NOSSOS TÊNUES LAÇOS...À FRANCESA...

Um ensaio, por definição, é algo quase institivo que fazemos baseados na nossa impressão sobre o mundo meramente alcançado pelos nossos olhos, não apenas o das coisas fúteis, mas o mundo dos fatos em oculto movimento.

Certa vez, me lembro que um educativo programa de televisão ensinava ao seu público que quando estamos numa barraca de feira apertando uma maçã para sentir sua qualidade, estamos "ensaiando" a fruta.

E como palpamos pela vida...

Deduzo portanto, que ensaiamos a vida inteira durante o tempo todo.

E aqui quero ensaiar algo do comportamento humano, sociológico , quiçá antropológico, desses tempos tão modernamente rápidos; e começo lhes dizendo que com cinquenta anos já vivemos algo suficiente para que notemos algumas dinâmicas até repetitivas da vida.

Os filmes da vida nos passam várias vezes apenas em cenários diferentes.

Vou começar exemplificando a minha impressão com algo que acontece nas viagens em grupo, e quem gosta de viajar em turma vai entender bem o que aqui ensaiarei...

Às vezes num curto espaço de dias ou mes, nas nossas viagens fazemos novas famílias, famílias instântaneas que ali nos parecem eternas.

Tudo se faz em conjunto, as pessoas se aproximam até pela distância de casa, uma certa solidão mascarada em terras tão estranhas, às vezes meio perdidos em países de tão diferentes culturas, então, nos aconchegamos em grupos, as pessoas se conhecem, por vários dias apreciam as mesmas obras, os mesmos lugares, seguem juntas por diferentes caminhos, desfrutam e compartilham quase das mesmas impressões.

Falam de si, do trabalho,, dos sonhos de vida, apresentam familiares, contam histórias alegres e tristes, se encontram para os passeios, para o jantar.

E o tempo flui, a intimidade de Espírto parece aumentar tão fortemente até que o avião pouse no aeroporto de casa e os laços se rompam instantaneamente para que cada um salve seu próprio interesse,ou seja, a sua mala das esteiras e o táxi mais próximo.

A pressa e o medo de perderem a mala e a "vida" são tantos, que não resta tempo sequer para salvar um adeus aos recentes "amigos".

Agora faço uma analogia com o tempo de trabalho que caminha para aposentadoria.

Vejo atualmente muitas pessoas indo embora para casa.

Pessoas que nos são gratas, com as quais trabalhamos há mais de vinte anos, e como ainda permaneço, observo os movimentos...inclusive o de ficar.

Ontem li um bilhete sobre um bolo de despedida de alguém com vinte e tres anos de convivência conosco e que muito me chamou a atenção:

"Aos amigos, chegou minha hora de ir. A todos, obrigada por tudo!"

Achei aquela atitude tão ímpar...bem diferente.

Simplesmente porque tenho visto, depois de tanto tempo, pessoas queridas irem embora sequer sem falarem um "tchauzinho".

Sinto como se a ponta da fita dum forte laço fosse simplesmente puxada para desatá-lo de tanto tempo.

Prefiro deduzir, num tom poético, que de fato despedidas são difíceis e que desfazer alguns laços, ainda que tão solidamente efêmeros, realmente nos custa muito.

Deve ser por isso que a vida, a cada dia, sempre se despede de nós elegantemente, digamos, bem assim, "à francesa"...