Yakuza, mutilação, submissão.

   Não sei se você sabe, mas existe (ou existia) entre os membros da Yakuza (…famosa máfia japonesa) a prática de cortar o mindinho de quem "pisa na bola".

  Pesquise num buscador aí: yubitsume. Mas bom... por quê? A interpretação mais óbvia seria "ah, deve ser um castigo, para que o cara que fez a cagada fique alertado de que não deve repetir aquilo". Entretanto, esta é, como eu disse, a explicação óbvia. Sugerirei outra:

   Ao ter seus mindinhos cortados, os "infratores" estão sendo obrigados a mostrar isso aqui: SUBMISSÃO.

   Bom, para entender do que falo, basta saber que a coisa não necessariamente parava naquele mindinho. Se reincidisse na cagada, o cara perdia o outro.
...Acho que daí seguia-se aos anelares… Dedos que não puxam gatilhos, claro.

   Percebeu? Para que cortar um novo mindinho…? Pela dor? Repetição da mesma dor?

   Sim, sim... Bom, que eu saiba isso sempre foi feito sem anestesia… E, logicamente, deve doer pra porra. Mas o que "pega" mesmo aqui é a submissão. O cara aceita ser mutilado. Sabe que vai doer…  E ninguém quer perder partes do corpo… Não dá pra repô-las. Elas estiveram sempre lá, com você, a vida toda. Um cara que "aceita" ser mutilado sem choramingos está mostrando uma coisa: submissão. Uma forma meio extrema de submissão ao kashira. (...Por que você ainda vai fazer serviços pro cara que te cortou o dedo a sangue frio.)


...Acabou o "conto". Mas ainda é possível prosseguir na análise. (Vai parecer outro assunto, mas saiba que não é…)

   Todas as línguas mundiais - ou ao menos todas as que eu conheço - possuem uma (ou mais) expressão(ões) de gratidão. A nossa é o "Obrigado". (Abv. de "Sinto-me obrigado a retribuir-lhe este favor", embora poucos disto saibam.) E, mesmo que alguma dessas expressões seja apenas uma palavra, é ainda, sempre, uma expressão.*

   A explicação para que o nosso "obrigado" e todos os outros obrigados do mundo sejam expressões, é esta: PRAXIS. Como todo o real aprendizado, agradecer aprende-se na prática. O ser humano sabe, mesmo que não saiba desse saber, que é possível SUBMETER o outro humano de variadas maneiras, inclusive (talvez a maneira mais sutil e inobservada) linguisticamente.** E somos também parte escravos de nossa língua, pois em seus limites encontram-se limites nossos também.

   Ao obrigar alguém a expressar gratidão, mantém-se o índice de lealdade dessa pessoa atualizado.

   E é útil saber quem te respeita se você é o kashira. ("Cabeça" da máfia.)


*Com expressão, quero dizer: "unidade linguística cujo significado é virtualmente impossível de deduzir, sendo que sua incorporação no vocabulário do indivíduo é estreitamente vinculada a uma situação social específica (que deve ser vivida para que haja a incorporação)".

**É que, em algumas ocasiões, é complicado ser falso. As pessoas geralmente se dão melhor bajulando alguém com mentiras do que mostrando respeito com mentiras. É complicado, existe um conflito profundo e imenso aí.