Gregas Tragédias - ÉDIPO REI - 05

Sófocles – 496/406 – Colono

Cenário – diante do Palácio Real, em Tebas, com altares junto às portas.

A 1ª apresentação em – 430 em Atenas

Personagens:

1.Coro, representando os anciãos de Tebas.

2.Creonte, irmão de Jocasta

3.Édipo, rei de Tebas.

4.Jocasta, rainha de Tebas

5.Suplicantes, as

6.Tirésias, o famoso adivinho cego

7.Guardas, Servidores do Palácio, Sacerdote, Emissário de Corinto, Pastor da casa de Laios, Arauto do Palácio Real; Aia, acompanhante de Jocasta; Menino, guia do cego Tirésias.

A roda do ano reprisa a dor de sempre? ... Édipo não sabia que tinha o “complexo de Édipo”... (Keneth Tynam - crítico teatral)... não deixa de ser hilário pensar que a tese do Dr. Freud apoia-se num Golpe de Estado...

A representação inicia com Édipo dirigindo-se a um grupo de cidadãos de Tebas, reunidos à frente do palácio real. Ali, pede que um dos anciãos, um venerável Sacerdote, diga o que deseja o grupo, embora já saiba o que pedirão, pois vê em toda Tebas sinais que se vive em estado de lamentação e súplicas.

Responde-lhe o velho que o povo, de crianças a idosos, sofre com a peste que assola a cidade e o campo tebano, dizimando tudo que atinge: plantações, gado, pessoas. E que Édipo, o melhor dos mortais, é a última esperança de todos. Foi ele quem matou a esfinge (1), que antes aterrorizava a cidade exigindo pesado tributo de todos que passavam, e realizou uma série de melhorias à cidade e à população. Contam com ele, pois nem bem conhecendo a cidade já lhe prestara tantos favores. Agora, com mais motivos, esperam que use sua inteligência ou da graça de um deus para encontrar a solução para tão grave problema.

(1 – Esfinge – normalmente o nome “Esfinge” nos remete ao monumento egípcio situado ao lado da grande Pirâmide. É claro, porém, que aqui se refere a outro Ser Mitológico. Também chamada de “inexorável cantadeira”, tinha cabeça de mulher e corpo de animal e atraia os passantes com seu canto, propondo-lhes enigmas e devorando os que não os adivinhassem. No encontro com o Édipo o enigma indagava: que animal tem quatro pés de manhã, dois ao meio-dia e três à tarde? Édipo respondeu que era o homem, que na primeira infância engatinha, depois anda com dois pés e na velhice além dos dois pés apóia-se numa bengala formando, pois, um tripé. Graças ao seu acerto, o herói livrou a cidade daquela desgraça, pois a Esfinge precipitou-se num abismo e morreu).

Na seqüência, o Sacerdote apela para a vaidade de Édipo ao aludir o quão grande será sua glória por ter salvado a cidade novamente. Serás, diz, visto como o herói de Tebas, aquele que a salvou de duas calamidades terríveis.

(Note-se uma característica humana que sobrevive ao passar do tempo: a necessidade de delegar a outrem a responsabilidade pelo próprio bem-estar. Ainda hoje, lideres são buscados (e como esses e outros heróis são inexistentes, busca-se em Deus essa figura que garante a felicidade de cada um que o invoca) e aceitos com subserviência. No mínimo para lhes debitar o fracasso pessoal, haja vista que sempre é mais fácil atribuir a terceiros as próprias derrotas. E no máximo para usufruir o que foi conquistado sem a necessidade de penosos sacrifícios e trabalhos. A contrapartida a isto, o ganho de que assume o papel de “Salvador”, situa-se no espaço do egocentrismo. Na necessidade de ser o centro das atenções, de ser amado, querido etc.).

Responde-lhe Édipo que está ciente da hecatombe que se abateu sobre a “Tebas das Sete Portas” e que seu sofrimento é maior que o deles, pois enquanto cada um sofre por si, ele sofre por todos. Diz-lhe que mandou Creonte, seu cunhado, ao Santuário do deus Apolo, em Delfos, para receber instruções de como fazer para cessar o flagelo e que tão logo ele volte tudo fará para vencer esse inimigo.

