O CAMINHO NÃO PERCORRIDO - a trajetória dos assistentes sociais masculinos em Manaus

Neste livro surpreendente, Carlos Costa alia uma rigorosa pesquisa Histórica sobre a profissão de Serviço Social, onde procura uma resposta científica para a pergunta: por que os homens, em Manaus, não exercem a Profissão se Serviço Social?

A ousadia de escrever um livro tão ambicioso custou a Carlos Costa algum despeito dos enfermos de sentimentos de inferioridade, que não admitem a um intelectual brasileiro, o direito de entrar nesse debate tão apaixonante, tratando de uma matéria tão complexa.

Quando analisa a profissão de Serviço Social, Carlos Costa o fez com muita propriedade e vai buscar embasamento na Terceira fase da Igreja, quanto tem início a participação das mulheres; era chamada entrada do sexo feminino, na participação dos Trabalhos da Sociedade.

Até pouco tempo atrás, as mulheres solteiras, mesmo que tivessem ótimos empregos, não conseguiam empréstimos bancários; as que fossem casadas sempre precisavam pedir a seus maridos que assinassem por elas. As mulheres só podiam ser enfermeiras, professoras ou secretárias.

Raras mulheres então consideradas “avançadas” se formavam em Medicina ou tornavam-se diretoras de escolas e pouquíssimas a ser superintendentes ou diretora de empresa. Se naquela ocasião, se dissesse que aquilo não era justo, muita gente ficava chocada. Estava-se tão-somente tentando fazer o que era “bom” para as mulheres.

O que Carlos Costa mostra neste trabalho é exatamente o que hoje vem acontecendo com os homens na profissão de Serviço Social.

O resultado é um livro delicioso, sério, com profundo embasamento teórico e prático, dando abertura para novos estudos e a busca de novas respostas para um assunto bem atual.

Mário Jorge Corrêa, sociólogo.

INTRODUÇÃO

Por que os homens não exercem a profissão de assistentes sociais, em Manaus?

Esta pergunta, aparentemente com resposta óbvia, desafiou-nos a encontrar uma resposta científica. Para encontrá-la, remontamos nosso estudo ao século XIX, quando o processo de desenvolvimento capitalista da Revolução Industrial, iniciado na Inglaterra, começou a gerar as desigualdades sociais e exigiu a mediação de “espíritos humanitários caridosos” para “aliviar os problemas’. É nesse momento que, no seio da igreja Católica, surge a profissão de Assistente Social.

Historicamente a profissão foi sendo construída com a identidade feminina, inicialmente dentro da Igreja e depois no interior do Aparelho de Estado. Em ambos os caminhos, aparecem sempre as mulheres no exercício das ações sociais. Essa verdade, contudo, não nos pareceu suficiente para responder à pergunta de nosso questionamento.

Dividimos o trabalho, então, em fases. Era preciso analisar e questionar a trajetória da demanda masculina no curso de Serviço Social, em Manaus, a partir dos anos 40, quando é criada a Escola de Serviço Social de Manaus.

Iniciamos nossos estudos teóricos seguindo a linha materialista histórico dialética. Começamos com a organização dos dados documentais e bibliográficos sobre o assunto e formamos uma base de análise de conteúdo. Depois, aleatoriamente, aplicamos questionários quantitativos e qualitativos a treze assistentes sociais, representando um universo de dez por cento dos assistentes sociais masculinos identificados em registros. Também desenvolvemos o processo de observação participativa. Com os dados coletados, iniciamos o processo de análise e interpretação das informações recolhidas.

Dividimos nosso trabalho em cinco capítulos distintos. No primeiro, traçamos a trajetória da profissão ao longo da história, na Inglaterra, nos Estados Unidos, no Brasil e no Amazonas. Também nesse capítulo, desenvolvemos estudos sobre o processo de Reconceituação do Serviço Social no Brasil e indicamos seus efeitos positivos e, também, as críticas que lhes são atribuídas.

