COMARCA DO SÃO FRANCISCO

*COMARCA DO SÃO FRANCISCO

" O conhecimento da realidade histórica é de grande importância para nós, (...) a fim de que possamos compreender certos males que sofremos no presente e como poderemos extirpá-los num futuro próximo."

Citado por Mauricio de Andrade Lima

O porquê da abordagem deste assunto...

Desde a época de escola primaria no grupo escolar Amauri de Medeiros em Afogados, dediquei grande interesse ao estudo de historia em todas as nuances: história do Brasil, historia geral e historia de Pernambuco, cerne da verdadeira historia desta nação. Fui estimulado, ainda, pela declaração de Machado de Assis; este afirmou: “HÁ DUAS SORTE DE VOCAÇÃO: AS QUE TÊM LINGUA E AS QUE NÃO TÊM. AS PRIMEIRAS REALIZAM-SE; AS ÚLTIMAS REPRESENTAM UMA LUTA CONSTANTE E ESTÉRIL ENTRE O IMPULSO E A AUSENCIA DE UM MODO DE COMUNICAÇÃO COM OS HOMENS”.

Com efeito, arrimado nesta afirmação despertei o meu tímido espírito e procurei me comunicar; enveredo pelo caminho da pesquisa histórica e abordo um assunto meio esquecido, abolido dos livros de história, pois deveria estar atrelado pela sua relevância ao estudo da Confederação do Equador. Longe de mim a pretensão de representar o novo no assunto; não.

Fui impelido pelo estudo, pelo desejo de estimular o debate, dar conhecimento aos mais novos a esse lado escondido de nossa história, principalmente aos integrantes da Loja Maçônica 12 de março de 1537, da Academia Maçônica de Letras de Olinda e a alguns outros interessados.

Quando alguém se propuser a estudar a história do Brasil, despojado de preconceito, imbuído de rigor técnico, há de constatar o pioneirismo de Pernambuco na vanguarda dos acontecimentos históricos do país. O grito de republica, dado por Bernardo Vieira de Melo, em 1710; a revolução de 1817; o primeiro governo independente de 1821, (a convenção de Beberibe); e a Confederação do Equador, em 1824, o confirmam.

O iluminismo ou esclarecimento, surgido no movimento intelectual do século XVIII, influenciou decisivamente os movimentos libertários em Pernambuco. A forte influencia entre os protestantes emergiu lentamente entre os católicos e surgiu na então província, a grassar entre os clérigos e militares, e na parcela reduzida, mas, intelectualizada da época.

Segundo os iluministas a pessoa devia pensar por si próprio e não se deixar levar por outras ideologias que, apesar de não concordarem, eram obrigadas seguir. Pregavam uma sociedade livre com possibilidades de transição de classes, iguais para todos; contrapunha-se, vê-se, diametralmente ao espírito do Brasil Império.

Após a independência do Brasil o Imperador D. Pedro I, em 1823, decretou a instalação da assembléia constituinte para elaboração da primeira Constituição deste país; os trabalhos se desenvolveram sem anormalidade quando no dia 12 de novembro de 1823 o Imperador sentindo a constituinte tomar rumos diferente aos seus interesses, dissolveu os trabalhos da assembléia prendeu alguns de seus membros a gerar insatisfação em todo o pais; no ano seguinte outorgou a primeira constituição do Brasil.

Influenciados pelo ideal iluminista os pernambucanos, inconformados com a dissolução da assembléia constituinte, se revoltaram tendo Frei Caneca como um dos líderes, remanescente da revolução de 1817. As câmaras do Recife e de Olinda decidiram não aceitar a nova ordem: proclamaram a republica, contando no primeiro momento com a adesão da Paraíba, Rio Grande do Norte e o Ceará, à qual deram o nome de Confederação do Equador, primeira república no país.

Manoel de Carvalho Paes de Andrade, antes governador, assumiu como primeiro Presidente separatista não permitindo os pernambucanos a posse de Francisco Paes Barreto presidente enviado pelo monarca. Apesar da arregimentação dos pernambucanos e da adesão dos sobreditos estados, o monarca enviou tropas por terra e mar a sufocar o movimento e a prender vários insurretos, entre os quais Frei Caneca.

O Imperador, contrariado pela tentativa de implantação do primeiro governo republicano, arrimou-se equivocadamente no artigo 2º da Constituição, publicou os decretos de 07 de julho de 1824 e três anos após, o datado de 15 de outubro de 1827. Estes decretos anexavam a Comarca do São Francisco, então pertencente a Pernambuco, respectivamente, à Minas e depois á Bahia.

Esse nosso pioneirismo, esse irredentismo vindo da revolução de 1817 custara a Pernambuco a perda de Alagoas, igualmente se repetindo com os mencionados decretos, ao retirar a Comarca do São Francisco do território da então província; um ato de força, de despotismo, perpetrado pelo espírito jaez do imperador.

