Devaneio sobre trevas

Olhai à suja imagem vergonhosa, a qual, à plena personificação, se encerra, em mim, seja em meu peito, seja em minhas mãos, visto que ambos, dedicados ao retrato que sou da derrota, se engajam em seu mister.

Nem, ao menos, de viver em pleno mal-do-século sou digno: minhas penas dão exatidões do ser em seu fiasco, desprovido do fulgor e da originalidade.

Por que acendem luzes? Por que, de algum lugar, enviam luzes? Não há compreensão de que a minha ascensão se faz em trevas? Eis a dependência que as mãos as quais hoje escrevem têm das velas a abandonarem nossa era.

Da facilidade de sonhar, tornei-me escravo, sem que haja fidelidade e criatividade suficientes à reprodução de boas telas embasadas no conteúdo desses sonhos. Dos males, o pior: quando não nos sobra muito tempo para sonhar. Desânimo e decepção fizeram parte desta vida. Hoje, ambos são quadruplicados — quadrúpedes, ao seu nepotismo em minha vida, cercam-me contra a feroz parede arquitetada pela sociedade com o nome de destino.

Entre fontes d'água mineral e estrondos percussivos feitos pelos raios céus afora, surge um devaneio de uma mente em cuja pele dançam os solfejos das chamas e da escuridão.

"Olhai de que esperança me mantenho!"¹ Às esquinas e pedras a forrarem as calçadas e asfaltos, crio uma Proença indivisível, a qual, embora esteja em tosco preto e branco, é confortante ao coração do trovador fora do tempo.

Ao anoitecer que eu não quis ver, o luar se apresentara totalmente descompassado.

(Se é que existira...)

NOTA:

1. Luís Vaz de Camões.