A psicologia pela lente do materialismo dialético de Marx

Aos 37 anos, em 1934, falecia o psicólogo bielorusso Lev Semionovitch Vygotsky deixando cerca de 180 trabalhos científicos produzidos. Seus trabalhos, entre outras contribuições, enfatizam uma nova abordagem na psicologia ao destacar o papel e a importância da cultura no desenvolvimento humano e também o papel da linguagem nesse processo. Por meio dessa nova abordagem , afluía na psicologia, um homem que é histórico, flexível, que é agente ou sujeito de seu tempo e de sua cultura e, com esse homem, conceitos da filosofia marxista para a compreensão da natureza e da experiência humana.

Infelizmente seu trabalho não estava sistematizado e completo, de modo que ele não pode terminar a formatação de uma “psicologia vigotskyana’ e, para piorar, nos últimos anos de sua vida seu prestígio estava em baixa na Rússia, onde suas teses eram renegadas pelo governo de Stálin. Suas obras chegam até a contemporaneidade por meio dos esforços de psicólogos, parceiros seus, como Alexei Leontiev e Alexandre Luria. Pensamento e Linguagem, uma de suas obras seminais, chegou aos Estados Unidos apenas em 1962 e, aqui no Brasil, suas idéias obtiveram destaque na década de 1980, no rastro do mundo ocidental e invariavelmente em contraponto a Piaget.

Vygotsky era marxista, tendo testemunhado e apoiado a Revolução Russa, foi também o principal responsável por introduzir as concepções filosóficas de Karl Marx na ciência que praticava, criando uma psicologia marxista ou sócio-histórica.

Por meio da concepção de materialismo dialético Vygotsky obteve a base necessária para desenvolver um estudo integrado das relações entre a psicologia do desenvolvimento e a neurologia clínica, a antropologia cultural e a psicologia da arte.

“Do mesmo modo que a vida de uma sociedade não representa um único e uniforme todo – a sociedade, ela mesma, é subdividida em classes -, assim também não pode ser dito que a composição das personalidades humanas representa algo homegêneo e uniforme em dado período histórico”, afirmava Vygotsky.

O pensamento dialético de Vygotsky, de fato, revolucionou sua área de saber científico. Na década de 1980, pouco após a morte de Marx, Sigmund Freud foi ridicularizado ao sustentar que o inconsciente é a força motriz dos seres humanos. Para as autoridades da ápoca esta teoria assemelhava-se mais ao desvario ou ao charlatanismo puro. Freud, na obsessão de querer provar sua tese, transformou explicações de ordem sexual nem tipo de ideia fixa e , por vezes, até mesmo cega. Biógrafos e estudiosos apontam para a adulteração e omissão de dados e fatos importantes, bem como hipóteses plausíveis, descartadas por Freud a fim de que pudesse provar suas convicções.

A psicanalise, contudo, não era uma teoria essencialmente original. O termo que lhe era mais atribuído como identificação, a saber o “inconsciente” fora um termo já conhecido em trabalhos como o do filósofo Leibiniz. Além disso a base da psicanálise era o pensamento de Kant. Na bibliografia de textos de Freud vemos inúmeras citações de Kant e por esta lente, Freud fundamentava sua teoria traçando um nítida distinção entre sujeito e objeto, entre sociedade e indivíduo.

Vygotsky foi o contraponto dessa visão freudiana, na medida em que valorizava as interações sociais na formação do indivíduo, não chegando a desqualificar as determinações naturais e biológicas do ser humano, mostrando que a concepção materialista classifica o homem como ser, antes de tudo, histórico-social.

Inclusive este aspecto, segundo ele, está na origem das chamadas Funções Intelectuais Superiores – aquelas que ocorrem em determinado contexto sociocultural. No seu livro A Formação Social da Mente, Vygotsky lança três importantes questões: 1) como o ser humano se relaciona com o seu ambiente físico e social? 2) quais formas contemporâneas de atividades levaram o homem a ter um relacionamento insispensável com a natureza? 3) como se dá a relação entre o uso de instrumentos (“ferramentas mediadoras da cultura”) e o desenvolvimento da linguagem?

Ele afirma que a consciência é formada por imagens psíquicas e interfere diretamente nas ações humanas. Ele também segue a interpretação de Marx, segundo a qual o homem, por meio do trabalho, transforma a natureza, produz cultura e se socializa ainda mais. Neste sentido, então, é a cultura que impulsionará o sujeito a construir seus referenciais, sua identidade, para efetivamente ter uma atitude autônomo diante da realidade social, corroborando seu protagonismo nesse meio.

Para Vygotsky, o desenvolvimento das Funções Psicológicas Superiores requer mediação de instrumentos que podem ser físicos ou simbólicos (os “signos”) e cujo uso se aperfeiçoa ao longo do desenvolvimento histórico. Ele concluiu, com a colaboração de Lúria, esse instrumento de mediação determinante e vital para organizar e transmitir conhecimento, é a linguagem. Nesse sentido, pensamento e linguagem são complementares e indissociáveis.

Com estes estudos e essa abordagem materialista dialética e histórica do ser em si e do ser social, Vygotsky negou a eficácia do método de estudo prático da psicologia da época baseado em respostas padronizadas produzidas a partir de um modelo de estímulo-resposta.

“Estudar alguma coisa dialéticamente, significa estudá-la no seu processo de mudança. É o requisito básico do método dialético”, defendia Vygotsky.

Assim o alvo da pesquisa ou do estudo não deve ser uma resposta padronizada e esperada, mas sim o processo em si mesmo, com todas as suas etapas de desenvolvimento em todo o seu decurso. Só a partir de sua origem e evolução um fenômeno poderá ser explicado verdadeiramente.

Por meio das contribuições de Vygotsky, áreas como a da psicologia infantil e da educação puderam avançar positivamente e aprofundar questões antes apenas vislumbradas e até mesmo ignoradas.

De acordo com seus estudos, as crianças podem realizar suas ações por conta própria e/ou com a intervenção de um adulto. A distância entre essas duas categorias é chamada de Zona de Desenvolvimento Proximal, e a aprendizagem tem a função de abrir espaço por essa zona engendrando, assim, o próprio desenvolvimento infantil.

A aprendizagem não se dá apenas por assimilação de informações em meios já existentes e organizados, como a família e o entorno familiar, mas, também, por meio da escola, onde a intervenção pedagógica intencional desencadeia um processo de ensino-aprendizagem. O professor, então, é agente atuante nesse processo, diferentemente de situações informais nas quais a criança aprende por imersão em um ambiente cultural. Portanto, o papel do docente é provocar avanços em seus alunos já que eles podem interferir diretamente na Zona ade Desenvolvimento Proximal.

É por meio da educação, crítica e dialética, que a criança pode tornar-se não apenas indivíduo em si e para si, um indivíduo abstrato e alienado, o “cidadão” atual, mas, sim, o sujeito de seu contexto, capaz de afirmar uma postura de autonomia crítica perante o mundo e suas realidades sociais.

Thais Paloma
Enviado por Thais Paloma em 30/05/2011
Reeditado em 29/04/2014
Código do texto: T3003371
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