A Minha Ida à Guerra do Ultramar


"Catramonzeladas Literárias" 
A Minha Ida à Guerra - De: Silvino Potêncio.

Nota de abertura desta crônica; (estilo poema livre) ...chegados à ocidental praia do Ambrizete, por caminhos e picadas nunca andados, feitos a Catana e a Canivete.
...avançámos com o peito a descoberto,
sem camisa, por não haver mosquitos ali perto!
os "turras" eu não os pude ver, porque outros maçaricos já lá estavam, etc e tal...
mesmo assim foi honroso combater,
e defender a minha pátria, PORTUGAL!
(direitos de autor reservados, mas nem tanto!)

 
Resenha da situação em tempo oportuno:
--- Era o dia 12 de Janeiro de 1969, cerca das 07:45 hrs da manhã quando pousei a mala no chão em frente à EAMA (Escola de Aplicação Militar de Angola) na então Nova Lisboa, hoje capital da província do Huambo com o mesmo nome indígena original.
Era dia de recrutamento e após passar o portão principal, seguindo a "bicha" de pirilau (que nada tinha a ver com a "bicha" tupiniquim!...) cheguei no corredor de recepção entre um sujeito de origem indiana de quem guardo na memória apenas a alcunha "Índio", (apesar de termos feito uma grande amizade e termos estado juntos por 6 meses seguidos naquele quartel), e o meu particular amigo Machado, também conhecido na área como o "Matraquilho".
- Este era funcionário publico em Luanda, com um metro e quarenta e cinco de altura foi logo para a frente da bicha!... Era fruto dos erros da SECRECSEL, lá pelas bandas das cercanias do quartel general, onde eu acabei servindo como amanuense por 42 longos meses.
Ali na EAMA existiam várias salas para alistamento e em cada uma delas se fazia uma etapa diferente do processo para o alistamento p'ra valer!.

Mas a grande farra era mesmo no corredor!
Aí surgiu então um camarada alto,  com dragões de Alferes Miliciano nos ombros da camisa, e segurava uma prancheta na mão onde anotava tudo, menos o esperado cadastro pessoal para alistamento de cada um novo Recruta.
As perguntas do "nosso alferes" eram do tipo; és casado?... não!... tens filhos?... já falei que sou solteiro, como é que tenho filhos?

 - Olha aqui ó pá!... Aqui não dizes nada!... nada além do que te perguntarem, está bem? - Tá bem.... não é "tá bem", é... "sim senhor meu Alferes"!!!
- Tens filhos ou não?
- Sim Senhor, Meu Alferes!!!
- Tu ouviste bem?!...
Como é?... disséste que não tinhas filhos, e agora dizes que sim!?

-  ... estás-me a gozar ou o quê, páaaa?...
- Nisto, eu recebi mais uma palmada nas costas, que mais parecia que me tinham atingido com uma "Tremonzela" no cachaço vinda de outro Alferes Miliciano, que por ali passava em surdina, e eu fui parar do outro lado do corredor.
- Olha aqui ó páaaaaa!...
- O oficial superior aqui sou eu.
- Esse "gajo" aqui não manda nada, entendes?
De agora em diante nunca mais levantes a voz além da minha e lembra-te;
Na tropa manda quem pode, e obedece quem tem juízo!
No dia seguinte de manhã, cerca das 05:00 hrs, o corneteiro mostrou o toque de alvorada e na correria para os lavabos tropecei de frente com o tal "Alferes Miliciano" numero um. O mesmo que me tinha recebido no dia anterior na entrada do quartel - Nesse momento ele estava sem dragões nos ombros da camisa e mesmo assim eu bati a continência!!!.... Ele saiu disparado em direção da secretaria da caserna, e a rir a bandeiras despregadas. Ele afinal,.... Era apenas um simples soldado raso o qual havia se fantaziado de oficial para receber os novos recrutas daquele 12 de Janeiro de 1969, e eu fiquei ali com cara de parvo sem entender nada!
- Foi a primeira vez que tive também uma grande vontade, e ganas de lhe dar uma grande "Catramonzelada".
- E isto porque o tal Senhor "Alferes Miliciano" do dia anterior era nada mais nada menos que o soldado Amanuense de serviço no dia de recrutamento que havia recebido autorização (de combinação com o Oficial de Dia) para fazer aquelas "palhaçadas" tradicionais do primeiro dia de quartel.

Bastante parecidas com as brincadeiras escolares e académicas como sejam: o primeiro dia de universidade dos calouros, o primeiro dia de acampamento dos escoteiros, ou de qualquer coisa nova, que nos acontece em sociedade e que muda as nossas vidas para sempre!
- Com base no estilo e inspiração do grande "vate" da poesia em língua Portuguesa, os "Lusíadas", eu comecei aqui esta minha "Catramonzelada" de hoje já no meio da crônica. Perguntei onde poderia divulgá-la e de alguma forma a mandei para o portal do PortugalClub.

