A DOR DO OUTRO - REFLEXÕES SOBRE A ARTE DE OUVIR

Quando eu tinha quinze anos, uma amiga de quem costumava ser confidente estava sofrendo um grande drama familiar. Pelo menos parecia grande demais, para nossa percepção adolescente. Descobriu que era adotada, e sentiu como se o chão sumisse debaixo de seus pés. Ela ficou confusa e magoada. Em algumas ocasiões, precisou de alguém para externar toda a confusão de sentimentos em que estava imersa. Eu procurava ser uma boa ouvinte, deixá-la desabafar, e demonstrar empatia. Às vezes, dava-lhe um abraço e deixava que chorasse no meu ombro.

Um dia, uma amiga em comum me disse que esta atitude fazia mais mal do que bem, e que eu deveria tentar animá-la, dizer que seu sofrimento era momentâneo e pequeno diante de tantas pessoas que sofrem no mundo, por problemas mais sérios que o dela. Esta visão me perturbou um pouco, e fiquei por muito tempo refletindo sobre minha capacidade de confortar as pessoas, de ser uma boa amiga.

Com o passar dos anos, na medida em que ia amadurecendo, pude perceber o quão importante é a companhia de alguém que pare tudo que está fazendo e, por um momento, nos ouça. Com um olhar, um abraço, é possível demonstrar mais compreensão, empatia e compaixão do que mil palavras podem expressar.

Percebo que, ao nos depararmos com o sofrimento alheio, nossa capacidade de empatia se torna mais profunda se este sofrimento nos for familiar. Da mesma maneira, ao procurarmos alguém para compartilhar nossas mazelas, naturalmente nos voltamos para aqueles que têm uma experiência pessoal sobre o assunto que nos aflige. Não se trata de demonstrar piedade (pena, dó), mas empatia. A empatia jamais tenta minimizar o sofrimento alheio, mas se compadece dele. Ao nos identificarmos com alguém que compreende nossas angústias, entende nosso ponto de vista e - mesmo que não concorde com tudo que falamos - pode compreender nossas experiências, sentimos conforto e esperança, e nos mostramos receptivos quando esta mesma pessoa se esforça para nos animar e motivar.

Um dia desses, ao fazer um atendimento de Orientação Educacional no trabalho, uma de nossas alunas chegou, andando devagar e com dificuldade. Ela havia estado internada, pois sofrera um aborto espontâneo. Tive oportunidade de ouvi-la, consolá-la e oferecer-lhe ajuda no que fosse preciso para que sua jornada escolar continuasse bem. No entanto, foi ao encontrarmos um ponto comum em nossas experiências com a dor, que se estabeleceu uma relação de empatia, confiança e afinidade.

Esta aluna havia passado, há poucos meses, pela mesma aflição pessoal que eu vivi: a dor de perder uma sobrinha para a leucemia. Minha menina e a dela faleceram, respectivamente, em outubro e novembro de 2010. Ao passarmos alguns momentos relembrando suas brincadeiras, as coisas engraçadas que falavam, o amor que sentimos por elas e detalhes do tratamento, desenvolveu-se, instantaneamente, uma relação de confiança entre nós. Quando me coloquei de pé e disse a ela sobre a esperança de um dia estarmos juntas de novo, de seguir em frente com atitude positiva e da importância de aplicarmos a fé em Deus para suportar nossas aflições nesta vida, seu semblante iluminou-se. Afinal, não era qualquer pessoa que estava falando, e sim, alguém que conhecia a extensão da sua dor. Ao refletir sobre este episódio percebo que ainda preciso melhorar muito para aprender a ser uma ouvinte de verdade em todas as circunstâncias: com familiares, no trabalho e em todas as minhas relações.

Como educadores, precisamos exercitar a arte de ouvir. Quando ouvimos de verdade, toda nossa energia, atenção e intenção estão voltadas para a pessoa que fala. Não estamos procurando o que falar para despejar assim que a pessoa fechar a boca. Se atropelamos a fala alheia, jogando rapidamente uma ideia sobre a outra, demonstramos que não estávamos prestando atenção. Demonstramos também que o pensamento do outro é menos importante que o nosso.Um diálogo precisa de pausas, para que quem ouve possa internalizar, refletir e então, contribuir com suas ideias. Igualmente, se não temos conhecimento de causa, não temos autoridade para minimizar o sofrimento alheio. Cada um de nós tem suas próprias experiências, diluídas em nossa percepção pessoal dos acontecimentos, o que depende de nossa cultura, conhecimento e impressões que guardamos ao longo da vida. O que parece corriqueiro para mim, pode ser algo muito grave para outra pessoa. Se eu demonstro que considero pequeno o motivo da aflição de quem me fala, fecho o canal de comunicação entre mim e o outro. Ao sentir-se incompreendido, o outro se cala.

Saber ouvir é o primeiro atributo de um orador e/ou educador de sucesso. Se eu não sei ouvir, não posso esperar que alguém verdadeiramente me ouça. Estamos constantemente esperando ser ouvidos. Para isso, entretanto, precisamos primeiro aprender como se faz para só então esperar a mesma atitude daqueles a quem educamos.

Nossas experiências pessoais devem servir como um bálsamo para aqueles que passam condição semelhante. Através delas, podemos nos identificar, aconselhar, demonstrar compreensão, oferecer um olhar consolador e incentivar a coragem e a fé. Mas, se ouvimos algo distante de nossa realidade, quão valioso é aprendermos a ser humildes em reconhecer: não posso compreender o que você sente, mas ainda assim estou do seu lado e me importo com você - ensina-me!