Deus nunca barra o caminho de quem quer interagir com Ele através da elevação da alma a níveis superiores de vibração e consciência. Isso pode ser viabilizado, inclusive, por meio da religião e suas orações preponderantemente verbais, como também por meio de experiências sensoriais científicas e naturais, por meio da meditação, por meio da reflexão filosófica e por meio da Arte.
O importante é a contrição do sentimento, a entrega, o despertamento da sensibilidade espiritual, quer no processo de produção, quer no processo de apreciação da obra de arte. O importante é, seja no nível racional-consciente, seja no nível semiconsciente, seja mesmo no nível inconsciente, ter um propósito para a oração, que é pedir, louvar ou agradecer ou, principalmente, pedir a Deus que lhe oriente sobre o que fazer em cada situação de vida e forças para fazer o que tiver de ser feito.
Isso vale, inclusive, para os artistas que se predispõem apenas a trabalhar sem maiores compromissos, sem consciência de qualquer papel social além da boa-fé e da boa vontade de produzir um “material”, seja com fins lucrativos, ou não, seja ele socialmente intitulado de “homem de bem”, ou não.
No instante criacional, o artista normalmente eleva-se acima de si próprio, e Deus, “pessoalmente” (também denominado então de “espírito santo”, “musa”, “veia inspiracional”, “fogo demoníaco”, “noúres”, etc, etc), vem ao seu encontro, para trazer suas contribuições e ajudá-lo com algumas “colas", “sopradas” e outras inspirações ou intuições.

{“Não meu, não meu o quanto escrevo. A quem o devo?" – Fernando Pessoa}

Agora, se, na volta para sua multirrealidade interacional corriqueira, o artista desembarca e volta a ser o que era, ou volta para o seu “normal” errante e navegante, como se a produção não tivesse nada a ver com ele como sujeito comum, simples, primitivo e concreto (o velho mito de que “a obra suplanta o criador), aí é problema dele.
O que mais importa para Deus é que no momento da interação criativa, o que ficar produzido e materializado há de servir oportunamente adiante, quer para o próprio transinteragente, quer para quem se aproximar com sua lupa, para interagir, através de sua sensibilidade, com o resultado concreto. Vale relembrar que também o apreciador da obra de arte artistiza-se durante o processo de apreciação.