No segundo capítulo, desenvolvemos estudos sobre a conjuntura econômica do Amazonas nos anos 40, analisando a crise da borracha e suas conseqüências sociais. Nesse período de crise social é criada a Escola de Serviço Social de Manaus, em 1940. Ainda nesse capítulo, teceremos comentários sobre a prática profissional frente às demandas sociais.

Dedicamos o terceiro capítulo a um estudo sobre o Projeto Zona Franca de Manaus e a institucionalização do serviço social no mundo do trabalho amazônico, com a criação da Divisão de Serviço Social do Estado. É também neste capítulo que discorremos sobre o serviço social no mundo do trabalho, analisando a postura profissional frente aos problemas gerados pelo modelo de desenvolvimento Zona Franca, inclusive com depoimentos de treze homens que cursaram Serviço Social.

No quarto capítulo, fazemos a análise da pesquisa de campo que buscou resposta para nossa pergunta inicial. Essa resposta precisava ser dada no conteto por nós analisado. Não era suficiente apenas justificar a gênese feminina da profissão como única resposta aceitável. E a resposta nos foi dada com clareza: a ausência masculina no mercado de trabalho não tem causa na gênese da profissão, mas na sua falta de autonomia, de status e de reconhecimento financeiro. Os homens, após a conclusão do Curso, abandonaram-na e buscaram na carreira de advogado, médico, administrador, professor e outras, aquilo que não encontraram na carreira de serviço social.

Em nosso último capítulos, prestamos uma homenagem ao criador da Escola de Serviço Social de Manaus, desembargador André Vidal de Araújo; mesmo sem pretendermos contar sua biografia, narramos alguns fatos ainda desconhecidos sobre o homem que teve uma visão social de futuro.

Este trabalho não pretende ser a última palavra sobre o assunto; mas, a primeira. Acreditamos que os dados nele contidos servirão para que outros estudos também sejam feitos, buscando novas respostas ara o questionamento inicial. Entendemos que o homem é produto e construtor de sua história e, como tal, a nossa história não tem fim. Apenas, começo.

Carlos Costa

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

CAPÍTULO I

1. DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO

1.1. As Fundações Religiosas: a gênese do Serviço Social

1.2. O Serviço Social no Brasil

1.3. A Reconceituação do Serviço Social no Brasil

CAPÍTULO II

2. AMAZÔNIA: A CONJUNTURA ECONÔMICA DOS ANOS 40

2.1. A Crise da Borracha

2.2. A criação da Escola de Serviço Social de Manaus

2.3. A prática profissional frente aos problemas sociais

CAPÍTULO III

3. O PROJETO ZONA FRANCA DE MANAUS

3.1. Institucionalização do Serviço Social em Manaus: A Divisão de Serviço Social

3.2. O Serviço Social no mundo do trabalho

3.3. Depoimentos de Assistentes Sociais masculinos sobre o exercício da profissão e o mercado de trabalho

CAPÍTULO IV

4. Análise e interpretação dos dados

CAPÍTULO V

5. ANDRÉ VIDAL DE ARAÚJO: O HOMEM, O HUMANISTA, O SOCIAL

CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS BIBILOGRÁFICAS

CAPÍTULO I

1. A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO

Os últimos anos do século XV marcam o fim da Idade Média, o início do desenvolvimento da ciência, a intensificação do comércio e a transferência econômica do capital comercial para o industrial. A Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra ao longo dos séculos XVII e XVIII, marca o aperfeiçoamento das técnicas artesanais do feudalismo, o aparecimento e aperfeiçoamento das primeiras indústrias familiares e o surgimento de uma mão-de-obra farta, barata, desqualificada e despreparada que passou a ser explorada pelo capital, através de longas jornadas de trabalho, dos ínfimos salários, das condições insalubres de trabalho e moradia e a através da divisão hierárquica do trabalho, que mais facilmente permitia a acumulação do capital.

