ANÁLISE DO CONTO “CADEIRA DE BALANÇO” – OSMAN LINS

Em sua peculiar linguagem, interiorizada, poética, expondo os mais íntimos e complexos pensamentos dos seus personagens Osman Lins surpreende-nos. Seus contos remetem os leitores ao interior dos personagens, desenhando-os através dos seus traços psicológicos e problemas pessoais. As contrariedades da vida, opressão, solidão, melancolias, indiferenças, problemas familiares e as mais diversas limitações traçam a história dos personagens de Osman. Em meio à tamanha exposição psicológica não há como nós, leitores, não nos identificarmos, de certa forma, com a leitura.

Tudo converge ao íntimo, à introspecção que retrata as tensões internas de cada componente da história. Para haver a devida coerência entre as contrariedades que os personagens vivem entre o seu mundo interior e o exterior, Osman coloca nos objetos expostos um papel simbólico, dando-os uma determinada função. A cadeira de balanço é um dos objetos determinantes no conto analisado, pois o que deveria significar acalanto, conforto emocional, afeto, simboliza opressão e autoritarismo. Outros objetos salientados nesta narrativa como o “grande espelho”, a bomba, a alavanca e as flores também funcionam como intensificadores dos problemas de Júlia Mariana. O “grande espelho” mostra a não aceitação da própria imagem, ela não está satisfeita com a atual situação. Poderíamos até dizer, inclusive, que seria uma espécie de autonegação, pois, para a personagem, um dos motivos do afastamento do marido foram as mudanças físicas proporcionadas pela gravidez; a bomba e a alavanca têm o papel de intensificadores da agonia de Júlia Mariana, observe que nos momentos de maior ênfase e intensidade o autor não economiza nos detalhes, descrevendo cuidadosamente a cena. Essa descrição exagerada nos ajuda a entender melhor a personagem, como se a intenção de Osman fosse nos transportar para o corpo dela: “A cada vaivém sua respiração tornava-se mais difícil e mais exaustiva a tarefa, até que sua cabeça pareceu flutuar, num giro silencioso que foi morrendo de cessou.”, “Estendeu os braços, segurou-se à alavanca: teve a impressão de que o ferro se curvava, de que cedia ao peso de seu corpo. Meu Deus, amparai-me”; os canteiros de flores remete-nos às saudades de viver. Quando Júlia Mariana comenta que nunca mais havia cantado e nem aguado os canteiros, é notada a sede de vida. Vida esta que está limitada quase que ao extremo, tanto pelo marido (limitação psicológica) como pela gravidez (limitação física); por fim, temos a simbologia nas flores oferecidas a Deus pela personagem: “dai-me forças e eu farei só para Vós, um canteiro de... de cravos, ou de rosas brancas, ou lírios...”. Observando a significação de cada um desses tipos de flores, veremos que o cravo significa solidão, desprezo e rejeição; rosas brancas remetem tanto à pureza como ao silêncio e os lírios simbolizam pompa, nobreza. Entende-se, assim, que Júlia só tem a oferecer o que a ela é dado: o desprezo, o silêncio, a rejeição. Entretanto há ainda a sua essência: a pureza e nobreza dos sentimentos, intocados em meio às melancolias de sua vida.

Assim como existe a coerência entre o cenário e os personagens, o mesmo dá-se aos nomes. Em suas obras, Osman Lins cuidadosamente nomeia cada personagem, mostrando-nos que através dos nomes podemos caracterizar psicologicamente cada membro das suas narrativas. Analisemos, pois os nomes dos personagens do conto em questão: Júlia, nome latino, significa cheia de juventude, cheia de energia; Mariana, origem hebraica, significa mar de amargura, desejosa por um filho. Júlia Mariana entende-se então por uma mulher oprimida, tanto física como psicologicamente. Sua “energia e juventude” estão sufocadas e abafadas pelas amarguras da vida. Augusto, por sua vez, significa sagrado, sublime. Ou seja, o rei da casa, o homem autoritário e opressor, cuja esposa existe unicamente para servi-lo.

