A ROBOTIZAÇÃO DA VIDA

Dia desses me peguei folheando um livro de pensamentos, um dos quais gostei tanto que o postei em áudio aqui no recanto.

Trata-se duma visão filosófica de Eça de Queirós sobre a CIVILIZAÇÃO, "O MÁXIMO DE TÉDIO NO MÁXIMO DE CIVILIZAÇÃO", citação na qual o autor defende a ideia de que quanto mais o homem "progride" pela civilização, maior a chance de se sentir vazio, entediado.

Fiquei a analisar a época em que o autor escreveu seu pensamento, por volta do final do século dezenove, quase cem anos depois da REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, ocorrida na Inglaterra do século dezoito quando do aparecimento das primeiras indústrias e da consequente mecanização da produção.

Pois bem, trago aquele mesmo pensamento para quase três séculos depois da tal revolução, em antagonismo com a economia do campo que permeava as relações econômicas mais humanizadas da Idade Média.

Traslado o tal pensamento exatamente para os nossos dias de hoje.

Quanto de "civilização" já progredimos de lá para cá!

Nos dia de hoje, já estamos na era da ROBÓTICA, o que em última análise seria mais uma 'revolução da revolução" da indústria e de toda sua tecnologia, inclusive dentro das demais ciências!

Hoje já temos robôs que substituem o trabalho humano em muitas áreas de produção, inclusive dentro da medicina, com as tais das cirurgias robóticas minimamente invasivas.

E se o Homem inserido na época de Eça de Queirós já corria o risco consequente de todo o desenrolar da civilização, no que tange às emoções humanas, que dirá no hoje em que o mesmo Homem, além de ser alguém incompatível ao seu habitat natural, também já se sente totalmente e perigosamente substituído pela revolução robótica...num cenário em que a máquina comanda a máquina" a quase ignorar a atuação humana em certas áreas do conhecimento e da vida.

A criatura a substituir seu criador, parafraseando certas ideias já tão bem colocadas e discutidas ao longo do tempo, nas artes das ficções científicas.

Paralelamente à antiga mecanização da mão de obra humana pelas tantas máquinas das revoluções, agora vemos "as máquinas sob as mãos da própria robotização mecânica" e nesse cenário, penso que o TÉDIO a que se referia Eça de Queirós, vem demasiadamente agregado ao MEDO.

O cenário atual portanto é dum Homem ecologicamente desagregado do seu meio, desamparado e substituído pela máquina, cada vez mais assustado, quase um homem a se sentir sem propósito real, portanto sem "sentido".

Se o ecossistema assolado pelas revoluções e seus progressos desaloja o Homem do seu meio, afastando-o de sua natureza essencial, então mais do que explicada está a origem da recente e avassaladora epidemia do figurativo "tédio" que tanto qualifica ou acelera os processos de depressão do mundo contemporâneo.

O Homem decerto que caminha mas não sabe muito bem para o quê e nem para onde!

Mais que isto!

Homens , principalmente nós, os das "cidades grandes", também estamos robotizados! Qual "gente-robô" que funciona às cordas do tempo!

Não há mais tempo para a satisfatória existência, sequer para a simples sobrevivência!

Escravos do relógio precisamos fazer valer o dia, correr atrás de todos os prejuízos materiais e emocionais.

Precisamos conquistar "roboticamente" um lugar ao sol, muitas vezes escuro demais para que enxerguemos a nua e triste realidade.

Uma "mais valia" agregada ao nosso ser, muito além daquelas que qualificam as teorias d'alguns sistemas econômicos da história da humanidade.

O grande desafio atual da nossa 'mais valia' está justamente em nos reencontrarmos dentro desse frenético estilo de vida ao qual nos propusemos nos dia de hoje, nos quais a mecanização "do humano" nos rouba até de nós!

Eça de Queirós talvez não alcançasse naquela época a visão para o tanto de CIVILIZAÇÃO que perigosamente caminharíamos dali para frente.

O máximo da CIVILIZAÇÃO na qual até o máximo de tédio, paradoxalmente amparado pela inteligência, se perdeu e já não encontra mais sentido.

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FONTE ILUSTRATIVA/ GOOGLE

Máximo de Tédio no Máximo de Civilização

Eça de Queirós, in 'Civilização'

Na Terra tudo vive - e só o homem sente a dor e a desilusão da vida. E tanto mais as sente, quanto mais alarga e acumula a obra dessa inteligência que o torna homem, e que o separa da restante Natureza, impensante e inerte. É no máximo de civilização que ele experimenta o máximo de tédio. A sapiência, portanto, está em recuar até esse honesto mínimo de civilização, que consiste em ter um tecto de colmo, uma leira de terra e o grão para nela semear. Em resumo, para reaver a felicidade, é necessário regressar ao Paraíso - e ficar lá, quieto, na sua folha de vinha, inteiramente desguarnecido de civilização, contemplando o anho aos saltos entre o tomilho, e sem procurar, nem com o desejo, a árvore funesta da Ciência! Dixit!