Na tálio Kisnerman, sobre esse período histórico, assim se posiciona:

“Ela, (a Revolução Industrial) quebranta as forças tradicionais de trabalho das corporações artesanais, dando início a livre empresa, regida pela livre concorrência, o que produz uma concentração urbana, cada vez maior, de populações e de capitais e um empobrecimento de grande setor que é obrigado a vencer seus trabalhos, para poder sobreviver. Frente ao incremento de fontes de trabalho, contrata-se quem está disposto a fazer mais horas por um salário menor 1980:17,18).

A falência da atividade artesanal e manufatureira e a transferência de seus antigos donos para as fábricas, na condição de operários, como informa Kisnerman, fez surgir uma nova classe de operários – eram os proletários, privados de suas propriedades, sem instrumentos de produção e obrigados a vender sua mão-de-obra como mercadoria à classe capitalista, que a explorava. Com isso, os então homens livres de obrigações que os ligavam aos senhores das terras, deslocavam-se para as cidades, favorecendo o desenvolvimento do capital e da exploração do homem pelo próprio homem.

Essa divisão social do trabalho não nasceu com o capitalismo, segundo Gorz, e está presente em todas as sociedades complexas. Adam Smith afirma que a divisão do trabalho apareceu por causa de sua superioridade tecnológica. Independentemente de sua gênese, a divisão do trabalho capitalista fez sucumbir a divisão que existia no trabalho corporativo e tornou a tarefa do operário tão especializado que ele deixou de ter produto para vender, submetendo-se ao capitalista para combinar seu trabalho com o de outros operários e fazer dessa combinação, um produto comercial.

Deslocados de seus habituais ofícios e explorados dentro das fábricas, os proletários perdem suas condições de existência e passam a ser vítimas do novo processo econômico. Sem salários dignos e vivendo em precárias moradias, a mendicância cresce, a pressão social aumenta e o descontentamento contra as máquinas é cada vez maior. (1).

Segundo Gorz, a divisão capitalista do trabalho, é a fonte de todos os problemas, pois ela “estropia o trabalhador e faz dele uma espécie de Monstro (1998:9). Max, por sua vez, afirma que “subdividir um homem (...)

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(1) Inicialmente, os operários reagem de forma espotância sem se organizarem para fazer suas reivindicações. Não tendo condições de analisar quais as causas de seus baixos salários e de seus desempregos, em bancos entram nas fábricas, armados de pesadíssimas marretas e começam a atacar e destruir as máquinas. Depois, aos poucos, vão percebendo que os responsáveis por suas misérias não eram propriamente as máquinas. A partir de então, começaram a se organizar e exigir melhores condições de vida, através de greves. Em 1838, os operários redigem um documento público reivindicando melhores salários e direito de voto. Esse movimento ficou conhecido como o nome de “cartismo”. Ele conseguiu mudanças na forma de votar, mas isso não fez mudar a situação dos operários.

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é assassinato...A subdivisão do trabalho é o assassinato de um povo”(a980:248)

A divisão social do trabalho, uma das fontes fundamentais do privilégio burguês ( propriedade privada dos meios de produção e outras), repercute em toda a produção da riqueza social. Sobre isso, afirma Marco Márcio(1).

“Mesmo se for privada dos seus meios de produção, a burguesia pode manter seus privilégios pela manutenção da divisão do trabalho, isto é, mantendo-se dono da técnica. Divisão burguesa do trabalho e privilégios acham-se, portanto, ligados. Só se a técnica ficar nas mãos do povo todo, a será possível realizar a igualdade e colocar a produção a serviço das massas”(1989: 143,144).

