Estátua da Poetisa em Vila Viçosa



      A casa onde Florbela morou e se suicidou


Aquela que a mim me parece ter sido a Maior Poetisa do Século Vinte em Portugal, ela me inspirou este rápido ensaio literário sobre o que julgo terem sido os seus ultimos momentos entre os seus admiradores, meros mortais da sua época!
Publiquei isto já há algum tempo no meu Blog e quero compartilhar aqui neste recanto com todos vós, Leitores e Amigos da Lusofonia! -Obrigado pela leitura...
De: S. Potêncio, Crônica (045) extraída do meu Livro "Os Gambuzinos" 

<<... Lá na Vila Viçosa Alentejana, onde outrora a realeza da vida terrestre usufruira de tantos benesses, corria - devagarinho - o ano da graça de 1930 já pelos idos do final do outono, quando no dia 8 de Dezembro logo pela manhã, ela se levantou absolutamente inspirada para concluir o último capítulo daquilo que seria a sua escrita lapidar, imortal.
- Fogosa, com um coração desmedido de impulso avassalador.
- Provida que fora pela natureza com um dom inacabável de idealismo sonhador, romântico, temperamental às últimas consequências, ela tirou primeiro o pé esquerdo de debaixo dos lençois e soergueu-se por sobre a ilharga arredondada do quadril direito.
- Levou as palmas das mãos suavemente das ancas até aos mamilos e depois as deixou escorregar por debaixo das axilas para, finalmente elevar os braços ao alto.
- Primeiro em forma escultural dentro do seu corpo de 36 anos de idade, de uma maneira verdadeiramente lânguida, sensual e extremamente feminina, espreguiçando-se completamente antes de se levantar para se dirigir à escrivaninha.
- Ela sentia um tremor no peito absolutamente diferente de todos quantos havia sentido até esse dia, préviamente escolhido por ela e por ser a data do seu aniversário!... e por isso mesmo resolveu - ao pegar na caneta de aparo dourado, e antes de o mergulhar no tinteiro estratégicamente colocado ao meio da mesa na sua frente - abrir a gaveta do lado direito onde ela guardava os barbitúricos alucinógenicos, os mentores da veia aberta ao conhecimento literário mais profundo da sua época, e de lá tirou um pequeno frasco de vidro. Em seguida despejou-o em cima da folha de papel em branco.
- vou tomar só um!,... bem, talvez dois!?,... estou com uma dor de cabeça tão grande!
- É melhor tomar logo uns três, afinal hoje é o dia do meu "cumpleanos" - prontos!, tomo-os todos e acaba-se esta dúvida.
- Ninguém se torna imortal por coisa nenhuma... (digo eu) ou todos são imortais por alguma coisa?!
Levantou-se para ir à cozinha do seu pequeno apartamento, pegou um copo com água e voltou para a escrivaninha.
- Sentou-se pesadamente, apesar do seu corpo leve.
Um a um engoliu os milagrosos pedaços de felicidade sensorial e em plano totalmente espiritual, imobilizada, ela elevou o seu pensamento ao alto. E depois, de um só trago, emborcou o copo de água o qual deixou escorregar algumas gotas pela garganta de alabastro em direção ao sensual vertice do seu colo imaculado.
- Ainda lhe restaram forças para voltar ao leito onde ela foi encontrada já inerte e sem vida.

--- Ali estava ela a Florbela da nossa poesia totalmente amortalhada,  aquela que foi a nossa mais bela flor da literatura lusa do século XX. Século este que eu costumo apelidar  de forma totalmente irônica " século vim-te buscar para irmos para o meio do nada! que é o infinito da eternidade aonde agora estás tu Florbela Espanca!...>>

A Vida e a Morte

O que é a vida e a morte
Aquela infernal inimiga
A vida é o sorriso
E a morte da vida a guarida

A morte tem os desgostos
A vida tem os felizes
A cova tem a tristeza
E a vida tem as raízes

A vida e a morte são
O sorriso lisonjeiro
E o amor tem o navio
E o navio o marinheiro
(poema escrito pela Autora aos 8 anos de idade) 
Nesta minha recente visita a Vila Viçosa, eu tive a oportunidade de fotografar na Terra Onde a Poetisa se suicidou aos 36 anos de idade. 
Em um outro ponto da minha página do RL poderão os amigos e visitantes ler um texto dos meus ensaios sobre a obra daquela que foi um Expoente Maior da Cultura Lusitana do Século XX. E por alegoria em corruptela literária eu costumo apelidar de "Século Vim-te buscar para irmos para o meio de coisíssima nenhuma que é o infinito da nossa existência depois da obra que cá deixamos"!... Em homenagem Póstuma acrescento mais um dos seus maravilhosos poemas que guardamos na memória para recordar, porque recordar é reviver: 

Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...
Quando me lembra: esse sabor que tinha,
A tua boca... o eco dos teus passos...

O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha... 
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri 
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"

E eu acrescento mais este meu pensamento em forma de despedida - a liberdade de expressão tem limites que o ser humano comum não pode jamais alcançar.
Silvino Potêncio/Natal-Brasil - Autor de "Os Gambuzinos" e outras frivolidades virtuais.

Original publicado em > http://zebico.blog.com/ (desactivado em Maio de 2016) 


 
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 28/08/2010
Reeditado em 04/11/2019
Código do texto: T2464233
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