Creonte entra em cena portando boas novas, como crê. Embora difícil, a exigência poderá ser cumprida já que consiste em achar e extirpar um “mal” nascido em Tebas e nela residente. Respondendo às ansiosas dúvidas de Édipo sobre o que seria tal “mal”, Creonte lhe diz que deverá ser localizado e banido, ou justiçado, o assassino do rei Laios. Édipo sabe que seu antecessor foi assassinado e embora não o tenha conhecido, concorda que seu sangue seja vingado, como exige Apolo. Que o assassino seja severamente punido, seja ele quem for, conforme as instruções do deus.

Na seqüência, Édipo e Creonte conversam sobre as dificuldades de se esclarecer crime tão antigo, mas sendo necessário que se comece imediatamente. O espaço geográfico da busca é pequeno: a cidade e o campo adjacente de Tebas, já que o assassino ali reside. Também o espaço cronológico é sinalizado pela frase de Creonte “a ameaça da esfinge nos forçava a por de lado as coisas duvidosas e a só pensar em nosso dia-a-dia”; isto é, pouco antes da chegada de Édipo à cidade. Com essas premissas, o rei inicia sua investigação imaginando que ela também o favorecerá pessoalmente, pois se já mataram um rei, é possível que queiram matar o sucessor e ao liquidar o assassino estará se livrando de um inimigo oculto e desconhecido.

Iniciando o inquérito, Édipo conclama ao assassino prometendo-lhe que nenhuma violência sofrerá, bastando que aceite ser banido pelo resto da vida. Aos outros cidadãos promete régia recompensa a quem delatar o culpado. Por outro lado, ameaça o culpado de se tornar um pária, de todos recebendo ofensas e desprezo e, até, agressões físicas e enxotamentos. Também amaldiçoa o facínora para que sua vida seja de eterna desgraça. Essas mesmas ameaças ele dirige aos demais compatriotas, aos seus parentes e aos cortesãos que habitam seu palácio e lhes são íntimos.

O Corifeu toma a palavra e após falar de sua inocência, sugere que Tirésias, o famoso adivinho, seja chamado, pois ele tem os mesmos poderes que qualquer outro Oráculo e poderá elucidar a autoria do crime. Édipo responde-lhe que por sugestão de Creonte já tomara essa iniciativa e estava aguardando-o para breve. O Corifeu cita alguns boatos que sugerem ter sido alguns viajantes o matador de Laios e Édipo diz ter ouvido semelhante versão, mas são informações truncadas, inconclusivas.

Nisso, Tirésias chega e Édipo saúda respeitosamente a sua sabedoria, a sua capacidade de adivinhação e lhe pede que o ajude a desvendar o crime e, assim, salvar a cidade. O velho profeta maldiz seu dom, já prenunciando uma resposta amarga e inesperada. Ciente da gravidade do que já sabe por intuição, pede a Édipo que não o obrigue a dizer o que sabe. Pede, também, que o levem de volta à sua casa.

Preocupado com esse comportamento, o rei insiste para que o adivinho conte o que sabe. Implora-lhe a verdade, mas Tirésias mantém sua recusa e com isso aumenta o desespero de Édipo, que passa a vê-lo como um inimigo. Tomado pela raiva, acusa o adivinho de ter sido o assassino, ou o mandante do crime; replica o profeta que é ele, Édipo, a desgraça que está arruinando a cidade e pede que não mais lhe dirija a palavra, enquanto se queda em profundo silêncio.

Édipo, indignado pela acusação de Tirésias, ameaça punir-lhe, mas o velho não se amedronta e diz que a verdade que está consigo o protegerá como sempre protegeu. Porém, não obstante sua relutância cede aos apelos – agora patéticos – de Édipo e com clareza torna a dizer que ele é o assassino de Laios e como o rei obriga-o a repetir, ele o faz sem qualquer temor. Diz ainda que o casamento de Édipo e Jocasta (mesmo que ambos nada saibam) levou o rei a mais sórdida das situações, embora ele nem perceba aquele horror. E ante as novas ameaças de Édipo, insiste em dizer que aquilo é a pura verdade.

