Nutrição para o amor real (continuação)

Vou deixar claro que quando utilizo a palavra “amor"  não estou me referindo a idéia de contos de fada tipo “amor verdadeiro” ou amor romântico.
Quero aqui discorrer sobre o amor entre seres humanos.
Portanto, um amor imperfeito, deficiente, carente, conflitante e sobretudo tendo lugar em uma realidade de efervescência superficial em detrimento da profundidade existencial.
E para revelar a hipocrisia que caracteriza conceitos teóricos de rebuscado fraseado e parco conteúdo construtivo, cabe desmascarar algumas inverdades, tão em voga na psicologia moderna.
Exacerbar a importância da individualidade como pré requisito para ser socialmente aceito, é ignorar o retrato comum das sociedades atuais, onde a grande maioria das pessoas vive em completo isolamento emocional.
Convido o leitor a refletir comigo algumas questões:
Será que a tão decantada independência emocional possibilita a comunhão entre parceiros?
O que está por trás de namorar alguém afirmando uma independência total, negando o envolvimento com o parceiro, com vistas a não perder a própria identidade?
Será que se essa identidade fosse de fato conhecida, estando fortalecida na autoestima e auto-conhecimento, essa “convicção”, esse medo de entregar-se, ainda persistiria?
Qual a coerência de almejar um companheiro(a) de vida e não se mostrar tal qual se é, nem permitir que o outro faça o mesmo, por um absurdo temor de ser depreciado?
Da mesma forma, evita-se constatar alguma fragilidade no outro, para que a imagem idealizada, não seja derrubada...por quem?
Pela mídia?
Mas então somos todos robôs?
Se nego a troca, a confiança, as alegrias e tristezas genuínas que carrego,como posso estar inteira com outro alguém?
Como posso ser tudo o que sou?
É permitido ser alguém que não precise ser o tempo todo desejável, sexy e apto aos “padrões de consumo”?
Que tal seria ser uma pessoa com qualidades e defeitos, que vem se auto-conhecendo com carinho e respeito, e desiste de alimentar um ego inflado e vazio de si mesmo?
Você sabia que numa relação de amor e companheirismo, a paixão acaba e a eroticidade passa a ser reinventada, no cultivo de cada alma descobrindo a outra? E de forma mais profunda, em poesia e verdade...
Você imagina o seu amor, a limpar as suas feridas da alma, o seu vômito, se for preciso, sua crise de disenteria...?
Parece muito pouco romântico, não é mesmo?
Mas e você, faria isso?
Não?
Sinto desapontá-lo querido leitor, mas o tempo dos príncipes encantados e das princesas deslumbradas (que nunca faziam cocô)...nunca existiu!
Como “globalizar” pessoas, ajustando-as a uma mesma medida padrão de funcionamento energético, emocional e motivacional, sem agredir a integridade da humanidade de cada ser?.
Ora, nós, seres humanos, com raras exceções, estamos engatinhando na arte de aprender a amar.
E sabemos, escancaradamente, no íntimo de cada um, que o que realmente se almeja é ser aceito e amado do jeito que se é, sem fazer grandes esforços para tanto.
Mas, e a coerência de propósitos? Não é possível desejar um amor genuíno, enquanto continua-se relutando em ser honesto consigo mesmo e consequentemente com o outro.
Preferimos morder a língua, segurar as lágrimas e simular indiferença dentro de um relacionamento afetivo, a expor sentimentos e posicionamentos divergentes, que possam revelar sinais de vulnerabilidade.
E onde é que fica o afeto então? O tal de amor real?
Ama-se uma máscara, uma personagem...e a pessoa por trás da persona? Tem alguém de carne e osso aí? Que sente-se triste vez ou outra? Que desiste de tensionar a mandíbula no sorriso mecânico de todos os dias?
Ou será que somos todos homens e mulheres superpoderosos, belos, eficientes e bem resolvidos e ninguém precisa de ninguém... Verdade?
Mentira.
Essa ideologia faz parte do manual raso de jogo de cintura, para evitar sofrimento e passar ileso, nesse circo inventado por marketólogos, onde todos são obrigados a exibir uma “felicidade crônica” em alvíssimos dentes, recém maquiados pelos avanços odontológicos.
E vai-se empurrando o vazio, a angústia, escondendo até de si mesmo que falta reflexão, falta profundidade, falta um encontro real com seu próprio corpo e coração...
Falta um lenitivo para a alma. Um retorno para dentro de si mesmo.
Um suplemento espiritual, vida pulsante dentro de si e não as pílulas da alegria e “funcionamento” à venda nas farmácias e camelôs.
Porque não é possível que sejamos todos palhaços que transbordam auto-suficiência e uma vida leve e solta, tal qual os anúncios de margarina e cerveja querem nos fazer supor.
Existe a melancolia, sim. As crises existenciais, dores da alma que fazem parte da vida.
Existe a morte, sim. Tudo fenece e renasce de um outro jeito, num outro lugar, porque a vida é movimento constante.
As nuvens se movem no céu e mudam de forma em milésimos de segundo.
O tempo fecha e abre e torna a fechar independente de nossa vontade.
E daí, você pode estar se perguntando. O que isso tem a ver com o amor?
Tem a ver porque o amor é a vida, do jeito que ela é, e se relaxarmos um pouco de nossas perfomances, respirarmos longa e livremente, quem sabe...agora...
Quem sabe possamos fazer um contato cósmico com o nosso íntimo e o céu sobre a nossa cabeça...quem sabe possamos admirar as belezas incomensuráveis do ser essencial...
Quem sabe possamos nos abrir para a vida e ter a ousadia de crescer na incógnita de novos relacionamentos, sem resistências, e sem receio de amar o outro e de amar-se.
Quem sabe descobrir-se merecedor de ser feliz , depondo as armas da desconfiança, da falta de fé no futuro e espalhando as sementes da união com tudo o que é humano e com tudo o que é divino.
Aqui mesmo,dentro de cada um de nós.


(Lançamento do livro - 2011)












Lídia Carmeli
Enviado por Lídia Carmeli em 24/02/2011
Reeditado em 15/04/2011
Código do texto: T2812644
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