Ao longo da leitura do conto vamos tomando conhecimento das angústias de Júlia Mariana por meio dos seus pensamentos, como se a história fosse contada pela “voz da mente”. Através dos desabafos psicológicos vamos nos envolvendo cada vez mais na vida da personagem e gradativamente entendemos os sofrimentos da sua condição: o medo de perder o marido, as inseguranças proporcionadas pela indiferença e o afastamento de Augusto, a vergonha do seu corpo modificado pela gravidez e ainda as dores e agonias causadas pelo fim da gestação. Notáveis também são seu otimismo e esperança. Após cada pensamento triste esforça-se em alegrar-se um pouco, dizendo a si mesma: “Para que pensar em coisas tristes?”. Fazendo transparecer no conto uma verdadeira “gangorra” de sentimentos, ora otimista, ora melancólico. Toda essa aproximação com a complexidade psicológica da personagem dá a narrativa um tom dramaticamente poético.

Mesmo com toda tristeza e insatisfação não há revoltas em Júlia Mariana, ela limita-se em calar seus problemas. Como é mostrado no último parágrafo do conto, quando o marido volta para casa logo após Júlia Mariana ter chorado bastante, ele não a olha, nem cumprimenta, nem reclama, apenas toca o ombro dela para que saísse da sua cadeira, e ela sai. Exibindo dessa forma o extremo da subordinação e conformismo por parte dela e o extremo da indiferença e opressão por parte dele, pois ela esperava pelo menos ouvir reclamações, mas agora nem mais isso recebe do marido. Aconteceu o que Júlia Mariana mais temia, o perdeu.

Toda essa trama nos comove e emociona não pelo simples fato de se tratar de mais um drama da vida de uma esposa desiludida. O enredo interessa sim, mas o mais importante é como tal história é construída e quais os mecanismos usados pelo autor para que resultasse no grande envolvimento do leitor na vida de Júlia Mariana. Osman toca seus leitores pela sua linguagem poética, profunda, psicológica. Não é a toa que ele é conhecido como escritor que nada coloca ao acaso em seus textos, a sintaxe, a pontuação, cada vírgula importa na construção. Independente de formalidades, Osman que o texto flua coerentemente ao enredo, dando à narrativa um determinado ritmo. Observe no conto analisado que o autor utiliza frases curtas, rápidas para exibir a ação da personagem em questão: “Júlia Mariana levou as mãos ao estômago.”, já para mostrar o estado, as sensações e sentidos dos mesmos, Osman utiliza longas frases, enumerando sofrimento a sofrimento, angústia a angústia, afligindo, assim, o leitor a cada vírgula e deste modo envolvendo os apreciadores dos seus contos cada vez mais na história: “A cabeça cresceu, zuniu. Aturdida, ela se sentiu rodopiar, rápida, vertiginosamente, num mundo escuro, oscilante, cheio de riscos luminosos.”.As reticências são uma marca do escritor, elas caracterizam momentos de devaneios, de profundas sensações sem explicação, desejos ou demonstram, até mesmo, o perder-se entre um pensamento e outro: “Em breve, olhos fechados, a boca entreaberta, deliciava-se com antigas e amáveis lembranças: certo baile, momentos do noivado, uns sequilhos que sua mãe sabia preparar... Ah! era bom estar sentada ali.” . A visão de mundo de Osman é realmente algo interessante, dado o modo como ele descreve simples objetos, mesclando realidade com um quê poético, em linguagem mais técnica, Osman exibe a crua realidade através de uma bela linguagem poética, o exemplo a seguir exemplificará a questão: “Uma aragem fresca soprou em seu rosto e agitou de leve algumas flores raquíticas, risos-de-maria e margaridas, murchos, cercados de mato, que sufocam ao pé do muro ferido”, bem, observe a força da expressão “flores raquíticas”, “muro ferido”, isso mostra uma realidade existente, mas vista de um modo único, que torna a triste visão quase que bela, isso é poetizar o real. Assim, ele consegue nos transmitir o real a partir do ponto de vista de cada um de seus personagens, ou seja, um real deturpado, a realidade segundo os diversos olhares dos personagens, o real poético.

Érika Bandeira de Albuquerque
Enviado por Érika Bandeira de Albuquerque em 23/06/2010
Código do texto: T2337293
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