Na réplica, o rei o chama de farsante, embusteiro; e lhe acusa de ter-se vendido a Creonte, que arquiteta sua queda para herdar o trono. Alega que ele e o cunhado estão em espúrio conluio visando à tomada do Poder e a auferição de riquezas. Mas ao ouvir de Tirésias que seu fim se aproxima, que o Destino não lhe tarda pelas mãos de Apolo, Édipo demonstra alguma insegurança e pergunta se aquela afirmativa é pura invencionice dele, ou de Creonte? E discursa sobre o poder da inveja que sentem do seu poder, prestigio e fortuna. Inveja que faz de Creonte, que antes julgava leal amigo, um reles intrigante. E enquanto repete as acusações de falsidade e charlatanismo, questiona Tirésias sobre o porquê ele, tão poderoso em decifrar mistérios, não decifrava os enigmas da esfinge? Por que foi preciso esperar que um simples viajante, como ele, assim o fizesse e com isso salvasse Tebas?

Nesse ponto intervém o Corifeu argumentando que os insultos trocados foram originados pela raiva e que eram inúteis já que em nada contribuíam para solucionar o terror que toma a cidade.

Contudo, Tirésias volta à carga e afirma que se Édipo zombou de sua cegueira, em breve saberá que seus dois olhos pouco ou nenhuma serventia tiveram para lhe mostrar a sujidade de seus atos, a sordidez de matar o próprio pai e deitar-se com a própria mãe. Diz, ainda, que as desgraças de Édipo não cessarão nele, mas atingirão sua “funesta prole”. Irritado, Édipo já não contra-argumenta e se limita a expulsar o velho profeta, que na partida, vaticina a sua cegueira, sua ruína, a desgraça com seus filhos, o seu banimento e todos os sofrimentos que enfrentará por ter sido o marido da própria mãe e homicida do próprio pai.

(Note-se o tom acusador de Tirésias. Mesmo sendo ignorante sobre seus atos, Édipo é apontado como uma facínora. Essa tendência se coaduna com a ideologia da antiga Grécia que via naquele que praticasse atos contrários à moral, mesmo que à revelia, um homem marcado pelo Destino e, portanto, culpado de alguma forma. Os hindus, e mais recentemente algumas seitas que lhes seguem os ensinamentos, acreditam no “Karma”, ou seja, que um erro cometido no Passado é cobrado no Presente. Pode-se fazer alguma analogia entre essas duas visões, lembrando sempre, que a grega é discípula da hindu).

O povo que ouvira a acusação de Tirésias, nesse primeiro momento mantém a crença na inocência de Édipo, mas um germe de dúvida começa a se instalar entre todos e a cizânia se principia quando Creonte sabe do que Édipo o acusara e se dirige ao povo para externar sua indignação pela maldosa alusão que Édipo fez, colocando-o junto com Tirésias num sinistro plano para herdar o poder e a fortuna do cunhado. Na seqüência, Creonte é confrontado por Édipo, que torna a lhe acusar de tramar sua queda e aponta-lhe algumas evidencias (segundo ele as vê) que confirmariam sua tese. Creonte contra argumenta e entre outras posições cita a de que seria uma estupidez imensa trocar a sua suntuosa vida de agora pelas agruras que permeiam a vida de quem governa. Sim, pois em sua posição ele tem os mesmos privilégios que Édipo, mas não tem os mesmos encargos. A discussão prossegue estéril até que a rainha Jocasta surge e põe fim a mesma criticando a ambos por estarem focados apenas em problemas particulares e não na solução dos graves problemas que a coletividade enfrenta.

(Note-se que é a segunda vez que alguém critica Édipo por esse motivo: preocupar-se consigo e esquecer o coletivo. Mais não é preciso para deixar claro seu egocentrismo, igual à de tantos outros protagonistas das Tragédias).

Também o povo apóia Creonte e pede que antes de acusá-lo Édipo faça um inquérito válido cujas provas não deixem duvidas de suas eventuais más intenções. Todavia, Édipo aferra-se em sua posição.

