BULLYING: UMA RE-REFLEXÃO

O bullying é uma área de grande interesse pessoal do ponto de vista acadêmico e pedagógico. Estudar e pesquisar este fenômeno produz conhecimento e atualização continuadas, e a partir daí, auxilia no desenvolvimento de ações multiplicadoras para desenvolvimento de programas de contenção e redução de danos, cada vez mais grave nos jovens em processos de escolarização.

Não há escola sem bullying. Esta é, infelizmente, uma verdade insofismável. A pouca visibilidade de eventos desta natureza, reforça a tese de que nosso maior inimigo é o silêncio de todos.

Tenho trocado experiências com pesquisadores de várias partes do mundo e parece haver consenso entre todos que, ações preventivas são muito mais eficazes quando comparadas às ações punitivas que permeiam as barras da justiça e demais instâncias legais.

Ao contrário de outras questões que integram o repertório de transgressões sociais, o bullying não se caracteriza exclusivamente por seus aspectos objetivos – processos intimidatórios deliberados – mas também pelos subjetivos, ou seja, o constructo estrutural de cada aluno – vítima ou algoz.

Embora a escola não seja o espaço para manejo destas questões internas, é função sim dos educadores, identifica-las e realizar quando e se necessário, intervenções pontuais. Para isso, é de fundamental importância que a equipe pedagógica esteja apta a identificar os episódios de bullying (ou seus indícios), recebendo treinamento especializado e apoio técnico sempre que necessário.

Observar alunos, acolher, propor discussões e esclarecimentos diante destas questões específicas, enseja a possibilidade da mediação, tendo o professor como referência a ser considerada por quem pratica ou por quem sofre com o bullying

Quando a escola abre a discussão do tema, minimiza os riscos (OLWEUS, 1993) .

Experiências nesse sentido têm produzidos resultados animadores, sem que conotações jurídicas sejam atreladas ao bullying.

Muito me espantou a recente decisão de condenar um jovem - via família - a indenizar uma aluna vítima de seus maus tratos: como efeito bumerangue, o algoz, após a condenação em primeira instância, passou a ser alvo de apelidos depreciativos e brincadeiras ofensivas. Assim, a lei, aplicada de forma descontextualizada, produziu este efeito inesperado. E igualmente danoso. O meritíssimo juiz de direito aplicou linearmente a lei, sob a égide do dano moral, ficando em aberto, o dano similar que agora afeta o jovem agressor. Esse looping anacrônico tornou-se tão nefasto quanto o motivo inicial. E aí nos perguntamos: quem vai pagar essa conta?

Tal decisão contribuiu de sobremaneira à minha convicção de que o bullying é uma demanda pedagógica e psicológica: jamais jurídica, exceto em condições muito específicas e bem contextualizadas.

Proponho uma reflexão a todos ao dizer que uma das grandes questões que confrontamos em nosso dia a dia, refere-se ao fato de que pais transferirem para a escola todas as responsabilidades educacionais e nós, considerarmos o aluno, como já detentor de certas premissas básicas para o bom convívio social. Como favas contadas.

Grave erro de avaliação.

A escola é o primeiro espaço público que a criança freqüenta sem a tutela dos pais (SAYÃO, 2010) e utiliza todo o arsenal de idéias, valores e crenças do meio em que se desenvolveu até então. E traz para a escola. Quando inicia seu processo de escolarização, nós educadores, entendemos e esperamos que determinadas atitudes “certas” e “erradas” já estejam incorporadas ao repertório sócio-psicológico desses alunos. [...] Há sim, pais, que não são boas referências (BEANE. 2010, p.42) . E será a partir daí o início das nossas ações pedagógicas.

Consideramos que alguns “quesitos” estão ali, prontos para condução da vida escolar, sem grandes problemas.

Esse viés nos induz a agir como meros conteudistas. Ou pior, referendar as atitudes dos alunos, a partir das nossas próprias. Quando isso ocorre, e não é de todo ruim, mas inadequado, o professor se exime de atribuições complementares na formação do aluno como um todo, podendo produzir alguns equívocos e compartilhamento de mitos tais como “apelidar é normal” ou “certas brincadeiras são toleráveis” (HORNBLAS, 2009) .

Ora, se o professor assim atua em sala de aula, temos um aliado inocentemente perverso que agrava ou até estimula os episódios de bullying.

Há de ser cauto.

Professores são formadores de opinião e podem produzir grandes influências na vida de seus alunos.

Especialmente nos tempos atuais em que famílias reconstituídas são eventos comuns, onde o maior de todos os riscos é aquele quando o jovem perde a referência paterna ou materna e com isso, o sentido de autoridade, regras e princípios. As lacunas afetivas, sociais, bem como a concretude das necessidades do dia a dia, acabam sendo preenchidas por quem chegar ou prover primeiro, o que certamente é um contra-senso. Não se trata de tempo ou disponibilidade, mas sim de engajamento, embora nem sempre o ideal, mas o factível.

Quando se criminaliza o bullying, ceifa-se da escola sua grande missão como principal veículo de transformação social. Os atos de transgressão e violência que caracterizam o bullying contemplam uma lógica diferente dos outros eventos de natureza semelhante: nas instituições de ensino, as possibilidades de intervenção são mais democráticas, permeadas pelo diálogo e mediação entre as partes, muito antes das punições.

Paradoxalmente, as punições servem de aprendizado, ao mesmo tempo em que produzem reações afetivas adversas tais como, ressentimentos, dissabores, medo, desesperança entre tantos, sobretudo quando o “educando” ou “reeducando” como se costuma adjetivar os infratores, é originário de ambientes ou situações de vida que oferecem poucas alternativas. A grande questão das punições é que muitas vezes são aplicadas na hora errada, pelo motivo errado e com intensidade desproporcional.

Quando a nota é baixa, por exemplo, a punição pelo “não estudo” está aplicada. A retirada de algo que o jovem não gosta, pode melhorar a ação punitiva, mas os exageros certamente pioram. Seguidas punições colocam o jovem numa rota de desafio e disputa de poder com o adulto, ampliando o conflito para outras áreas até não se saber mais, aonde tudo começou.

A escola é seguramente uma dessas alternativas e torna-la reprodutora dos mesmos procedimentos seria desprezar sua irretorquível importância na sociedade contemporânea, especialmente nas mais injustas como a brasileira.

David Sergio
Enviado por David Sergio em 20/07/2010
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