Sonhos...

O de pequeno é ser igual ao irmão mais velho, de ser herói como o papai, não ter de escovar os dentes todos os dias e mascar muito chiclete, de fazer a barba, pegar a maleta e ir trabalhar; de ter uma família igual a sua, porém, em um futuro bem distante.

O de maiorzinho é ser artista, jogador de futebol ou astronauta; conquistar aquele primeiro amor do colégio que faz o coração agir de maneira descontrolada; não ser tão careta quanto o pai e usar as roupas de marca do irmão mais velho.

O de jovem é urgentemente se livrar das espinhas, de ganhar a moto e o carro; ser o melhor da faculdade tanto em nota como em popularidade, ter a garota mais bonita, a casa só para comer e dormir, as baladas cada vez mais agitadas, festas constantes, o futebol só para dar algumas risadas nos finais de semana; evitar encontros com o irmão aporrinhador e nunca, jamais acordar o pai, o pobre velho já não fala mais nada com nada, só serve para repreender e dizer que na época dele não era assim.

O de adulto é da barriga de chope, ver o filho e beijá-lo enquanto dorme como um anjo, receber promoção na empresa, assistir ao futebol de domingo sem a mulher importunando, lembrar da juventude e encontrar amigos que caíram no esquecimento; rever a mamãe e o herói já aposentado, encontrar com o irmão para discutir política e falar sobre o novo sobrinho que está a caminho.

Os anos passam, para uns voam, para tantos matam coisas simples da vida, no mínimo necessárias para não deixar brotar o sorriso amarelo no dia-a-dia, fugir é inevitável, sabermos que o tempo que temos é pouco é virtude.

Na velhice o sonho é ter dentes e cabelos, estes o menos branco possível; de que a “Dona Encrenca” não seja rabugenta, de voltar para casa do herói já por caducar, deitar no colo da mãe e começar tudo do zero, da palmada do médico, interrompendo a nostalgia do tic-tac do relógio e aprazendo-se dos segundos que nos resta pra viver.

Deitar na rede a beira-mar, imaginar a infância de Gil em Ituaçu e suas canções extraordinárias ao lado de Caetano e Bethânia. Soltar palavras ao vento, ouvir da alma versos de Jorge Amado em Capitães de Areia ou alimentar-me do derradeiro Nem a rosa, nem o cravo...

São apenas sonhos...

Sócrates Simões Ramos
Enviado por Sócrates Simões Ramos em 14/11/2006
Reeditado em 14/11/2006
Código do texto: T291423