Clara

Clara é moca de família, daquelas que se formam professora primária, aprendem a cozinhar, tocar piano, engomar, bordar; que fazem enxoval. Religiosa, vai casar-se virgem: O orgulho do pai, a alegria da mãe.
De sorriso fácil e claro, clara apesar de não ser possuidora de grande beleza, encanta a todos por onde passa.
De hábitos simples, dá aulas à turma da quarta série pela manhã, à tardinha tem alunos de piano que a visitam em casa. À noite tem novena e domingo vai à missa e faz questão de sentar-se onde houver a maior concentracão de seus alunos. Como boa cristã , sempre incentiva e cuida que a meninada compareca à Igreja aos domingos.
Seu noivo Aparício, moco de respeito é um estudante de direito. Mais dois anos e ele já estará formado e irá assumir o escritório do pai que não vê a hora de gozar a merecida aposentadoria.
Genaro e Margarida fazem muito gosto naquele noivado. Certo que o rapaz não era nenuhum compêndio de formosura, mas em seus óculos de aro fino, aparência limpa e bem tratada, se constituía o melhor partido da cidade.
Quando Aparício viera pedir-lhe a mão, Genaro não cabia em si de contentamento; tratou logo de chamar a filha para a sala.
_Clarinha minha filha, você é menina de sorte. Aparício aqui acaba de pedir sua mão e eu ja dei meu consentimento.
E sem ao menos olhar para filha, virando-se para o futuro genro foi logo tratando de desculpar-se para deixá-los um pouco à sós.
_Tu também és rapaz de sorte pois minha Clarinha é um exemplo de moca, criada e estudada em convento des de os cinco anos de idade. Mas se você me dá a licenca, preciso chamar D. Margarida e dar-lhe tão boa notícia.
_Claro, o Sr. fique à vontade.
Genaro subia as escadas quase correndo, apenas um fio de dignidade o refreando de avisar à mulher aos gritos: D. Margarida, nossa filha vai casar-se com um Guimarães e Souza!!!
Na sala, Clara e Aparício, tentavam iniciar uma conversa.
_E então?
_E então... oque?
_Faz mui bela tarde. A Srta. não gostaria de fazer um passeio para aproveitar o sol?
_Faz muito calor para mim, mas se queres falar-me longe daqui, podemos...
_Não, não há nescessidade. Será que aceitaria meu pedido de casamento?
_Meu pai já não o aceitou?
_Sim, mas que dizes tu?
_Não tenho nada o que dizer...
_Não pareces feliz. Não gostaria de casar-te, ter filhos?
Nesse instante entram Genaro e D. Margarida, e os noivos não trocam mais palavra. Uma negrinha da fazenda serviu refrescos e biscoitos finos enquanto o casal Rodrigues indagava sem cerimônia sobre os negócios dos Guimarães e Souza. Clara, quieta a um canto não participou da conversa, nem enquanto se discutia a festa de noivado e seus pormenores. Era comeco de noite quando Aparício se fora.
Assim seguiram-se os dias, e ao contrário do que Clara esperava, seu noivo não apareceu a fazer-lhe a côrte. O tempo passara depressa e duas semanas depois o vira chegar envegando um terno escuro e camisa branca, acompanhado dos pais para o jantar de noivado.
Também essa noite passou depressa e passou sem que o casal trocasse mais que dois cumprimentos de boas vindas. Logo, veio o discurso do pai, seguido pelo do futuro sogro e então o futuro marido, que só então e pela primeira vez tocou-lhe a mão direita, onde em seu anelar encaixara um enorme brilhante. Clara, como já sabia que seria, nada sentiu ante o toque do noivo na alva mão desnuda, mas ficou a perguntar-se como ele conseguira o número de seu dedo...
Era dezembro. O noivo estaria apenas mais um mês na cidade e voltaria para São Paulo. Seu pai dissera que o noivado fora apressado para que ele já se fosse com o compromisso publicamente assumido. Clara ficou a esperar todos os dias pela visita do noivo que não vinha. Logo era natal e Aparíco mandára-lhe um convite para que ela e sua família comparecessem à seia na residência dos Guimarães e Souza.
A festa fôra bela e Clara aprendeu a gostar dos sogros que a tratavam como a uma filha, principalmente D. Alberta. Também foi D. Alberta quem lhe informara que aquele seria seu lar quando casada e que, por nescessidade, o filho assumiria os negócios do pai imediatamente após o casamento, por isso não haveria uma viagem em lua-de-mel...
Aparício estivera o tempo todo trancado no escritório do casarão com um amigo, como explicara o sogro, discutindo política. Apareceu na hora da seia, beijou a mão da mãe, pediu a bêncão do pai, cumprimentou-a e a seus pais com um aceno de cabeca, antes de fazer o comunicado a todos.
_Se almejo conseguir aquele baronato, devo dizer-lhes que preciso e precisarei muitas vezes ainda abdicar de sua adorável companhia. Meu amigo Deodato e eu estamos de saída. Devemos comparecer à seia de natal oferecida aos pobres por nosso estimado Governador da província. Agora se vocês me dão licensa, tenham uma ótima noite, e um mais que feliz natal.
Foi Srta. Eliana quem comentou, olhando-a com olhos sonhadores e talvez um tanto cobicoso: "Tens sorte, vais tornar-te esposa de um homem de futuro brilhante..." Sim, ela tinha sorte, pensou Clara.
Aquele ano Aparício não veio para as férias da Universidade. Foi em passeio à Europa, afinal, um homem de negócios precisava ser viajado, tornar-se conhecedor da boa cultura. Decepcionada, Clara seguia sua vida sem reclamar da sorte... Mas apenas até conhecer Olívia.
Olívia era moca bela de seus dezesseis anos. Por ocasião da morte de sua mãe, passou a ajudar o pai freqüentemente na padaria, e logo que a viu, Osvaldo apaixonou-se. Animado e futuro herdeiro do cafezal da família, logo seu irmão a pediu em noivado e o casamento seria apenas dois meses após o seu.
Clara comecou então a observar Olívia, a quem passara a receber em sua casa para aulas de piano todas as tardes. Sem perceber, o brilho que via em seus olhos fê-la mais triste. Os sorrisos e suspiros que a garota deixava escapar a todo momento, de repente a fizera cônscia de toda a infelicidade contida em sua boa sorte.
Não que Clara houvesse sonhado com romance; sempre soubera que ao pai cabia saber o que seria melhor para seu futuro, mas olhando para Olívia, apercebeu-se de que esperara também por beijos, por passear ao sol de mãos dadas, ganhar uma rosa rescém colhida do jardim... Mas tudo que ganhara fôra aquele enorme brilhante. Como tenho sorte, pensava. Só não saberia explicar o porquê de haver desaparecido seu antes tão radiante e insistente sorriso...

Monique Freitas
Enviado por Monique Freitas em 04/12/2006
Reeditado em 11/01/2007
Código do texto: T309451
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