A Revolução Industrial modificou completamente o cenário econômico e social de sua época. Nas fábricas, a classe operária é masculina, feminina e infantil. Kisnermam afirma que “as novelas (...) descrevem mulheres, crianças, homens trabalhando em condições sub-humanas, testemunhando o ajustamento do capitalismo às custas da exploração do homem (1980:16) As indústrias, procurando sempre lucros cada vez maiores, pagam baixos salários. Famílias inteiras são obrigadas a trabalhar até mais de 15 horas por dia para sobreviver. As indústrias artesanais rurais entram em total decadência. As famílias mudam do campo para os centros industriais, gerando um crescimento desordenado, miserável e sem as mínimas condições de sobrevivência. É um mal social na definição de Balbina Ottoni Vieira.

Nesse contexto histórico, surge a teoria socialista de Karl Marx, para quem a tendência central do capitalismo é a concentração do capital, representado pelo crescimento médio em função da procura de maior produtividade, o que só pode ocorrer com a exploração do trabalho, gerando a mais valia, resultante,

“...de um excedente quantitativo de trabalho, da duração prolongada do mesmo processo de trabalho...”(Marx, 1987:222).

Marx, em “O Capital”diz, ainda, que mais-valia é “produto do trabalho não pago”

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(1) MARCO MARCCIO, teórico italiano, incluído no livro “A Crítica da Divisão Social do Trabalho, de André Grz, acredita que não basta o operário controlar os meios de produção para que a desigualdade desapareça. Essa desigualdade só deixará de existir, segundo ele, quando o operário dominar os meios de produção, a técnica de produção e colocá-la inteiramente a serviço das massas.

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De acordo, ainda, com Marx, para o capitalismo a força de trabalho é uma mercadoria que cria valor. O lucro poderia ser conseguido através do aumento do preço de venda do produto, mas isso seria transitório. O simples aumento da jornada de trabalho, porém, faz aumentar os lucros. O uso de máquinas aumenta a produtividade e, tanto em um caso como no outro, o salário permanece inalterado. Esse valor excedente produzido pelo operário com o aumento da jornada de trabalho e o uso de máquinas é, para Marx, o que se chama de mais-valia. Em uma situação dessas, a força de trabalho vale cada vez menos e os lucros são cada vez maiores.

O capitalismo, responsável pelo “mal social”, também é responsável pelo surgimento das classes sociais, “um arranjo de coisas que percebemos como relacionadas e semelhantes entre si, formando linhas separados de demarcação(2)”. Teóricos com E. Durkheim, M. Weber, Mashal, Joseph Hahl, Althusser, um dos mais lidos no Brasil, procuraram estudar e definir o conceito o conceito sociológico de classes sociais e de modos de produção. O conceito de classes sociais pode ser definido pelo lugar que ocupam no processo de produção, segundo Neuma Aguiar(1). De acordo com Althusser, as classes sociais se localizam na estrutura de um modo de produção. Esse modo de produção é composto por um conjunto de níveis, onde estão presentes o econômico, o ideológico e o político. Dentro do nível econômico é que está a organização da produção:

“ O econômico situa o papel que cada nível vai ocupar na matriz de um modo de produção. O papel predominante deste pode ser deslocado para outros níveis, embora em última instância, o econômico detenha uma importância maior” (Althusser, 1969:18).

Esse autor afirma que o papel da divisão social do trabalho é a condição necessária para o desenvolvimento intelectual e material das sociedades. Com isso, porém, não concorda Marx, para quem a divisão do trabalho “’é o assassinato de um povo”, que altera a base de todas as antigas condições e de comércio, faz desaparecer a colaboração voluntária dos indivíduos e tira dos operários a condição de opinar, permitindo uma maior exploração por parte do capital.

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1. Neuma Aguiar, no livro “Hierarquia em Classes (1974) apresenta conceitos de classes sociais. “mal social” é uma expressão utilizada por Balbina Ottoni Vieira, em seu livro “História do Serviço Social”. Com essa expressão, a autora define as mazelas do capitalismo que, ao mesmo tempo em que gera tecnologia, empregos, etc., também gera desemprego, miséria, consumismo.

