Arte e Perspectiva no Renascimento

O Renascimento, ocorrido entre os séculos XIV e XVI na Europa, representou uma época de aventura e curiosidade do homem em relação ao mundo que o cercava. Gradativamente, foram se rompendo a estreiteza e a estagnação da Idade Média, dominada pela ideologia da Igreja Católica daqueles tempos. Era grande a obsessão dos artistas por encontrarem técnicas e formas novas e arrojadas para bem expressar o clima renascentista. Conta-se que Paolo Uccello, pintor florentino do século XV, tão fascinado estava pelos problemas da perspectiva – técnica que permite descrever uma cena tridimensional em uma superfície plana, tal como uma tela ou uma parede – que passava noites em claro a refletir sobre eles. “Que coisa encantadora é a perspectiva!” – dizia ele quando sua mulher o chamava para dormir. Lendas à parte, o fato é que os pintores renascentistas, ajudados pela perspectiva e outros métodos novos, criaram obras geniais – equiparando-se em arrojo e inventividade aos grandes contemporâneos seus de outras áreas da atividade humana, como Nicolau Copérnico (o astrônomo polonês que, em 1543, pôs por terra o sistema cosmológico defendido pela Igreja) ou os grandes navegadores ao estilo de Colombo.

Nos temas, formas e técnicas que adota, a arte reflete o espírito de sua época. No aspecto ideológico, a sociedade européia medieval girava em torno da religião cristã; acreditava-se que a vida terrena era menos importante que a vida espiritual, privilegiando-se o que viria após a morte. A pintura medieval vai refletir essa atitude filosófica: para os artistas da Idade Média, a Bíblia – não o homem e a natureza – era a fonte principal de seus temas. Eles não se interessavam por técnicas que os ajudassem a mostrar o mundo tal como ele era, ignorando a perspectiva e concedendo às suas obras uma aparência achatada. Esses artistas contentavam-se em expressar-se simbolicamente: retratavam as pessoas e os objetos de maneira altamente estilizada, de modo geral sobre fundo dourado, como se quisessem enfatizar que o tema da pintura, na maioria das vezes religioso, não tinha qualquer conexão com o mundo real.

Com o Renascimento, os artistas tiveram a sua atenção voltada para retratos, paisagens e cenas do dia-a-dia. Mesmo ao tratarem de assuntos religiosos, eles pintavam suas figuras de maneira a que parecessem reais; muitas vezes chegavam mesmo a vestir seus personagens bíblicos com roupagens da época renascentista. De par com a mudança temática, os pintores foram também em busca de técnicas que emprestassem maior realismo a seus quadros. Em relação a esse aspecto, uma das questões centrais era a da perspectiva.

Retratar exatamente o que os olhos vêem – tal era o problema que se antepunha aos renascentistas. Como as cenas verdadeiras são tridimensionais – enquanto que as pinturas são planas –, em princípio parecia impossível pintar realisticamente. Mas os artistas do Renascimento terminaram por resolver a dificuldade, reconhecendo um fato fundamental sobre a visão. Imaginemos uma pessoa que, fazendo uso de um olho só, observa uma cena real através de uma janela. Ela vê a cena porque raios de luz, procedentes de seus infinitos pontos, chegam até seu olho. Como os raios passam através da janela, pode-se marcar um ponto, sobre a vidraça desta, em cada lugar que ela é atravessada por um raio de luz vindo da cena. O conjunto destes pontos é a projeção da cena sobre a vidraça. O que os pintores renascentistas descobriram é que essa projeção cria, sobre o olho da pessoa, a mesma impressão que a própria cena – o que é fisicamente compreensível, já que o efeito é aproximadamente igual, sejam os raios de luz emanados de partículas da cena real ou de pontos sobre a janela.

