A Aritmética De Uma Visão Filosófica De Deus A Partir De Spinoza

Ao tomar como exemplo para a explicação da visão filosófica de Deus efetuada por Spinoza o método aritmético, ficou incompleta a conclusão explicativa deste mesmo método do qual este filósofo apropriou-se para explicitar o dito acerca do método geométrico da Ética. Os dois 2, o primeiro sendo a Substância e o segundo os entes moldados, os modos dos atributos divinos daquela, formam somatoriamente uma unidade. Esta, entretanto, não pode abordar nenhum valor, como, por exemplo, na soma comum aritmética, o número 4. E, agora complementando esse raciocínio lógico matemático, o 0 também não poderia ser o resultado do fator da Origem Una Do Todo ser este Todo mas não confundir-se e fundir-se existencialmente com o Todo. Pôr o número 0 indicaria uma valoração do Invalorável, um algo que dita uma Verdade além dos valores humanos. O vazio da resposta da soma que tudo É, é o único sentido menos possível de limitação dessa Verdade, pois indica a impossibilidade de valorações que mentiriam acerca dela.

Há extrema implausibilidade na valoração ética e teorética do pensamento de Spinoza. Adjetivos como “Deus É Dez” são absurdismos e a própria genealogia da frase implica questionamentos como esses: por que Deus deve ser valorado como um número de um modo absurdo absoluto? ; por que o número 10 O dotaria de capacidades que nenhum ser humano absurdamente limitado compreenderia? ; por que um Deus sendo absurdamente limitado pelo absurdo do humano compreender limitado do que Ele É? O próprio número 2 que este filósofo utilizou para exemplificar o modelo do método aritmético, que foi por este filósofo desenvolvido, já é uma valoração absurda; contudo, menos implausível porque este filósofo não afirmou dogmaticamente que “Deus É 2”, uma afirmação limitante como aquela acima citada. Nós, humanos que pensamos ao nível dos limitados entes que limitadamente somos, podemos ser o 10 e o 2, valores típicos da nossa condição exata de limitados. O Doador Da Vida, O Pai Desconhecido conhecido pelo mero nome moldado pelos humanos “Deus”, imanente em tudo e diferente de tudo, jamais cairá como determinado no abismo das valorações.

Spinoza não faz nenhum policiamento ostensivo das absurdas idéias humanas acerca do Criador. Ele, tendo uma visão clara do absurdo no humano, procura demonstrar o quão obscuro significa toda tentativa de valorar a Deus. Levando ao plano teorético, a teorização limitante excessiva exercida pelas religiões, que mais mentem por crônica ignorância do que por inocente ignorância, é o dano maior que afeta a todo o pensamento do pensante ao nível do dogmático. Teoreticamente, o absurdismo cavalar das noções do que é um “Deus” moldado assassina o Deus não-moldável que alguma possibilidade rara de sábia teorização possa conceber. O maior dos exemplos do assassínio do Deus não-moldável humanamente é a crença no “adversário”, “Satanás”, de um Ente Absoluto que, pela etimologia desta frase, não abarca fora de si nenhum outro Ente a fazer-lhe frente “belicamente”. Se “Satanás” fosse outro Ente Absoluto poderia ser venerado mundialmente como o Verdadeiro Deus Verdadeiro, já que este, tornado um absurdo humanamente, é mais inimigo do Pensamento Humano do que o originador de toda fenomenalidade.

Se este filósofo está a falar do teorético, ele pode teorizar acerca do dito ao final do parágrafo anterior. Se Satanás existe, como Diabo (O Tentador) ou Lúcifer (o Portador Da Luz), ele é mais um modo dos atributos divinos da Substância, um irmão de todos os outros seres que interage com todos os objetos. Entretanto, ele teria que existir conforme a mais plausível das possibilidades existenciais possibilitadas pelo mais plausível dos nomes citados acima. Como Satanás, adversário da Substância, ele não poderia existir por ser tão possível de ser limitado como um bezerro ou um ser humano; como Diabo, tentador de todos os entes pensantes induzindo-os ao erro, igualmente não porque cada ente que pensa é o culpado pelos seus próprios erros; e como Lúcifer, Portador Da Luz, significando uma entidade responsável por toda Iluminação no Espírito Humano, novamente não porque o pensamento iluminador não pode ser externamente induzido mas internamente operacionalizado. Nenhuma das condições acima faz tal ser existir, pois são todas implausíveis; então, diante desse teorético problema, Satanás ou Diabo ou Lúcifer, se existe como sujeito material ou entidade espiritual ou apenas idéia inteligível, existe de uma forma tão indefinível por palavras humanas como o é a forma humana “definidora” de “Deus”.