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1.1.AS FUNDAÇÕES RELIGIOSAS: GÊNESE DO SERVIÇO SOCIAL

Os problemas sociais criados pelo processo capitalista de produção passaram a merecer atenção. A Rainha Elizabeth I, da Inglaterra, cria a “Poor’s Law” (lei dos pobres), em 1601, pela qual o município tomava conta de seus pobres. Essa lei foi a primeira forma de assistência na Europa, em uma tentativa de amenizar os efeitos da exploração do capitalismo, Outros países, como a Dinamarca, em 1683, e a Suécia, em 1686, também legislaram sobre o assunto, criando um “Código de Assistência” para disciplinar o atendimento aos pobres que foram expropriados das suas condições de sobrevivência.

No ano de 1788, em Nuremberg, ajudado por vários voluntários das causas sociais, foi criado o Bureau Central, órgão que passou a centralizar todas as ações sociais em uma tentativa de tornar o trabalho mais abrangente e eficiente,

“...designando-se, para cada, um supervisor, ajudado por vários voluntários. Estes não somente visitavam as famílias pobres para prestar-lhes assistência, mas também estudavam as causas da pobreza” (Vieira, 1980:41).

A Igreja Católica, desde o final do século XIX, desenvolveu trabalhos de assistência social aos explorados pelo capitalismo, condenando-o em seus excessos por entender que a ganância do capital, seu desejo de lucros cada vez maiores, o seu apego ao luxo e ao esbanjamento, eram as causas de todos os desajustes sociais. A ação social da Igreja frente às relações sociais originárias do capitalismo industrial, conhecida como a “Doutrina Social da Igreja”, buscava encontrar uma forma de convivência econômico-social justa, mas sem negar o direito de propriedade. A Doutrina Social da Igreja propunha aos católicos uma ação frente aos conflitos sociais gerados pelo capitalismo:

“Essa ação se daria de várias formas. Uma primeira, partiria dos próprios capitalistas, quando católicos, chamados a cumprir seu dever moral em relação a seus empregados. Uma segunda, seria de orientação e formação moral das classes trabalhadoras. A terceira medida seria o assistencialismo não no sentido de esmola, mas de atendimento”(Montenegro, 1986:47)

O agravamento da crise de relação social entre o capital e o trabalho, exigiu da Igreja um posicionamento mais firme. As encíclicas “Rerum Novarum”, em 1891, e a “Quadragésimo Anno”, em 1931, além de fazerem interpretações sobre as classes sociais e a origem das desigualdades entre elas, também incluíram claras diretrizes de ação concreta, demandando aos católicos a ação assistencial sob a perspectiva formulada pela Igreja, que tomava para si o papel político de forjar a Reforma Social sob a ótica da conciliação de classes.

Organizações religiosas e leigas começaram a se formar na Alemanha, França e vários outros países. Em 1869, em Londres, surge a Charities Organization Society , com a finalidade de coordenar o trabalho das obras particulares de assistência. Tanto na Europa como nos Estados Unidos foi muito grande a influência das COS no processo de formação de outras entidades de ajuda voluntária aos explorados do capitalismo.

A Charities Organization Society – COS, de Londres, iniciou o trabalho de investigação da pobreza. Esse trabalho era desenvolvido por alunos de Ciências Sociais(1) remunerados, que tinham por dever determinar quanto e quem deveria receber auxílio. A família aceita para receber ajuda era confiada a um “visitador voluntário” . Esse visitador tinha por finalidade promover uma compreensão mútua entre ricos e pobres, prevenindo os conflitos entre as classes sociais.

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1.NATÁLIO DISNERMAN – Em seu livro “Estudos sobre Serviço Social”, 1980, Cortez Editora, diz que a COS de Londres era integrada “por homens de classe superior”, universitários de Oxford, e Ca,bridge, dispostos a prestar assistência aos “atingidos pelos ricos de vida”. Aparece, assim, a assistência social como forma sistemática de ajuda, destinada a reparar os efeitos do industrialismo crescente, proporcionando-lhes meios para a subsistência.

