Análise do conto “O relógio de ouro” - Machado de Assis

Este conto é marcado pelo suspense. Afinal, quem seria o dono do nobre e vistoso relógio de ouro? Seria Clarinha, mulher tão dócil e tranqüila, uma traidora? Durante a maior parte do conto Machado nos encaminha a pensar que sim. Essa é mais uma das grandes características de Assis, a manipulação do leitor. O autor brinca com os seus leitores, fazendo-os ter o ponto de vista que ele quiser. Isto é uma das marcas de um grande escritor: o domínio da mente de quem o lê. A verdade Machado só nos permite descobrir no fim do conto, é nesta parte que todas as dúvidas são respondidas. O relógio é do próprio Luís Negreiros e o clímax concentra-se no momento que Clarinha mostra o bilhete anexado ao relógio:

“Meu nhonhô. Sei que amanhã fazes anos; mando-te esta lembrança. Tua Iaiá.”

Assim tudo foi respondido, os choros de Clarinha, o porquê que ela não sabia responder a procedência do relógio, o motivo pelo qual a mulher estaria evitando o marido. Luís Negreiros é o adúltero da história. Esta afirmação foge um pouco do costume machadiano das mulheres e seus “olhos oblíquos” serem sempre as traidoras. Neste conto o triangulo amoroso é invertido, não mais trata-se de uma mulher para dois senhores, mas duas damas para um homem. Este sim é um escrito diferenciado entre as características de Machado.

Na introdução do conto o autor chama o relógio de “um grande cronômetro”, de fato, é um cronômetro cuja função seria a de marcar a contagem regressiva do casamento de Clarinha e Luís Negreiros.

No caso deste conto o narrador, que também é o próprio autor, Machado de Assis, não é onisciente absoluto, mas seletivo. A escolha por esse modo de narrar é oportuna na medida em que ajuda a aumentar o suspense. O autor sabe de tudo da vida, dos atos e pensamentos de todos, menos de Clarinha, o narrador nunca tem certeza com relação aos pensamentos e sentimentos desta personagem. Dois exemplos:

“Estava molemente reclinada no sofá, com o livro aberto, e os olhos no livro, os olhos apenas, porque o pensamento, não tenho certeza se estava no livro, se em outra parte.”

“Durante o jantar Clarinha não disse palavra, - ou poucas dissera, ainda assim as mais breves e em tom seco.”

Clarinha é o foco do suspense no conto. Por isso mesmo que tudo o que concerne a ela é incerto. Como de costume, Machado a descreve como sempre faz com suas personagens femininas, falando sobre os olhos:

“Era pequena e delgada; de longe parecia uma criança; de perto, quem lhe examinasse os olhos, veria bem que era mulher como poucas.”

Seguindo os ensinamentos de Jean Pouillon nota-se neste conto alternância de predominância entre a “visão por trás” (para tratar de Luís Negreiros e os outros personagens mais secundários) e a “visão de fora” para narrar o enigma em torno de Clarinha e fazer todo o suspense. Mais uma vez há aqui um conto heterodiegético, segundo Gerard Genette, visto que o narrador, Machado, não participa da história. Através deste conto apresentado de forma cênica (Percy Lubbock)

Com relação ao tempo, tendo como base teórica Benedito Nunes, observamos que há uma linearidade, ou seja, não há anacronias e o tempo da história e do discurso são bastante próximos. Em certos momentos temos a impressão de estar diante de um “Feitiço Hermético”, uma artimanha que o autor poderia usar para ajudar a aumentar ainda mais o suspense: narrando os acontecimentos de forma prolongada para que os leitores fiquem ainda mais empolgados e curiosos com relação ao conto. Aqui, esta questão do “Feitiço Hermético” se dá através de um longo desenvolvimento do discurso para narrar uma história curta. Estamos diante de um ótimo exemplo de alongamento na temporalidade da narrativa.

Para não esquecer a questão espacial, segundo Osman Lins, há neste conto a ambientação franca.

Érika Bandeira de Albuquerque
Enviado por Érika Bandeira de Albuquerque em 12/07/2010
Código do texto: T2373341
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