A Arte, quando direcionada para fins ascensionais, transconscienciais ou simplesmente sociais é também uma oração, ou mesmo uma religião no sentido de religação, quer para o artista, quer para o apreciador. Ênfase para talvez o mais lídimo representante humano dessa arte maior, que foi o músico, regente e instrumentista alemão Johann Sebastian Bach (1685-1750). Já se disse, por exemplo, que seus “Concertos de Brandenburgo”, “Oratório de Natal” e “A Paixão Segundo São Mateus” são como a voz do próprio Criador e Regente da Orquestra Universal, em forma de música. Não foi à toa que Ludwig Van Beethoven, outro gigante da música clássica universal, chegou a dizer: “quando quero falar com Deus, eu ouço Bach.”
Os artistas universais, sejam humanos ou espirituais, normalmente têm essa missão ou vocação, consciente ou inconsciente, de aproximar a humanidade de Deus, elevando-a para acima do teto da vibratorialidade densa que cobre nosso planeta. São momentos de oração pela estesia despertada com o belo, com o profundo, com o arrepiante. [Os artistas espirituais utilizam-se de alguns seres humanos chamados comumente de médiuns, para produzir seu “material”, ainda que estes não entendam patavinas de nada do que intermedeiam. Bem, os artistas têm a visceral necessidade de produzir, não importando em que dimensão estejam, principalmente quando têm propósitos ou missões despertativas a cumprir. E essa mediunidade fisiossensorial entre seres de dimensões psicovibratoriais diferentes é tão velha quanto a própria humanidade. Duvidinha: será o médium humano um médium de um médium, quando ele intermedeia o trabalho artístico de um artista espiritual, se considerarmos que o “artista é o médium da natureza”, no dizer de Garcia Lorca?]
A questão é achar instrumentos humanos e materiais devidamente, ou pelo menos minimamente afinados, para a realização das sinfonias, sejam musicais, coreográficas, verbais (escritas ou orais), cinematográficas, pictóricas, teatrais ou esculturais. Ou sejam mesmo sinfonias artesanais, como o aboio de um vaqueiro, os santos, bonecos e esculturas de barro, as histórias de cordéis, as toques de berimbau e de atabaque, as danças folclóricas, os retratos de lambe-lambe, as xilogravuras e os quadros de pintores anônimos.
Não importa se o viés tomado pela arte para se manifestar seja o erudito ou o popular. O que importa é a impressão, o enternecimento, a sensibilização que induz o artista ou o apreciador a apreciar Deus em seu próprio íntimo, a apreciar a si mesmo como obra divina, a maior no planeta Terra, que é outra grande produção do Artista Supremo (em que pese às tentativas de sua destruição pelo lado antiartístico do próprio homem e suas dessensibilizantes “máquinas maravilhosas”).
Tudo que é feito com amor, esmero e boa vontade, serve para a manifestação da Arte, inclusive a arte-culinária, a arte da decoração, a arte da costura, a arte de construir instrumentos de arte, a arte da tradução, a arte-final, a arte da revisão, a “arte de cortar palavras”, a arte de dirigir produções artísticas, a arte de apreciar arte, a arte de criticar arte... Colocar letra em melodia ou melodia em letra, construir arranjos instrumentais para canções, a estética dos movimentos instrumentais de uma orquestra...
Todo e qualquer trabalho que seja visto como um propósito de melhorar as pessoas intimamente serve de arte, serve de oração. Isso vale, inclusive, para a delicadíssima arte de carregar piano, para a sutil arte de conduzir espectadores para se assentarem na sala de projeção do cinematógrafo valendo-se apenas de uma lanterninha, ou para a insofismável arte de educar.
A Arte é a Arte, e se sustenta por si só, já que seu tempo e seu espaço são transdimensionais. Podem ser destruídas suas formas materializadas. Porém, ela sempre aparece adiante, mais reluzente e sinalizadora do que nunca. Sua função cósmica é não somente despertar ou desenvolver a divindade que existe dentro de nós, mas é também expandir essa divindade cada vez mais na direção de Deus. Pode resistir até aos desgastes do tempo e destruições parciais. A “Venus de Milo” que o diga.
Lembra-se daquele ocorrido (e atualmente eternizado, ou melhor, internetizado) com o violinista italiano Niccolò Paganini (1782-1840)? Ele estava executando uma música tão inspiradamente para uma plateia cheia e também inspirada, que mesmo se quebrando uma corda, depois outra corda e por fim tocando com apenas uma corda o seu violino, ele não perdeu a fluxo inspiracional, nem a plateia percebeu qualquer redução de qualidade na música inicialmente executada com as quatro cordas. Aquilo produziu um êxtase tão eufórico a partir de certo momento, que talvez tenha feito vibrar as cordas espirituais do próprio Paganini e as cordas auriculares de todos os espectadores, gerando o milagre da continuidade do mesmo som, ainda que com as limitações físicas do instrumento parcialmente quebrado. Foi a expansão mais transcendental daqueles momentos em que o artista alimenta a plateia e a plateia alimenta o artista com o nutriente da inspiração de mão dupla. É muito comum nos espetáculos em teatro, que normalmente são favorecidos pelos efeitos da acústica, da iluminação, do som e principalmente pela comunicação sentimental e vibracional entre artistas e público. São momentos únicos. Mas, naquele famoso momento/lugar onde Paganini se apresentava, certamente produziu-se também uma superação e uma superoração sustentada por uma plêiade de anjos dos que transinspiram coletividades. Ali, certamente, afinaram-se e vibraram as supercordas de todas as onze dimensões do Universo. Tudo porque, não sei por que capricho, a arte não estava querendo parar. A Arte não tinha de parar, e se sustentou, não por si só, mas pelo enlevo da alma coletiva, ali unificada pela intercomplementaridade univibratorializante daquele superartista com a plateia extasiada e certamente com os anjos músicos que voavam no invisível do ambiente, virando todos um só. Foi um momento mais único ainda. Um milagre da arte.
[Bem, eu não sei se esse fato foi fato mesmo, ou se foi uma lenda criada a partir de uma habilidade especial de Paganini historicamente reconhecida, que era a de tocar violino com menos de quatro cordas, até com uma (a corda sol). E talvez eu mesmo, com essa minha descrição subjetiva aí, posso estar até aumentando o grau de lendariedade do “causo”. Mas, se é verdade também, segundo corre nas fontes oficiais e oficiosas da história, que esse incomparável virtuose italiano conseguia tocar doze notas por segundo, incluindo notas harmônicas, não sei, não. É capaz de ter acontecido mesmo o fato, não com essa miraculosidade toda que aparenta, mas como fruto de um raro apuro técnico. Diz-se que um dos prazeres dele era assombrar as pessoas com seus contorcionismos musicais, reforçado por seu perfil anatômico, tido na época como fantasmagórico.]