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O Serviço Social ainda sob forma de trabalho voluntário, criado no seio da Igreja Católica, espalha-se por outros países. A Igreja, incentivando cada vez mais essa prática, em suas encíclicas “Rerum Novarum”, do Papa Leão XVIII, em 1891, e “Quadragésimo Anno”, do Papa Pio XI, de 1931, definiu as diretrizes de ação concreta, demandando aos católicos o reordenamento da ação assistencial sob a perspectiva de uma Reforma Social.

A Sociedade de Organização de Caridade, dos Estados Unidos, fundou a Escola Filantrópica Aplicada em 1898, junto a Universidade de Columbia, em Nova York. A primeira Escola de Serviço Social do continente americano surgiu em um momento em que toda a atividade social era um serviço voluntário, exercido por pessoas que não tinham capacitação específica para a função que cumpriam. Com a criação da Escola, o Serviço Social passou a ser definido como helping procers (processo de ajuda, processo de socorro), pela criadora da Escola e primeira sistematizadora da profissão, Mary Richmond. Para Richmond, o Serviço Social deveria fazer filantropia, via instituição. Ela, que era contra as Reformas Sociais, tratava as questões sociais através da abordagem individual, pois entendia que a melhoria do agregado social e a melhoria do indivíduo eram processos interdependentes. “Os seres humanos são interdependentes, diferente um dos outros”, dizia Richmond.

Com isso, o Serviço Social nasce nos Estados Unidos com um sentido de ajuda, uma prestação de assistência para a solução de problemas via instituição. Sem metodologia, a Escola seguia um marco filosófico-ideológico liberal, positivista, individualista, defendendo reformas à vida do homem. Mary Richmond, afasta-se desse caminho do Serviço Social, mais tarde, e inicia um trabalho objetivando criar uma metodologia para a profissão. Em 1917, lança o livro “Diagnóstico Social”. Essa nova corrente, chamada de Escola Sociológica, aproveitou das pioneiras sociais a idéia de uma reforma social pacífica e, de Richmond, a metodologia de caso. O caso para Richmond, tinha que ser visto no binômio indivíduo-situação. Dentro dessa visão, quando o Assistente Social procurasse tratar um caso, sempre teria que considerar as relações sociais e as relações de trabalho, porque nunca o caso será um elemento totalmente isolado. Ele sempre se apresentará dentro de uma situação social.

Com o fim da I Guerra Mundial, surge um novo tipo de idéia e uma nova disciplina, a Psiquiatria e, junto com ela, a difusão da teoria psicanalítica de Freud. Em 1928, surge na Escola de Serviço Social da Pensilvânia, a chamada Escola Psicológica no Serviço Social, que é uma antítese da Escola Sociológica. Essa nova corrente no Serviço Social, passa a ver o passado do homem e o seu interior, fazendo surgir o Serviço Social Psiquiátrico.

Com a crise econômica mundial em outubro de 1929, surgem nos Estados Unidos 13 milhões de desempregados e o Serviço Social já não tem tempo para os trabalhos psiquiátricos e psicanalíticos. Para atender à nova realidade, elementos das Escolas Sociológica e Psicológica são usados para ver o homem em sua situação concreta, aperfeiçoando ao máximo o método de casos de Richamond, fazendo surgir o “metodologismo’, em 1936. O marco filosófico era, ainda, o pensamento liberal, o subjetivismo filosófico.

Natália Kisnerman, em seu livro “7 Estudos sobre Serviço Social”, faz um rápido comentário sobre as Escolas de Filantropia e de Sociologia. Diz ela,

“...em sua primeira orientação (...) a Escola de Filantropia de Nova York (tinha por) finalidade (...) formar Assistentes Sociais; enquanto que a Sociológica se dedica ao estudo dos problemas sociais a partir do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Chicago, criada em 1903 (1980:19)

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1.2. O SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL.