E o problema ético surge na essência do teorético nessa abordagem ontológica, como em todas as desse tipo. Eticamente é indefinível todo conceito oriundo das possibilidades existenciais mais fantasiosas do que possivelmente reais. A moral religiosa é uma moral toda fantasiosa, valorando as conceituações do papel de todo fenômeno na cadeia objetiva do existir. Dessa moral abaixo do modo infantil de ser do mais verdadeiro ignorante presente no mundo, molda-se uma ética religiosa de ridicularização do pensamento religioso e de auto-ridicularização dos religiosos. “É bom crer em Deus porque apenas Deus salva”; “O Diabo é o inimigo de todos nós e combate todas as obras de Deus”; “Deus é fiel, então seja fiel a Ele, seguindo-O e amando-O”; “Deus e o Diabo eternamente estão em conflito pelo domínio de tudo o que foi criado”: ter definições como essas em seu modo ético de agir não acarreta autodestrutividade da vontade de pensar por si mesmo dos mais dedicados religiosos? Claramente, “crença”, “combate”, “inimizade”, “fidelidade”, “amor”, “conflito” e “domínio” são os termos éticos que fazem dos afetos religiosos o que se poderia denominar afetos não-religiosos.

Religião significa religar-se, no sentido de que este religar refere-se ao contato íntimo verdadeiro com “Deus”; os religiosos, com todos os seus valores éticos bebidos das fontes de todos os dualismos das religiões pagãs, mantém contato íntimo com o não-Deus. Spinoza foi muito mal-compreendido em sua época e até hoje continua sendo objeto de confusa visão acerca do objetivo de seu modo inspirado de filosofar, assim como Nietzsche. Os dois gritaram ao mundo que todos os entes pensantes devem aniquilar todo o contato com os dogmas assassinos e extinguidores de toda sincera interpretação do transcorrer reto verdadeiro da fenomenalidade. Spinoza, especificamente, denunciou a cegueira nascida da crença religiosa que vem a interferir em todos os âmbitos da sociedade assumindo diversas formas que, vistas sem o véu dos conteúdos que ocultam-na, separam os entes todos da Verdadeira Verdade. Toda ética, antes de transformar-se na ética de determinado aparelho pertencente ao modo de ser da sociedade, espelhou-se na ética religiosa para tornar-se como tal no mundo contemporâneo.

Spinoza viu essa realidade e notou que a eticidade oriunda do teorético e do ético absurdos religiosos deturparia o desenvolvimento da sociedade. Tudo atualmente deposita-se nas valorações do que é “bom”, “mau”, “fiel”, “infiel”, “conservador”, “inovador”, “forte”, “fraco”, “justo”, “injusto” e qualquer termo classificatório amparado na ética das teorias e nas teorias da ética. Os afetos eternizam-se nos moldes deste sistema ético classificador como os guias de toda falha humana na humana falha do tomar como rígida regra de conduta vitalícia a limitação do seguimento de uma ética limitadora do comportamento, da compreensão e da apreensão do que importa ser, agir e ter. Uma ética não-limitadora, livre da errônea base de valorações composta por todo este mundo que foi construído para o eterno valorar, é o que Spinoza verdadeiramente tenta fazer captar-se com as suas sábias palavras. Ser ético e, contudo, não fazer do ético uma norma suprema e absoluta da conduta: este é o monismo da eticidade que, se fosse essencialmente seguido, evitaria toda a escravidão humana no ético ditatorial governante do mundo dos entes sociais.

Entes sociais tais que, acomodados como filhos de uma eticidade atrasadora de seus evolucionismos internos, são sublimamente fracos, fadados a todo fracasso, fartos de todo descaso para os verdadeiros valores do verdadeiramente verdadeiro ou falso. A Humanidade, mental e existencialmente agindo como na época de Spinoza, apesar de dizer-se contemporaneamente acima da Humanidade do passado, sobrevive no afeto coletivo que a resigna no modo dos atributos éticos determinados por dogmatismos todo erráticos. O sistemático modo social do viver é dualista, no qual tudo é visto falsamente como um conflito eterno entre opostos que, na verdade de uma ética monista, são uma unidade vivente em uma separatividade condicionada pela diversidade. Quando a Ética de Spinoza for total e verdadeiramente compreendida pelo coletivo, totalmente incondicionada dos dogmatismos da Humanidade, o mundo será novo como sempre novo é o nascer de um pensamento como o dele no berço caótico de diversidades conflitivas do mundo antigo que é o mundo atual. Ao novo pertencerá uma ética monista, preparada para as verdades das verdades humana e divina, esta estando à frente daquela de um modo racional e mais verdadeiro, modo distante dos erros dogmáticos que atrofiam o Pensamento Humano. A Ética é uma obra que merece ainda ser compreendida como além do que a veneração por Spinoza propõe pô-la no cerne da Filosofia, pois é uma obra clareadora de novos caminhos intelectivos e não uma mera peça de biblioteca que precisamente é tida como clássica. O valor dela e de seu autor, Baruch de Spinoza, está além de venerações vazias, é transcendental e, melhor compreendido, realizador de novos tempos para a Humanidade. Novos tempos livres dos danosos dogmatismos em todos os campos e sentidos