O que se enconde atrás da aparência

O que se esconde atrás da aparência

Em “ A benfazeja” de Guimarães Rosa relata-se a história de Mula Marmela, cujo próprio autor a descreve como: “A mulher – malandraja, a malacafar, suja de si, tão em velha e feia, feito tonta, no crime não arrependida – e guia de uma cego. ” (Conto de Primeiras Estórias,”A benfazeja”,p.113).

Mulher, cujo nome, ninguém sabia, e que a própria aparência se incubia de afastar as pessoas. Seu feito, matar o marido e cegar o enteado, não é bem recebido pela comunidade, que passou a vê-la com maus olhos. Mas com essa atitude, acabou livrando a cidade de dois perigosos assassinos, ou seja, o mal se reverte em benefício.

Porém, para a sociedade, é mais cômodo julgá-la como uma assassina, que merece ser punida, do que assumir o bem que seu ato proporcionou àquela cidade, o que os levaria ao remorso, se apoiaram então em razões religiosas, o assassinato tornou Marmela indigna de permanecer naquela comunidade.

O narrador mostra quem realmente é Mula Marmela, enxergando sua essência, já a coletividade a vê ao nível do parecer. Após cumprir sua missão, livrando-os de assassinos frios, Marmela sai da cidade, carregando em suas costas um cachorro morto, essa atitude mostra o zelo que tinha com aquela cidade, cujos moradores nunca souberam reconhecer, pois eram movidos por preconceitos, enxergando nas pessoas a aparência, julgando apenas seus atos , não levando em consideração seus motivos e sentimentos que a impulsionaram.

Como dia o ditado: “Há males que vem para o bem”, a morte de Mumbungo e Retrupé era um mal necessário, pois só assim aquela cidade conheceria a paz tão idealizada por aqueles habitantes, paz essa proporcionada pelo feito de Mula Marmela, a benfazeja, cuja denominação significa fazer um grande bem e de fato o fez, sacrificando a si mesma para beneficiar os outros.

A atitude de Mula Marmela remete à história de Cristo, que se sacrificou para salvar um povo que o desprezou e o caluniou, levando-o até a crucificação.

Atrás daquela mulher feia, desarrumada, cuja a aparência não agrada ao olhar, se esconde uma mulher generosa, amável, capaz de fazer o bem mesmo àqueles que mais a desprezam. E é isso que aqueles moradores não conseguiram enxergar nessa mulher, que foi condenada a vagar sozinha, com todos os seus feitos, que só beneficiaram aquela sociedade.

Ninguém sequer sabia o seu nome, mostrando um completo desprezo daquela sociedade com aquele ser que habitava aquela cidade. O desejo de se verem livres de Mula Marmela era tão grande que a deixaram partir, sem a levar a julgamento pelos crimes cometidos, pois sendo condenada, permaneceria ainda por anos na prisão daquele local.

A comunidade fechou os olhos para os crimes, porque lhes era conveniente, pois queriam se ver livres de Marmela, caracterizando aí a hipocrisia.A tão desprezada mulher beneficia mais uma vez os que a excluíram.

Atrás daquela mulher maltrapilha e maltratada pela vida, havia um imenso coração capaz de dar tudo de si em prol daqueles habitantes, que só lhe deram desprezo em troca.

Mas o coração de Mula Marmela não guarda rancor, não guarda ódio, é puro e conformado e sua sina é ser isolada, vagar sozinha, guardando dentro de si seus feitos não reconhecidos.