O Punhal que o Tempo Carrega

“Voce marcou a minha vida,

Viveu, morreu na minha história

Chego a ter medo do futuro

E da solidão que em minha porta bate

E eu gostava tanto de você!”

Grande Tim Maia... Com a letra dessa música ele traduziu uma página da história da minha vida.

Talvez tenha traduzido páginas das histórias das vidas de muitas outras pessoas.

Mas a pessoa que viveu e morreu na minha vida ainda vive... Já tentei matá-la por várias vezes (calma, não digo matar literalmente, essa história não se trata de um Serial Killer), mas até o momento não foi possível. Ela morre por algum período, porém ela acaba voltando de seu sarcófago e revive em minha mente, me perturbando, como uma múmia, um zumbi...

Já desisti de assassinar esse ser da minha mente, já notei que enquanto meu cérebro funcionar, enquanto eu tiver memória para me lembrar, essa pessoa estará viva.

A página aparentemente virou, mas é como se tivesse sempre alguém, abrindo o livro da minha vida e provocadamente fosse até essa página, me fazendo lembrar de tudo.

Ainda bem que toda vez é diferente. Algumas vezes dói muito, lembro das piores partes, outras vezes me lembro dos melhores momentos e por alguns instantes lamento por não estar mais com esse alguém, me vem em mente que hoje poderia estar tudo bem, e bate um desespero, uma vontade de tentar de novo, de ter e dar mais uma chance.

Bom, se já não tivéssemos tentado, tudo bem, o problema é que tal tipo de desespero, já tive por algumas vezes, e tentamos, nós nos demos chances, porém todas desperdiçadas. Ou não soubemos aproveitar ou sei lá... Não era para ser. E Não foi.

Mas um dia foi, por alguns anos, foram muito. E fui muito feliz.

Durante outros anos, foi um martírio, um inferno, cheguei a pensar que joguei esses anos de vida no lixo.

Ainda não sei muito bem ao certo em qual sentido essa pessoa marcou tanto a minha vida.

Se foi pelos momentos felizes ou infelizes. Só sei que marcou.

E essas marcas o tempo ainda não apagou.

Tenho a sensação que o tempo não apaga, ele molda as lembranças e nos molda também.

É como se ele carregasse um punhal, e nos apunhalasse sempre que víssemos alguém ou algo que nos levassem a uma parte do tempo no passado. E quando esse período foi algo marcante, algo muito triste ou muito feliz, que nos faz sofrer ao lembrar, ter saudade ou ter ódio, ou tudo ao mesmo ao tempo, ele nos apunhala... Mas conforme o tempo passa, as punhaladas são diferentes, doem menos, as sensações são outras, ou nos acostumamos com elas, nos adaptamos.

Por um tempo eu queria me livrar dessas punhaladas, mas o tempo não deixa de assim o fazer.

Na ultima vez que o vi, foi inesperado, e estranho.

Os olhares não se procuravam mais, pelo contrário, se esquivavam. E quando um virava as costas, o outro olhava, na vontade de olhar novamente o rosto daquela pessoa que um dia foi tão amada, mas ele não podia saber disso. Você quer esquecer, mas faz questão de lembrar, você sente raiva, quer estar longe, mas vez ou outra acabada se esbarrando.

Não haviam assuntos, nem bons nem ruins, não havia frio na barriga, paixão, nem ódio, nem rancor, apenas uma sensação de estar sendo apunhalada no peito (estranho comparar isso a uma punhalada no peito, afinal nunca levei uma punhalada de fato), uma dor esquisita, e o filme da história com essa pessoa se passando em flashes. Mas notei que era diferente dessa vez, o filme passava longe, as imagens não eram tão nítidas, eram como vultos, as vozes não eram ouvidas com tanta clareza, uma mistura de saudade, de lamento, de alívio, de satisfação, de tudo e de nada...

É como se essa história não mexesse tanto comigo, apenas existisse, e percebi que sempre vai existir, por mais que a página seja virada, ela está ali, no livro da minha vida, e tentar arrancar seria matar uma parte de mim, se essa história deixar de existir, eu, deixarei também. Posso viver, mas não serei eu, será outra pessoa, com outra história, e apesar de tudo eu gosto da minha vida, de ser eu.

Então deixa essa página ali, e sempre que os ventos do acaso soprarem no livro da minha vida, e voltarem nessa página, que eu me lembre, e que sinta a punhalada do tempo, fazendo sangrar todas as dores, todas as chances perdidas, todos os risos, todas as lagrimas, todas as imagens, todas as vozes, tudo que senti. Até que um dia, o sangue irá secar, as lágrimas se cessarão, e morrerei junto a essa história, que de tão mal resolvida, já se resolveu.