Continuando aquela conversa sobre Marx

O que falar de um autor de visão tão ampla a despeito do comportamento social humano e da sociedade que criou? É satisfatório constatar em cada linha escrita por Marx a descrição de conceitos que já eram presentes, apesar de confusos, em meus pensamentos antes mesmo de eu pensar em estudar Sociologia. Contudo, o tema que vem a mais tempo me acompanhando é a alienação em que vive a maior parte das pessoas com as quais convivemos no dia-a-dia, aspecto social tratado de forma singular por Marx, mas quase impossível de ser entendido sem se considerar as relações com outros conceitos desenvolvidos em seus escritos. Suas idéias têm uma consistência tal, por um tópico servir de apoio a outros que, talvez, a falta de um maior esforço para esse entendimento seja a origem de tanta polêmica.

Marx observa a sociedade de forma materialista, ou seja, ele descreve o processo em que o homem passa a ter vida social e necessidades além das básicas para a sobrevivência, como beber e comer. O homem se diferencia dos outros animais por desenvolver a consciência, e passa a agir não apenas por instinto. Para possibilitar a manutenção da vida ele passa a produzir materialmente, e a ação coletiva é muito importante para o desenvolvimento dessa produção. Como decorrência desse fato, surge a comunicação, o intercâmbio de idéias e a divisão do trabalho. O pensamento e a linguagem, entrelaçada com a atividade material, traz sua principal característica, qual seja, a consciência de suas necessidades e interesses.

O resultado é a contradição criada no indivíduo, entre seu interesse pessoal e o interesse geral. Porém essa desigualdade não se restringe apenas ao campo da imaginação e das vontades, mas habita a realidade concreta, onde o ser social depende da relação dele com os demais indivíduos para a manutenção da vida. O homem não é criado pelas idéias, essas é que partem do homem ativo, de carne e osso. O interesse geral passa a ser uma força contrária ao interesse individual, tornando o indivíduo estranho à sua própria ação. Ou seja, ele é obrigado a produzir materialmente em condições independente de suas vontades.

Quando Marx trata do trabalho alienado nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, ele compara o homem com um animal que interage com a natureza. A atividade de um pássaro – construindo seu ninho e buscando seu alimento – é seu complemento, faz parte da sua existência. Por outro lado, no capitalismo, o homem é obrigado a buscar uma atividade para que possa manter sua própria existência. Porém submete-se à uma ocupação específica qualquer na qual trabalha insatisfeito, obrigado, como um escravo remunerado, tendo como resultado a alienação imposta por um outro homem, pois sua condição de operário não possibilita que desenvolva uma atividade própria.

Suas idéias fazem permanente defesa da liberdade para que o indivíduo decida o que é melhor para sua vida, com personalidade própria e crítica. Pensando o mundo, o indivíduo entende um pouco mais de si mesmo, por outro lado, pensando sobre si mesmo, pode compreender melhor o mundo que o cerca. O socialismo humanista de Marx é contra as longas jornadas, por consumirem grande parte do tempo e energias do trabalhador. O tempo que lhe resta não é suficiente para que ele desenvolva outras capacidades que não aquelas especialidades de sua ocupação e, por isso, não produz, nem desfruta de qualquer cultura e pouco participa da família ou de algum lazer. O socialismo deve ser baseado na emancipação pessoal, que possibilite uma volta do homem a si mesmo, à sua essência, buscando a melhor forma de interação com a natureza, essa considerada por Marx como o corpo inorgânico do homem, ou melhor, um prolongamento de seu corpo físico. A alienação elimina do indivíduo a percepção de seu potencial, e não permite que ele entenda que é igual a qualquer outro, submetendo-se à interesses que não os seus próprios. A auto-alienação o torna vazio. Esse indivíduo pouco entende do mundo em que está inserido, pois não reflete sobre o que ocorre ao seu redor.

O processo de alienação do operariado é uma peça chave para se entender a visão que Marx formou à respeito do modo de produção capitalista, que atropelou o velho feudalismo e transformou a sociedade, dando-lhe uma nova roupagem, embutindo-lhe seu característico espírito de competitividade, a tal hegemonia burguesa. Suas idéias são mais abrangentes do que alguns tentam demonstrar. Sua visão de socialismo, como alternativa a esse modelo, não se restringe apenas à economia, apesar de tela como base para suas reflexões sobre as relações sociais. Trata-se de um socialismo humanista, ao qual o comunismo burocrático adotado na Rússia e China, por exemplo, não pode ser atribuído. Nestas sociedades o trabalhador vive sob uma forma autoritária de Governo, onde o Estado retém grande parte do poder de decisão sobre a vida das pessoas, que permanecem alienadas do produto de seu trabalho tanto quanto na economia capitalista, ou seja, preso a uma ocupação, agindo como parte da maquinaria industrial. Esse socialismo vulgar não tem como objetivo o fim do proletariado, antes quer estender esta classe ao maior número possível de pessoas.

O ser humano evolui permanentemente e é natural que assim seja. Porém, este desenvolvimento deve levá-lo ao caminho da emancipação. As pessoas devem ser, ao invés de ter. A riqueza deve ter uma conotação humana, quanto mais se conhecer a si mesmo e quanto mais se for independente, ou seja, quanto mais for senhor de sua própria vida, então mais rico será. No sistema capitalista, o trabalhador torna-se pobre, tanto em espírito quanto economicamente, na proporção inversa da riqueza que produz para o capitalista. Se o produto de seu trabalho é estranho para ele, significa que não o é para outro. Se para ele traz pobreza, para outro traz riqueza em forma de lucro. Nas palavras de Marx, o que constitui a alienação é “ser o trabalho externo ao trabalhador, não fazer parte de sua natureza, e, por conseguinte, ele [o trabalhador] não se realizar em seu trabalho, mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem-estar, não desenvolver livremente suas energias mentais e físicas, mas ficar exausto e mentalmente deprimido (...) é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação.” *

*(MARX, Karl – Manuscritos Econômicos e Filosóficos, traduzido para o português por Octavio Alves Velho – In.: Conceito Marxista do Homem* (1979), FROMM, Erich – Rio de Janeiro: Zahar Editores, p. 93)

Leonardo André
Enviado por Leonardo André em 06/07/2005
Reeditado em 18/05/2007
Código do texto: T31703