Os primeiros registros de ação social, por parte da Igreja ou do Estado, só começaram a ser feitos depois da Proclamação da República, quando a Igreja se desliga do Estado e passa a atuar no campo social, com obras patrocinadas por senhoras da sociedade.

Não tendo atuação política e tendo uma atuação social através de senhoras católicas, somente na década de 30 a Igreja funda a Confederação Católica Brasileira. Em 1922, a senhora Stela de Faro foi nomeada Secretária Geral do ramo feminino da Confederação. Os trabalhadores da Confederação cresceram e em 1937 a Secretaria Geral funda a Escola de Serviço Social, a primeira do Brasil, no Rio de Janeiro.

Os anos 10 e 30 geram as bases para a implantação do Serviço Social no Brasil. O processo de industrialização do país, o progresso tecnológico e o desenvolvimento do capitalismo no início dos anos 20, foram os responsáveis pela alienação das forças de trabalho e o surgimento da marginalização de uma larga parte da população, geando a “questão social”. Marilda Iamamoto explica que essa questão social era causada pela exploração abusiva a que eram submetidos os operários e a sua falta de consciência para reagir a esta exploração. Iamamoto diz, ainda,

“A questão social (...) diz respeito à generalização do trabalho livre numa sociedade em que a escravidão marca profundamente seu passado recente( Iamamoto, 1988:127),

A questão social de que nos fala Iamamoto, resultado do processo de industrialização do Brasil, é representada por crianças abandonadas, lares desfeitos, desemprego, despreparo profissional, má utilização dos lares. Falta de iniciativa tanto na vida familiar como política e social, vida indigna, falta de moradia, favelas, mendicância etc.,

“...tudo isso dentro de um contexto onde a antiga mentalidade colonialista e escravocrata se mistura com idéias novas, causando completa desorientação entre os que procuravam ajuda”(Vieira, 1980:139)

A expansão do capitalismo no Brasil fez surgir um imenso exército industrial de reserva, permitindo que a força de trabalho fosse tornada uma mercadoria barata. Os operários tinham diante de si, como proprietários dos meios de produção, não um senhor em particular, mas toda uma classe capitalista, à qual ele é obrigado a vender sua força de trabalho para sobreviver.

A luta pela sobrevivência, travada pela classe proletária brasileira, gerou o que Iamamoto chama de “verdadeira guerra civil”. Os operários lutavam defensivamente para fugir da exploração abusiva. Essa luta foi entendida pela classe burguesa como uma ameaça aos mais sagrados valores, “a moral, a religião e a ordem pública”. O Estado reagiu e impôs um controle social da exploração da força de trabalho. Afirma Iamamoto que, com a intervenção do Estado,

“A compra e venda dessa mercadoria especial sai da pura esfera mercantil para imposição de uma regulamentação jurídica do mercado de trabalho...” (1988:128).

As péssimas condições de vida dos proletários ficam evidentes para a sociedade com a realização inúmeras manifestações de parotestos. Estava ficando impossível desconhecer a existência de uma grave questão social. As diversas classes e frações de classe dominantes, subordinadas ou aliadas, o Estado e a Igreja tiveram que se posicionar. O Estado, aqui entendido como um árbitro que atua acima dos conflitos sociais (1), foi obrigado a rever seu relacionamento com as classes que o apoiavam porque os movimentos sociais exigiam uma mudança de perfil da sociedade

A classe operária começa a se fortalecer e a surgir verdadeiramente como uma classe, entrando no cenário político, o que passou a exigir do Estado o seu reconhecimento e entendimento de seus interesses. As Leis Sociais, então, são colocadas pelo Estado na ordem do dia. Sobre isso, comenta Iamamoto:

“As Leis Sociais surgem em conjuntos históricos determinados que, a partir do aprofundamento do capitalismo na formação econômico-social .