Igualmente, a eventual limitação física de si mesmo não impede o artista de agigantar-se em alma e construir obras que instigam e maravilham gerações. Foi o caso do surdo Beethoven? Do aleijado Antonio Francisco Lisboa? Do epiléptico Machado de Assis? Do louco Arthur Bispo do Rosário? Das três irmãs cegas de Caruaru? Do paralítico cerebral Christy Brown (aquele que pintava com o pé esquerdo e que virou filme)? Dos vários e vários pintores sem mãos do passado e do presente?
O artista, em êxtase criativo, já é capaz de antever a arte dentro da pedra bruta que ele ainda vai esculpir, antes mesmo da primeira cinzelada. A limitação da bruteza da pedra não o impede de antever o que algumas pessoas não suficientemente sensíveis não verão tão cedo, mesmo depois da última pincelada de verniz.
A manifestação artística tem um algo a mais que é logo captável em sua amplitude e profundidade apenas pelos sentimentos mais sensíveis. Esse algo a mais, nunca plenamente descritível com as palavras, pode até transcender os limites da técnica, da ética e da estética que embalam a sua produção ostensiva, podendo até não se valer de nada disso. Quase sempre, esse algo a mais mostra-se é nos detalhes invisíveis, nas entrelinhas imperceptíveis pelos sentidos físicos, na própria pedra bruta que ainda vai ser descoberta pelo artista.
Até entre linhas de produção cultural ou incultural tipicamente antiartísticas ou voltadas para tendências pós-modernas inartísticas, eletronicizadas e monocórdicas da chamada Pop Art, a Arte costuma aparecer e dar uma palhinha de vez em quando, surpreendendo mentes mais sensíveis ou menos insensíveis no meio das multidões acusticamente drogadas.
Outrossim, quando quer se apresentar mesmo, principalmente quando com propósitos consciencio ou sensitivo-despertativos, a Arte manifesta-se diretamente no sentido das pessoas, mesmo no daquelas corriqueiramente insensíveis, ao ponto de fazê-las chorar, se arrepiar, se comover, lembrar de fatos, pessoas, lugares, sentimentos e outros valores recolhidos. Com a sensibilidade momentaneamente despertada, tais pessoas, tidas como “duronas”, percebem a arte que elas precisam perceber, seja para perceber algo ou alguém, seja para perceber Deus, seja para perceber-se. A depender do enlevo, nunca mais voltam a ser as mesmas. A Arte não tem preconceito preferencial, estético, ético nem ambiental.
Antes mesmo de elevarmos as mãos, as palavras, o pensamento, os sentidos ou o sentimento a Deus, Ele já vem preparando o ambiente e as condições mais próprias para o despertar dessa nossa própria sintonização direta pela via da prece. E a Arte é um desses ambientes. É uma provocação de Deus para que nos lembremos Dele a qualquer momento, preferentemente antes de precisarmos.
A Arte é, pois, uma forma de oração de Deus para nós, pela templação da natureza para nossos sentidos, e é uma forma de oração de nós para Deus, pela contemplação de nossa alma para o que nossos sentidos captam.
Vamos apurar cada vez mais os sentidos para captar essa prece.


Josenilton kaj Madragoa
Enviado por Josenilton kaj Madragoa em 05/10/2010
Reeditado em 24/12/2010
Código do texto: T2538467
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