Arranjei uma boleia aqui no artigo infra publicado como resposta ao camarada de nome, Sergio Teixeira/Emigrante na Suíça, e assim surgiu esta crônica, por sinal bastante resumida.
--- É que, por falta de tempo e principalmente porque não é do meu feitio meter a foice em seara alheia, eu tenho recebido e guardado com certa saudade estas mensagens do PortugalClub especificamente dirigidas a nós Portugueses dos anos 60 (embora achemos que estamos todos ainda com 50!!!... ou até menos).
- Ao ler tal resposta do Sérgio Teixeira, dizia eu, me lembrei imediatamente desta que foi a minha primeira "Catramonzelada" em tempo de guerra.

- Mas antes quero usar um pouco mais do vosso precioso tempo para explicar o nome; "Catramonzelada Literária"!
A palavra é um derivativo do nome próprio "Tremonzela" que é um instrumento agrícola utilizado pelos agricultores portugueses das regiões interioranas, como sejam as de Trás-os-Montes, Beiras e Alentejo.
- Todavia o camarada não precisa ser Alentejano, ou Transmontano, para lembrar que nos bons velhos tempos de preparo da terra, (ah!... a "santa terrinha" de todos nós portugueses Emigrantes!,... não interessa se estamos no espaço físico do Cabo da Roca até ao Monte Fujiama lá no Japão! Em qualquer parte do mundo todos sofremos por ela de uma forma ou de outra!) – Là  a "Tremonzela" era utilizada com a junta de bois, ou outros animais domésticos para traccionar os arados, as charruas, as grades, etc. Eram presas aos jugos das juntas amarradas  no pescoço ou nos chifres dos animais.

Agricultores, ricos ou pobres, quase sempre se utilizavam deste instrumento de trabalho. E os mais pobres, do então chamado reino do "Salazarismo" nem bois tinham naquele tempo!... Quantas vezes  por isso mesmo eles a utilizavam  em parceria com um burrico ou dois para atrelar na charrua ou na grade e puxar a "Tremonzela" por cima da terra depois de lavrada e semeada.
- É isso mesmo,... a "Tremonzela" era aquela tora de madeira redonda descascada, geralmente cortada de algum galho de freixo ou castanheiro, com cerca de dois metros de comprimento, e com um gancho numa das pontas e alguns furos na outra ponta para se meter o "chavelho".

A Tremonzela era indispensável naquela época ainda não muito distante e que, se usada para agredir algo ou alguém como eu vi algumas vezes, poderia ser muito útil e como tal eu a escolhi para servir de base ideológica a esta que poderá ser a primeira de muitas crônicas para dar uma boa "Catramonzelada" em qualquer situação ou pessoa que o mereça!
(- Sem querer meter prego nem estopa, eu gostei da "Catramonzelada" colocada aqui embaixo e da autoria do tal amigo Emigrante Sergio Teixeira. --- Logo seguida da "Catramonzelada" sempre eficiente, integra, séria e honesta do editor do PortugalClub, )

Ainda em seqüência à resposta da mensagem original publicada aqui embaixo, cujo autor comenta a situação em Portugal e a nossa participação na guerra de Angola, Moçambique, Guiné, a tal Guerra do Ultramar, eu acrescentei aqui mais alguns pensamentos a esta crônica e: já então dizia eu para o meu Alferes instrutor!
- Os sonhos são como as nuvens!.... umas trazem chuva e outras se esvaem com os ventos, no infinito do horizonte.
Um desses nossos sonhos, como Portugueses, foi  o tal Mapa Cor de Rosa do Cone Sul Africano, que hoje só existe na nossa memória e imaginação!
Ele, o mapa, era imaginado pelos então governos colonialistas e se situava geográficamente no espaço físico  entre os territórios de Angola voltada ao Atlantico e o de  Moçambique voltado para o Indico.  Tal mapa ficou depois desmembrado por pressão política sofrida do governo de Sua Majestade o rei da Inglaterra porém,  no meu entender ele acabou mais propriamente quando o Gungunhana pendurou as calças lá no Castelo de Bragança!

Aliás não foi ele que as pendurou lá e sim o Comandante Mouzinho de Albuquerque.
Mas que grande "Catramonzelada" ele, o Gungunhana Grande Guerreiro Moçambicano apanhou naquele tempo, hein?!... (me passou isto pela cabeça em alguns segundos, e volto agora ao diálogo do presente nesta que foi a minha ida à Guerra do Ultramar)
- Já vi! ... já sei... é que actualmente o "Meu Alferes" daquele dia ele só lembra agora do Mourinho, o que era dos Dragões do Porto, e não o dos Dragões de Silva Porto em Angola.
- Isso fica para a próxima "Catramonzelada" !...
Até breve, Portugal é Eterno e nunca se diga adeus para sempre!
Silvino Potêncio/Emigrante em Natal-Brasil – 08 de JANEIRO de 2005 

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(IN: "CRÔNICAS DA EMIGRAÇÃO - CATRAMONZELADAS LITERÁRIAS")
Nota do Autor: a musica de fundo deste texto me foi oferecida pelo Dr Alvaro de Jesus quando me encontrei com ele no Porto.  
Silvino Potêncio
Enviado por Silvino Potêncio em 04/10/2010
Reeditado em 13/03/2017
Código do texto: T2537804
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