Saindo desse exemplo, que bem ilustra a visão que tinham os pintores dessa época – seus quadros deveriam ser como janelas para o mundo –, pode-se generalizá-lo: bastaria colocar entre uma cena qualquer e o observador uma placa de vidro e marcar nela a projeção que aparecia no vidro. Naturalmente essa projeção depende não só do ponto onde o artista se posta mas também da posição em que a placa de vidro é colocada, o que significa que podem existir muitos retratos diferentes da mesma cena. O fato é que, após escolher sua cena, sua posição e a do vidro, o artista deverá pôr sobre a tela precisamente aquilo que a projeção contém.

Se bem que um método de pintar realisticamente e em perspectiva fique assim estabelecido de modo adequado, ele é um pouco incômodo na prática, e, mais ainda, as cenas retratadas muitas vezes existem apenas na imaginação do artista. Buscaram-se então métodos geométricos que determinassem com exatidão como uma cena deveria aparecer na placa de vidro (agora imaginária), de maneira que pudesse ser fielmente reproduzida na tela.

Agora a questão já resvalava para o campo de matemática. Mas como muitos dos artistas do Renascimento eram ao mesmo tempo arquitetos e engenheiros, eles foram bem-sucedidos em sua tarefa. Desenvolveram dois conceitos fundamentais, o de linha do horizonte ou do infinito e o ponto de fuga. A linha do horizonte pode ser observada experimentalmente quando olhamos para o mar aberto: é a divisória entre o mar e o céu, e pode ser considerada como uma reta, já que a curvatura da Terra é muito pequena. Em qualquer cena, ela está sempre presente, mesmo que não seja de modo tão explícito quanto nesse exemplo. Já o ponto de fuga é aquele onde se encontram, aparentemente mas não fisicamente, retas que sejam paralelas. Isto pode ser observado com nitidez no caso dos trilhos de uma estrada de ferro: embora na realidade nunca se toquem, para o observador eles parecem encontrar-se no horizonte. Aliás, está aí a relação entre os dois conceitos enunciados: se as retas paralelas são horizontais, como no caso dos trilhos, seu ponto de fuga estará sempre na linha do horizonte.

Com base nos conceitos de ponto de fuga e linha do horizonte, os pintores renascentistas estabeleceram regras para determinar a localização, o tamanho e o formato dos objetos em seus quadros e afrescos. A aplicação e o efeito desses conceitos fundamentais podem ser vistos com clareza em duas obras magistrais, o Casamento da Virgem, de Rafael, e a Última Ceia, Leonardo da Vinci. Esses dois artistas foram os mais destacados expoentes do período conhecido como Alta Renascença (início do século XVI), e já dominavam com grande perfeição as novas técnicas de pintura.

As transformações na esfera artística, que chegaram ao seu ápice justamente na Alta Renascença, tiveram desenvolvimento gradual. A maioria dos estudiosos coincide em afirmar que quem abriu caminho para a transformação operada pelo Renascimento, no campo da arte, foi o pintor florentino Giotto, que viveu de 1266 a 1337. Giotto foi um verdadeiro revolucionário. Antes dele, muito pouco havia de experiência na arte que pudesse auxiliá-lo a pintar espaços que dessem a impressão de espaços verdadeiros, ou figuras humanas que expressassem sentimentos realmente humanos. Antecipando-se à revolução na arte que só começaria a se firmar um século depois de sua morte, Giotto rompe com o modo simbólico e altamente estilizado dos pintores góticos: seus personagens apresentam-se em posturas e agrupamentos naturais, transparecendo fortes sentimentos humanos. O céu de suas pinturas não é mais dourado – como faziam os góticos para simbolizar o reinado de Deus no firmamento –, mas sim azul, o que parece ser bastante significativo. Suas composições são tentativas racionais de retratar salas e espaços reais; o revolucionário pintor, com firme intuição, já tateia as leis da perspectiva, abrindo caminho para que seus sucessores venham a estabelecê-las com mais rigor.