”Essa região fazia parte de Pernambuco, desde a época das capitanias hereditárias e consta da carta de doação recebida do rei de Portugal, pelo primeiro donatário da capitania pernambucana, Duarte Coelho Pereira, em 1534. Em 1820 a área integrava a Comarca do sertão de Pernambuco. Em 3 de junho desse ano o imperador criou oficialmente a Comarca do Rio São Francisco, esta denominação abrangia o território que é, hoje, o oeste baiano.” (Diário de Pernambuco, de 08 de 07 de 2007).

O ato praticado pelo Imperador amparado naquele artigo 2º representou naquela época o vilipêndio à incipiente constituição outorgada, mais tarde, uma constante na nossa cambaleante história constitucional. Vejamos o que diz aquele artigo: Art. 2º - O seu território é dividido em províncias na forma que atualmente se acha, as quais poderão ser subdivididas como pedir o bem do estado. É recorrente e importante transcrever a observação de Barbosa Lima Sobrinho, que tão bem estudou o assunto: “ Pelos termos do artigo essa subdivisão deveria está condicionado á obrigação de criar novas províncias, ou retificar limites controvertidos. Não se encontra na carta de 1824 nenhum título que permitisse a mutilação de uma província em beneficio de outra, fora, é claro, a hipótese dos limites controvertidos, em que a decisão seria apenas para definir fronteiras que se consideram legitimas e justificadas”

Implementara, assim, aquele monarca o ressentimento contra Frei Caneca e à província de Pernambuco, latente desde a Revolução de 1817 quando este afrontou sua augusta autoridade, vista então quase como divina. Ao basear-se no mencionado artigo 2º o monarca ignorou e subestimou a inteligência daquela época, pois o tal decreto não resistiria á analise do mais simplório dos hermeneutas.

São decorridos, pois, cento e oitenta e três anos dessa medida transitória, da anexação da Comarca do São Francisco àquela parte de Pernambuco, dessa forma, passou a pertencer provisoriamente à província de Minas Gerais e, logo depois, também provisoriamente até a data atual ao estado da Bahia. Desmembrou-se 173.352 km² de terras, equivalendo, hoje, a trinta e cinco (35) municípios, incrustada na região oeste baiano abrangendo todo o lado esquerdo do rio São Francisco.

Esboçou-se no decorrer do tempo tentativas para a volta da Comarca a Pernambuco. Em 1827 o marquês de Inhambuque propôs ao Senado a revogação do ato arbitrário; o Senador João Barbalho, igualmente em 19 de junho de 1896; Pereira da Costa voltou a defendê-la em 1919; Gonçalves Maia em 1919 publicou “Direito Territorial de Pernambuco, também sobre A Comarca do São Francisco; Barbosa Lima Sobrinho, o das grandes causas nacionais, publicou “Pernambuco e o São Francisco”, em 1929 e “A Comarca do Rio São Francisco”, em 1950.

Inclusive, durante os trabalhos da constituinte de 1988, os deputados Jose Carlos de Vasconcelos, Roberto Magalhães, Arruda Câmara, João Roma e Fernando Vasconcelos Coelho, apresentaram projeto sobre o assunto; mas na época, esbarrou-se, talvez, na onipotência do então líder político da Bahia, Antonio Carlos Magalhães e o entourage político. Decorrido todo esse tempo a região, atualmente esquecida pelo governo baiano, é a maior produtora de soja da região.

São trinta e cinco municípios cuja maior cidade é São Desidério, com 14.820 km² área maior que o Líbano e as Ilhas Malvinas. Há a possibilidade da volta da Comarca a Pernambuco? É quase impossível, pois existe e já ganha força movimento com forte apoio político para se criar o estado do Rio São Francisco.

Hoje se entende o porquê do provisório das coisas no país e o superveniente viés semântico em que se transformou a palavra. Sua atávica origem está fincada no distante século XIX onde a índole absolutista de um Imperador legou ao Brasil o desrespeito à primeira carta, a causar prejuízo e a se tornar uma incômoda repetição em nossa tradição constitucional. (Vide em que se transformou a CPMF).

Esperamos ter contribuído para o conhecimento desse lado pouco esclarecido da história do país; talvez os governos que se sucederam ao longo do tempo, por conveniência política, o tenham omitido propositadamente da historiografia oficial deixando-o, lamentavelmente, ignorado pelas novas gerações, inclusive, de professores de história. Olinda, 13 de setembro de 2007.

*ANTONIO LUIZ DE FRANÇA FILHO, advogado, aposentado da Celpe, ex-membro da Academia Maçônica de Letras de Olinda. Pertence à

Loja Maçônica 12 de Março de 1537. também em Olinda. CIM:191.699

e-mail:antoniofranca12@yahoo.com.br

*Segundo o Dicionário Aurélio, Comarca é uma circunscrição territorial sob a jurisdição de um ou mais juizes. Significa, ainda: região, confins, extremo longínquo e fronteira.

Bibliografia

Diário de Pernambuco

Jornal do Commercio

O pioneirismo de Pernambuco, de Carlos Bezerra

Cavalcanti

Constituição de 1824

Gilberto Montezuma, historiador diletante, pela cessão de livros.

ANTONIO FRANÇA
Enviado por ANTONIO FRANÇA em 18/11/2010
Reeditado em 10/11/2015
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