O Retrato

Ele a perguntou:

- Como lembraste de mim depois de tanto tempo?

Ela disse:

- Sabe, guardei de ti, o teu melhor retrato. Aquele em que estávamos sentados ao meio-fio da calçada da praça, reclamando-nos dos ladrilhos quebrados que machucavam-nos, e sorrindo da situação tão humilde, tosca e contraditoriamente ao mesmo tempo tão bonita e significativa, até que lembrei-me que carregava uma câmera no bolso, e a tirei assim, ainda sem ter idéia do que fazer com ela, até que a roubaste das minhas mãos indecisas e pediste para o primeiro estranho que passava na rua para tirar uma foto nossa, e resmungou num sussurro leve ao meu ouvido enquanto te acomodavas a uma posição agradável para o retrato "espero que ele não decida correr com esta câmera, aliás, ela foi muito cara?" até que o pobre coitado e tão gentil estranho disse tão menos empolgado do que nós dois estávamos um "Xis" e nos viramos surpresos de encontro ao flash com sorrisos gritando alegria. Ele nos devolveu a máquina fotográfica e você reclamou da foto, estava descabelado, piscaste os olhos, pouco iluminado, capturado com uma pose engraçada, mas o sorriso estava perfeito tal fosse uma pintura em tela de tão caprichado. E eu quieta, decidi guardá-la. E sabia que sejam quais fossem os traços que mudassem em teu rosto com o passar do tempo, que jamais mudaria aquele teu sorriso, e eu o reconheceria a tantos passos consideravelmente distantes de mim. E hoje vi-te atravessar à rua, rindo, que feliz coincidência, e então eu capturei aquele sorriso tal fosse o próprio retrato e o reconheci. Naquele instante consumi-me de uma alegria estranha, e dotei-me de uma coragem para te abordar tão grande quanto esta que manifesto agora ao admitir que eu gostei de ti desde sempre, sem que eu soubesse até que por acaso ocorresse este reencontro, mas o que me foi profundamente inesquecível foi tão somente o teu ato imensamente benevolente e simpático de deixar brilhar os teus sentimentos no teu sorrir, esse ato, foi e é a tua impressão digital, única, incomparável e jamais irreconhecível.

Ele sorriu novamente por impulso pelo embaraço dos elogios escutados, e para ele era algo tão trivial, mas para ela uma ação grandemente encantadora, e feito esses contos de fadas, sem truques de mágicas ainda assim, ocorreram-lhes sinos tocarem, pássaros cantarem, borboletas baterem às asas nos vossos estômagos, olhares trocados que brilhavam transparecendo declarações em pensamento transmitidas, e viveram então, felizes para sempre e depois do sempre, ainda restou-lhes aquele retrato.

Camila Trideli
Enviado por Camila Trideli em 14/01/2011
Reeditado em 14/01/2011
Código do texto: T2727785