E tamanho é o seu apego a essa tese, sem qualquer comprovação objetiva, que se pode deduzir que inconscientemente ele já estaria em processo de fuga. Seria uma desesperada maneira de afastar o horror que Tirésias escancarou, mas que ele reluta aceitar. Como admitir que deseje a própria mãe e odeie o pai ao ponto de matá-lo? Esse conflito entre uma possibilidade, uma tendência, e o asco que causa, é a origem de tantos males emocionais? Para Freud e seguidores, sim.

Já no palácio, com Jocasta, Édipo não se aquieta com a desconfiança que ela tem de oráculos, adivinhos e quetais. Diz-lhe que ela mesma teve provas que adivinhos, profetas, místicos são falhos, ou malévolos. Cita o exemplo da profecia que versava sobre a morte de Laios. Até onde se sabe, o rei foi morto por salteadores, e não pelo filho, no cruzamento de três grandes estradas.

(Observe-se que a morte do filho não a abalou como seria de se esperar de uma mãe. Ao invés de se rebelar contra o marido assassino, acomodou-se ao luxo que ele lhe proporcionava. Característica da pessoa, ou da época? Da pessoa, certamente! Vê-se, ao contrário dela, o sofrimento indizível de outras mães, suas contemporâneas, com a perda dos filhos).

Porém, ao ouvir o local onde ocorreu o assassinato, Édipo se sobressalta, pois foi ali que ele matou o homem que lhe impedia a passagem. Com a informação da data em que ocorreu o episodio, similar à do seu entrevero, a sua angústia aumenta e com a informação sobre a aparência do rei falecido, uma terrível suspeita toma-lhe o coração. Pressente que Tirésias estava certo. E quando Jocasta lhe conta que Laios viajava com uma pequena escolta e que ia num carro; e que a noticia chegou a Tebas através de um servo, o único sobrevivente (que ao saber de sua união com Jocasta pediu a esta que o mandasse para o campo, sem jamais voltar à cidade) a suspeita transforma-se em certeza. Já não tem mais dúvidas. Era ele o assassino de Laios.

Tomado de terror, pede a Jocasta que chame o servo e até que ele chegue conta-lhe o sucedido em sua pseudo terra natal, Corinto: em certo banquete, um comensal embriagado disse que ele era adotado. Embora seus pais adotivos, Polibio e Mérope negassem com veemência, uma dúvida ficou em seu coração. Para dirimi-la foi ao Oráculo, em Delfos, mas veio-lhe uma resposta confusa, recheada de dor, sofrimento, lutas etc. Estudando-a com mais vagar viu a trágica profecia de que mataria o pai, deitar-se-ia com a mãe e com ela geraria uma prole destinada a grandes sofrimentos. Foi para evitar esses horrores é que decidiu sair de Corinto e vagou pelo Mundo até que num entroncamento de três grandes vias, matou um homem...

Preso de profundo desgosto, conta a Jocasta como matou aquele estranho, que agora, pressente ser Laios. E, pior, casou-se com a viúva do mesmo.

Talvez se não fosse o calor dos acontecimentos, que geralmente prejudica o raciocínio, ambos teriam visto que tantas coincidências não poderiam ser explicadas. Inconscientemente ou não, tem-se aqui novo exemplo do poder das circunstâncias sobre o Homem. O irracional, o destino, assume o espaço que deveria ser do raciocínio.

Jocasta prossegue em sua tentativa de acalmá-lo dizendo que segundo o sobrevivente, os assassinos de Laios eram vários bandidos e não um só homem. Agarrado nessa esperança, Édipo aguarda a chegada do homem enquanto escuta Jocasta maldizer os oráculos, taxando-os de incorretos, frágeis e talvez manipulados.

(Note-se que Jocasta desacreditava dos oráculos, mas não dos deuses, os quais, nessa obra e em várias outras, são tidos como reais [materiais, concretos]. A vida na Grécia antiga era efetivamente regulada por essas entidades, que participes do cotidiano, interferiam das menores questões até os grandes problemas. Deuses e Deusas que emanavam as “Leis Superiores”, as quais regiam desde os hábitos mais arraigados até as questões mais importantes [aquelas inalteráveis com o correr do tempo e/ou com as disposições dos legisladores humanos]. De certo modo é o que se vê em algumas religiões contemporâneas, onde os fiéis pedem desde um suculento almoço, até a cura do câncer).