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(l)Mary Souza Serra, em seu livro A prática institucionalizada do Serviço Social = determinações e possibilidades, 1986, diz que o Estado que atua como um arbitro acima dos conflitos sociais, está amparado nos valores básicos do liberalismo, na medida que a concepção de Bem-Estar Social. Desse modo, o Estado mantém uma relação de nautralidade. Assim, cabe ao Estado a responsabilidade da busca do consenso entre os cidadãos, a partir da visão que os coloca com interesses diversos que precisam ser harmonizaosem função do interesse comum que lhe é básico.

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“questão social” de um segundo plano da história social para, progressivamente, colocá-la no centro das contradições que atravessam a sociedade. Ao mesmo tempo, a “questão social” deixa de ser apenas contração entre abençoados e desabençoados pela fortuna, pobres e ricos, ou entre dominados e dominantes para constituir-se , essencialmente, na contradição antagônica entre burguesia e o proletariado dependente do pleno amadurecimento das condições necessárias à sua superação”(1988:129).

Depois do agravamento da “questão social” nos anos 30, durante o Governo Vargas, que apoiava abertamente o progresso tecnológico e o regime tecnológico e o regime capitalista, agravando ainda mais a alienação das forças de trabalho e a marginalização de uma larga escala da população, o Estado toma uma série de medidas promulgando leis trabalhistas e criando a Previdência Social. As Leis Sociais criadas para aliviar as contradições entre o capital e o trabalho, não atingem a todos os interesses dos operários e a crise fica mais acentuada. Cresce numericamente o proletariado, solidificando os laços de solidariedade política e ideológica e a classe buguêsa, representada pelos donos do capital, pensa em um projeto alternativo para enfrentar os operários. É editada, então, uma legislação sindical que vincula ao controle estatal a organização da classe operária

Iamamoto afirma que a presteza com que as medidas legislação social e sindical são projetadas e a sua amplitude,

“...não podem ser vistas desigualmente da crise de poder que caracteriza aquela conjuntura e do longo processo de organização de luta do movimento operário...”(1988:153).

Embora imperfeitas na sua aplicação, as Leis Sociais do Governo Vargas representam um progresso para a classe trabalhadora. O Governo Vargas acreditava que recursos bem homogeneizados e em número suficiente resolveriam a situação dos necessitados. Como isso não aconteceu, a sociedade agro-exportadora da época, que antes desconhecia a existência da questão social, preocupada com o desagregação do Estado Novo, por quem era apoiada, e com o término da Segunda Guerra Mundial, que fez aumentar ainda mais os problemas sociais, inicia uma ação assistencialista para o surgimento do Serviço Social no Brasil, vindo da Europa (1).

O Serviço Social no Brasil surge no decorrer desse processo histórico, em 1932, quando a sociedade ainda apresentava traços colonialistas, com carregada tradição de caridade individual e falta de ação social. As obras sociais eram privadas e de limitados espaços de ação. O Estado, aqui entendido na visão de Engels, como um instrumento que garante o excedente de produção para uma determinada classe social, assumia quase inteiramente a ação social.

Essa visão de Estado, marca todo o período do Governo Vargas que, embora apareça em alguns momentos como liberal, visando o bem comum, na verdade ele não pode ser entendido assim, pois pertencia a uma classe dominante e se colocava a favor do capital desta mesma classe, aparecendo como um instrumento de dominação da burguesia. É dentro desse enfoque contraditório do Estado que o Serviço Social é criado no Brasil.

“Relações Sociais e Serviço Social no Brasil", obra de Marilda Iamamoto, explica que durante o período de transição – 1939/37 -, o empresariado, inicialmente relutante, só apoiou a legislação social com medo de perder poder político e confiante na compensação dos custos.

carlos da costa
Enviado por carlos da costa em 09/10/2010
Reeditado em 15/10/2010
Código do texto: T2547542