa lírica.” E o objetivo não é a depreciação, mas a definição. Não a censura, mas a descrição, e ainda segundo o autor, ela recorre à anormalidade do poeta. No poema essas categorias negativas são encontradas já na primeira estrofe: “anjo torto”; “na sombra”; “gauche”. Essas características descrevem a máscara do personagem “Carlos” do poema: um homem à margem da vida. Outras características no texto que podemos denominar de categorias negativas seriam: a estrutura fragmentada, o poema despoetizado, os deslocamentos, os estranhamentos e até mesmo o estilo da narrativa, aparentemente destrutivo.

Retomando a questão inicial das possíveis influências dos séculos passados no poema agora analisado, Friedrich nos mostra que há muita coisa em comum entre Rosseau, Diderot e Novalis e no poeta Drummond. Com relação a familiaridades com Russeau, encontra-se no poema características como: Pólo de tensão tanto na forma quanto no conteúdo, obtido principalmente através das dissonâncias já comentadas, o “Eu” absoluto (a grandeza, o ver além de todos: “mundo mundo vasto mundo,/mais vasto é meu coração) e a difícil distinção entre passado e presente, fantasia e realidade. Aproximando agora características de Diderot, encontraremos no poema a questão da preeminência da “magia lingüística” sobre o conteúdo lingüístico, a dinâmica de imagens sobre o significado das mesmas e a desordem e o caos sendo imaginado como esteticamente representados. Finalmente, chegando às principais características de Novalis, encontraremos no poema de Sete Faces a questão da linguagem sem a finalidade principal de comunicação, ela é autônoma, obscura em sua compreensão e procura primeiramente provocar sensações, visões, estranhamentos. A incoerência torna-se pressupostos da sugestão lírica, e porque não dizer que poderia até ser uma categoria negativa.

Uma das maiores belezas neste poema está nos seus gracejos grotescos, que compreende as ironias (bastante evidente no sexto verso, em que o poeta ridiculariza os parnasianos, brincando com rimas pobres), as piadas (modo despojado de poetizar), a bufonaria, os elementos distorcidos (bondes cheios de pernas, prosopopéias), as desarmonias presentes nas dissonâncias. Tudo são particularidades que fazem deste poema divertido e singular, cuja finalidade vai além de qualquer entendimento, é uma blague que brinca com a sociedade, com os parnasianos, com os leitores. Finalizo agora com uma breve citação de Baudelaire: “Existe uma certa glória em não ser compreendido”.

Érika Bandeira de Albuquerque
Enviado por Érika Bandeira de Albuquerque em 16/06/2010
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