Passado algum tempo, e após pedir a intercessão de Apolo para que acalme seu inconsolável marido (e filho), Jocasta recebe a visita de um emissário de Corinto que relata o desejo de seus compatriotas de ter Édipo como rei, haja vista que o velho Polibio morreu. Mais que o trono, a noticia alegra o casal pelo fato daquela morte ter-se dado sem a participação de Édipo. Exultam com a fabilidade do Oráculo, pois como Édipo poderia matar um pai que morreu naturalmente.

Doutro perigo, o de deitar-se com mãe, Édipo desdenha. Nesse ponto, Jocasta diz a frase que ficou célebre graças ao Dr. Freud: - não tenhas medo da cama de tua mãe, quantas vezes, em sonho, um homem dorme com a mãe!”

Édipo, porém, reafirma seu medo de sucumbir a essa fraqueza, pois é uma maldição lançada por um Oráculo. O emissário, então, ao saber dos motivos de Édipo para se auto-exilar, conta-lhe que ele é filho adotivo de Mérope, dado por ele mesmo ao rei e à rainha de Corinto como presente e para suprir a falta de filhos do casal. Também lhe conta que o recebeu de outro pastor, da casa de Laios, numa várzea e que tratou de seus tornozelos (Édipo em tradução literal significa: “o de pés inchados”) machucado pelos grampos que o prendia, conforme Laios ordenara.

Édipo insiste nos pormenores, pois quer saber em detalhes a sua origem verdadeira, enquanto Jocasta tenta dissuadi-lo, mas sem êxito. Por fim, ela se afasta dizendo as últimas palavras ao Édipo: - pobre de ti... Que nunca descubra quem é... Desgraçado!

Adivinhando o final, Jocasta acovarda-se e tenta interromper o processo. Vencida, porém, pela persistência do marido – a quem já pressente como filho – adentra o palácio. Nada mais dizendo sobre ela, Sófocles abre espaço para que o leitor ou espectador imagine o cataclismo em sua alma. Talvez remorso pelo co-assassinato do filho, ou horror por ter-lhe como homem, ou medo pelo que virá no Futuro etc.

Édipo ainda se ilude que o pior sobre sua origem seja relacionado com a miséria, ao baixo nível social, mas como se acha um eterno bafejado pela boa sorte, sente-se feliz por seu Destino. O povo compartilha de seu entusiasmo, pensando que o herói seria filho de algum dos deuses e, por isso, divina seria a sua origem.

Nesse momento chega o pastor, que é reconhecido pelo povo e pelo emissário de Corinto, como aquele que lhe entregou Édipo para que fosse criado como filho. O pastor, após alguma indecisão pelo tempo transcorrido, lembra-se afinal e se põe a praguejar contra o emissário e só depois de ameaçado por Édipo é que confirma ter entregado o filho enjeitado de Laios. Criança que lhe fora dada pela própria mãe, Jocasta, para ser morto. Contudo, por compaixão, ele não cumpriu a ordem recebida dando o garoto ao pastor que agora é emissário de Corinto.

Esse trecho confirma a culpa de Jocasta que não titubeou em mandar matar o próprio filho para continuar usufruindo das vantagens em ser a rainha. E que no Presente não vacila em tentar impedir a pesquisa de Édipo, pois abafando o caso manterá seus privilégios.

Horror! Horror! Horror! Grita Édipo, sacudido por tal revelação. Confirmou-se que ele matara o pai e cometera incesto com a mãe. Em seu desespero, pragueja contra sua sina terrível e diz que não suporta mais a luz do Sol (ou da verdade).

O Coro entoa seus lúgubres cantos e desencantos, citando a volatilidade da vida humana que a despeito da intenção e dos atos, vai aos píncaros da glória, da fortuna e noutro momento desce à mais sórdida corrupção e miséria.

(Note-se que milênios após, essa oscilação é tão presente quanto foi desde os primórdios).