Só no século XV vamos deparar com alguém capaz de competir em talento com Giotto: é Masaccio, outro florentino que, nascido em 1401, deu grande contribuição à arte até sua morte em 1428. Com ele, a pintura entrou em um período de intenso desenvolvimento técnico. Masaccio foi o primeiro pintor renascentista a dominar o uso da perspectiva geométrica, aproveitando-se dos princípios descobertos pelo arquiteto Filippo Brunelleschi no decurso de suas investigações sobre as antigas construções romanas. Masaccio foi igualmente o primeiro a indicar a anatomia humana sob as dobras das vestes de suas figuras e a experimentar intensivamente o chiaroscuro (técnica de sombrear os personagens e os objetos de maneira a dar-lhes aparência de volume).

Masaccio também aplicou a perspectiva atmosférica com maior requinte que os artistas anteriores. Esta técnica consiste em representar os objetos afastados de modo mais difuso e com suas cores dissolvidas em tons azulados, fato que pode ser constatado experimentalmente quando olhamos para elevações distantes. Isto ocorre por causa da massa de ar que se interpõe entre o observador e o objeto, e que é tanto maior quanto mais afastado estiverem estes um do outro. A perspectiva atmosférica e o chiaroscuro são maneiras de compensar as limitações da perspectiva geométrica, pois esta se baseia na suposição de que enxergamos com um só olho, quando na verdade a nossa percepção de profundidade se origina sobretudo no fato de termos dois olhos (visão estereoscópica). Mas Masaccio e os renascentistas subsequentes foram hábeis em manipular e unir as três técnicas para criar a ilusão de profundidade.

Masaccio obteve figuras que são mais sólidas e brandas que as de Giotto. Seu estilo definiu um padrão a ser seguido, em linhas gerais, por todo o Renascimento. A obra de Masaccio foi prosseguida por seus conterrâneos que, durante o século XV, concentraram seus esforços no aperfeiçoamento dos aspectos técnicos da pintura. Na década de 1430, Leon Alberti escreveu sobre o assunto um livro cujas diretrizes influenciaram muitos artistas durante centenas de anos. Dentre os pintores da escola florentina destacam-se o monge Fra Angelico, que combinou a nova técnica da perspectiva com o estilo decorativo da Idade Média, e o já citado Paolo Ucello, com sua obsessão por aquela técnica. Também originário da escola florentina, apesar de ter vivido em Pádua, foi Andrea Mantegna, cujo quadro O Cristo Morto é um notável exemplo de perspectiva, e que foi pintado, em parte, como um exercício dessa técnica.

A partir das últimas décadas do século XV, a linguagem artística anteriormente desenvolvida vai ter prosseguimento tanto no espaço quanto no tempo. O modo renascentista de pintar se espalha pela Europa, alcançando grande florescimento em Flandres, onde entre outros de destaca Jan van Eyck, e na Alemanha, cujo grande expoente é Albrecht Dürer. Por outro lado, a Itália, particularmente Roma, vai ser o berço do chamado período clássico do Renascimento, também conhecido como Alta Renascença. É a época das obras-primas de Leonardo da Vinci e de Rafael. Utilizando as técnicas recém-desenvolvidas, eles atingem em seus quadros e afrescos um ideal de perfeição, beleza e harmonia que ainda nos causam uma forte impressão.

Por esse tempo, a investigação técnica cedeu lugar a um momento de repouso que, logo a seguir, viria a ser conturbado pelo surgimento de novas idéias. Todo classicismo é fugaz, porque representa um ponto de equilíbrio difícil de ser mantido. Contudo, o período clássico do Renascimento consolidou uma linguagem artística, dentro da qual um dos elementos centrais é a perspectiva, que serviria de base para todos os movimentos artísticos até o século XIX – quando os impressionistas franceses iriam dar, depois dos renascentistas, as primeiras contribuições realmente revolucionárias no sentido de retratar imagens sobre a superfície plana de uma tela.