Anotações sobre "Um Artista da Fome", de Franz Kafka
A pantera simboliza o medo. O motor da sociedade - e o que possibilitou seu desenvolvimento - é o medo. Ele é o pai da mentira; a eles devemos as religiões. A indústria bélica e a própria medicina são frutos dele; mesmo as artes (as pinturas primitivas eram forma de afugentar animais das cavernas; as feras egípcias desenhadas nas paredes guardavam os tesouros faraônicos) o são. Olhe para o lado, para cima, para o Mundo: devemos tudo a ele. É o medo que fomenta as turbas, e delas prende a atenção; é, portanto, um mercado muito mais lucrativo que a mera admiração. O Artista da Fome deixou de despertar qualquer interesse havia muito, pois seu jejum, sempre subestimado, era antes de tudo incompreendido. A fome consentida é a negação da nutrição corpórea, mas também o desprezo pelo paladar, programado pelo "medo biológico da subnutrição" para provocar sensações orgásmicas, deleitantes.
Ao negar o alimento humano, de que espécie de comida fala o Artista? Disse ele que se fartaria do alimento que o atraísse, como todos nós o fazemos. Possivelmente não falava apenas de comida, mas de tudo que é consumido pelo nosso apetite voraz e infinito: o dinheiro, o poder, o status, o conforto. Nada queria ele senão o reconhecimento da sua arte; por seu infortúnio, a sociedade não tolera as privações. Todos somos obrigados a nos fartar como porcos, seja sexualmente, financeiramente, tecnologicamente. Não há espaço para o jejum; a humanidade é dividida entre os que podem e os que não podem. Não há espaço para o querer não querer.
Existe alegria na falta? Pode o corpo regozijar-se com o deliberado despojo, com a livre busca da cessação do gozo? Seria o Artista da fome um louco?
Não poderia ser o velho Artista venerado pelo seu desprendimento, pela sua força de vontade em exteriorizar sua abnegação?
Parece que tomamos o caminho inverso, com nossos vomitórios romanos, nosso ar condicionado para o calor, nossos casacos de pele para o frio, nossa ejaculação precoce para gozar mais de uma vez. Viver há muito deixou de ser a liberdade do arbítrio, para tornar-se a tirania da concupiscência.