Epitáfio

Chamo a atenção para um efeito que talvez tenha passado despercebido a muitos estudiosos da filosofia nietzschiana. Numa obra considerada a grande chave para interpretação do pensamento de Nietzsche, "Assim Falou Zaratustra", aparece a máxima impactante "Deus está morto".

Nietzsche ao decretar tall sentença, além de revolucionar o pensamento ocidental, desvirtuando o dogmatismo presente em uma filosofia socrática-platônica, sem contar nas confluências descartianas, kantianas, hegelianas.

Não apenas apontou um fator velado no seio do cristianismo, que foi a morte do deus humanizado, com a setença dada pelos próprios que o entronizaram no campo mítico. Seus fiéis deram carne ao espírito para ele poder sofrer e ser assassinado.

Mas Nietzsche acabou lançando algo também inovador no campo linguístico-metafísico, ou dentro dessa perspectiva de meta-física. "Deus está morto" não é apenas a constatação do fato observado, mas também o epitáfio de Jeová.

Sabemos que faz parte do rito de morte, além da aceitação da morte, o pranto, o ato de velar, a identificação do cadáver e tanto outros fatores, a necessidade da homenagem escrita, onde encerra-se a ligação com o morto numa autoridade legislativa, ou seja, criando uma lei cravada na pedra tumular.

Assim como as inscrições no momento da crucificação diziam I.N.R.I., esse deus-morto recebeu o epitáfio para que não restasse dúvida a respeito de seu falecimento, onde aqueles que o prantearam, poderiam ajoelhar e ler a sentença "Aqui jaz Deus."

Na linguagem do ritual fúnebre, todos os fatores são importantes por estruturem uma simbologia própria, onde os elementos possuem funções específicas, levando em consideração o aparato mórbido cristão, com suas inspirações pagãs.

Nietzsche não esqueceu de ter seu sacerdote Zaratustra, os velantes fiéis, o túmulo telúrico, a materialização cadavérica, o sofrimento da perda, a expiação pela auto-imolação, o masoquismo na linguagem deleuzeana da mãe Maria resgatando o filho. Por fim, a morte do Pai com todos os seus atributos, até mesmo a negação do mesmo pela figura do filho que contradiz o estereótipo paterno, concluindo o ciclo num majestoso epitáfio, "DEUS ESTÁ MORTO (Ano O - 33 a.D.)".