Entra em cena o Arauto que anuncia ao povo o relato que fará sobre a sujidade que existe no Palácio Real. Tanto aquela cometida sem dolo, quanto as premeditadas malevolamente. Prossegue anunciando a morte de Jocasta que cometeu suicídio enforcando-se após duro suplicio emocional. E que ao ver a rainha morta, Édipo tomou os alfinetes que lhe prendiam a túnica e feriu seus próprios olhos dizendo: - olhos meus, não vereis mais esta culpa, esta vergonha; nunca mais vereis o que não deveríeis ter visto nunca...

Insano, Édipo manda que os portões sejam abertos e ordena aos súditos que entrem para verem o maior horror possível. Depois, exige ser banido de Tebas e segue vacilante, sem ninguém para guiá-lo. O povo, não obstante o incesto e o parricídio, ainda se condói da desgraça de seu Rei, que vaga entre os impropérios que lança à própria sina. A esse mesmo povo que o critica por ter vazado os olhos, Édipo responde que o fez a mando do deus Apolo e suplica que o levem dali com urgência enquanto pragueja contra o pastor que o salvou da morte em criança, mas lhe deu uma vida cheia de terror.

E prosseguindo suas lamentações, explica o porquê da auto-mutilação e não o suicídio, valendo-se da crença na época de que no Hades o corpo físico continuava a desempenhar as mesmas funções e seus olhos, então, veriam os genitores, cobrindo-o de vergonha.

(Note-se que Édipo age com a culpa de quem cometeu os crimes premeditadamente. Seu Consciente recrimina os atos e intenções do Inconsciente, disso resultando o conflito interior que, tempos depois, transformou-se na pedra angular dos estudos de Freud. Porém, fica dúvida: seu Inconsciente procurou essas situações, ou elas foram armadas por simples acaso? Mas o “acaso” existe por si? Não seria apenas o cenário composto pelas inclinações inconscientes?

Observe-se, ainda, que se para Édipo havia motivos para tantas lamentações por ter percorrido a via que o Destino lhe impôs; hoje, essa motivação não seria tão verdadeira, pois o conceito de deus ou deuses já não tem o mesmo rigor de antes e, no entanto, tais conflitos se repetem. A culpa continua existindo sem estar vinculada diretamente a uma figura divina).

Nesse momento chega Creonte, motivo de mais angústia para Édipo que se arrepende por tê-lo acusado injustamente. Contudo, Creonte mostra-se magnânimo e diante da súplica que Édipo lhe faz para que o expulse, responde que esse é seu desejo pessoal, mas só o fará após ter consultado, pela segunda vez, o deus Apolo. Édipo pede-lhe que dê um enterro digno a Jocasta e que cuide de suas filhas, pois se os filhos – Polinice e Eteócles - já são independentes, elas não. E são elas que adentram à cena, autorizadas por Creonte, para a despedida do pai que lamenta a sorte de ambas. Insultos, ofensas e rejeições farão parte de seus cotidianos tristes e solitários, pois a solteirice lhes é certa, já que ninguém irá querer casar-se com quem descende de toda aquela sordidez.

Creonte põe fim àquela triste despedida e convida a todos para adentrarem ao Palácio aonde a resposta do deus chegará selando o destino de Édipo. Porém, antes do deus e ante a insistência de Édipo para ser banido, autoriza seu exílio, mas retém suas filhas. Parte Édipo tão sozinho, quanto sozinho um dia chegou à Tebas das Sete Portas.

(O nome de Édipo tornou-se popular graças à tese do já citado Freud. A peça teatral, infelizmente, não teve a mesma popularidade. É de se lamentar, pois Sófocles desvendou a alma humana de forma magistral. Se atualmente o Inconsciente já não é tão atrelado aos deuses, como já se disse, pouco importa, pois continua a querer tudo que lhe é proibido pelo Consciente, a individuação das restrições sociais. Paradoxalmente o Homem busca a proteção da tribo, mas continua sonhar, a desejar o que a tribo lhe nega. Esse, ao cabo, é o conflito: o Homem contra a tribo, da qual depende. O Homem contra seus desejos mais íntimos. O Homem contra ele mesmo).

São Paulo, 21/02/2011