Sobre Um Machismo

Eis o que somos, "Homens", com "H" maiúsculo, para dar bastante ênfase, ou nos disseram que assim fomos denominados. Agradeçam a Nietzsche o "übermensch", que é quando esse conceito "homem" cairá por terra, ou nas palavras proféticas de Foucault, a morte do homem.

Mas abriram os portais e as mulheres emergiram, observando a importância do gênero, nas sábias palavras de Simone de Beauvoir, o "segundo sexo". Diante de tais constatações, neste breve ensaio, pretendo expor uma peculiaridade de nossa contemporaneidade, que não é recente, mas se faz perdurar.

Não temos dúvida de ainda existir um certo "imperialismo machista" nessa sociedade fálica, basta observar as religiões mais populares, que predominam e evocam o simbolismo do "macho", com um deus paternalista e uma figura feminina submissa, como bem lembrou Paul Veyne, feminino que vem do latim "feminimus" e significa fé menor, daí a própria designação que já inferioriza.

Apresento a necessidade do homem, em utilizar a figura da mulher para ofender outro homem ou para sentir-se ofendido. A única forma de realmente atingir é menosprezando aquilo que é de uso comum, a propriedade feminina de uma sociedade que também utiliza a mulher como objeto de troca, conforme constatação de Claude Lévi-Strauss.

O sujeito quando diz ao outro, "filho da puta", procura atacar o princípio genealógico na figura da mãe, a deusa que desde tempos remotos era responsável pela vida e pela morte, corrompendo sua matrilinearidade. Não se diz "filho de um puto", até pelo fato da mulher receber o adjetivo de promíscua, o homem não, mesmo agindo de forma semelhante. Numa sociedade machista, um homem com várias mulheres é possuidor de muitos bens, enquanto uma mulher com vários homens é corruptora.

Como segundo exemplo, temos a ofensa dirigida aos que já utilizam a "propriedade mulher" em um relacionamento, e o chamam de "corno". O marido ou namorado se torna assim, por culpa daquela que está com ele e o ridiculariza traindo. O marido que trai é visto como "isso faz parte da natureza do homem", a mulher que age de forma semelhante seria associada ao mito de Eva, que desde o princípio levou o homem a ruína.

Na terceira categoria de ofensa temos a corrupção do próprio conceito de homem, quando chamam-no de "bicha, veado", mais uma vez é atacado por se parecer com uma mulher, tornando-o inferior por isso, perdendo seu status de varão ao assumir a homossexualidade.

Os exemplos são diversos, existe um jargão popular que diz que quando um homem não cumpre com a palavra, é porque que ele tem "boceta em vez de cacete". Apesar de tamanhas afrontas, só devo ridicularizar os machinhos.

Pois ao apresentarem tais argumentos, apenas comprovam o quão presos estão ao ideal de mulher, apesar da repressão aos cultos "pagãos", o "segundo sexo" se mostra essencial nas relações e ainda cercado de um mistério que fascina e amedronta o "mijador de pé".

Conclui-se que a ofensa é aquilo que maior poder sustenta, pelo fato de conseguir desagregar a força que solidifica um discurso. Assim, a mulher continua o centro, deixando o homem rodear e criar suas especulações sem jamais conseguir adentrar esse outro universo que coexiste. A grande opressão feita pelo machismo apenas demonstra o grande temor diante de algo tão devastador, a mulher, aquilo que escapa a compreensão do outro, por ser a alteridade plena, da mesma natureza, ainda assim com organismo diferenciado e toda uma forma de racionalizar própria.

Bem que tentaram fazer da mulher um apêndice, dizendo que é apenas uma parte do sujeito, uma costelinha, ou um animal incompleto nas palavras de Aristóteles, embora me agrade mais a ideia de Lilith, ambos feitos da mesma substância e não se sujeitando a nenhum homem que queira se fazer dominador. Lilith, o orgulho da mulher que emerge, ainda existe a deusa velada que manifesta uma face feminina ao deus fálico, e temos Maria e tantas outras, embora com hábito de submissão.

Antes, que seja possível despir de tais alegorias, quem sabe até de machismos e feminismos, talvez a androginia seja a terceira via nessa disputa de gêneros, o hibridismo está a ponto de eclodir.