Eu fui às ruas...

* E não senti mais a solidão. Não senti que sou o único que se alarma com a corrupção, que se enoja com a impunidade, que se angustia com os rumos da humanidade.

* Eu fui às ruas e gritei a plenos pulmões, em um coro de desespero, pedindo mais decência ao povo brasileiro. A previsão climática era de chuva, mas o céu manteve-se limpo em nossas quatro horas de caminhada. Fez calor, o céu nublou, clareou, o sol apareceu e – ao menos naquela tarde – o povo venceu. Venceu o medo de calar-se diante das mazelas, venceu o receio de expressar o que lhe incomoda, venceu os olhos poderosos que nos mandam estar sempre de cabeça baixa. Não naquele dia. As bandeiras verdes e amarelas se ergueram, os cartazes traziam diversos dizeres, mas todos com a mesma intenção: mais justiça, menos mentira, mais harmonia, menos tirania...

* Eu fui às ruas e caminhei em um manifesto improvisado, promovido pelas redes sociais. Senti-me parte daquilo tudo. A alegria por estar me movendo e a tristeza pelo motivo da mobilização. A comoção por pactuar ideias de um mundo melhor... O mesmo sentimento se apoderava de um senhor que ultrapassava os 60 anos, mas mantinha o espírito jovem. “Fico tão contente de estar aqui, de ver vocês – jovens – se mexendo” disse o homem com emoção. Jovens, adultos, homens, mulheres, não havia limite de tempo e idade. A sensação de todos ali era algo que não contam em sala de aula. “Eu sou um educador e quero que meus alunos conheçam a verdadeira história do Brasil”, surpreendi-me ao notar que quem bradava isso sob o MASP era meu antigo professor de história do colegial, Chico Paiva, um mestre inesquecível. Sorri pelo reencontro e ele mais ainda, por ver que tantos alunos seus estavam ali. O sorriso demonstrava uma coisa inédita na maioria dos presentes, algo que deve se assemelhar ao patriotismo... Algo que não sei transpor e que as páginas do jornal não conseguiram traduzir. A mídia diz que, em São Paulo, eram cerca de 500/700 pessoas. A mídia diz que o protesto queria falar muito e focava em pouco, que o povo mal sabia por que estava lá. Mas havia muito mais do que 500 pessoas. Talvez tenha alcançado mesmo duas mil. Pouco por ser São Paulo, mas bonito pelo agito. É fato que poderíamos nos reunir em maior quantidade e articular com mais centralidade, porém sabíamos a razão de estar ali. O desejo de um Brasil mais justo e digno...

* A Carta Capital, revista que já explicitou suas convicções políticas, garantiu que a revolução não será feita no MASP. O Jornal Nacional contou o fato com pressa, algo em cerca de 30 segundos de reportagem, para tirar a dimensão da passeata. Mas como negar a grandeza do ato quando cerca de 30 mil cidadãos caminharam até a Praça dos Três Poderes tornando Brasília o palco de um movimento ainda mais memorável, aonde fizeram uma limpeza simbólica pedindo que fique claro e transparente os gestos daqueles que nos governam. Surpreendi ao ler na Veja três páginas de matéria, ainda que com o linguajar que me incomoda. A revista Época usou de sua colunista mais envolvente que, com texto mordaz, refletiu o fato. O canal GloboNews, com o telejornal das 10, foi o que mais me agradou. Deu a notícia com tempo e análise. Não desmereço nenhum dos veículos citados, pelo contrário - os acompanho e tenho respeito. Mas a manifestação merecia destaque, afinal aconteceu em 17 cidades do país, num caráter apartidário. Um ato popular sem ser comandado por bandeiras políticas, sindicatos ou a UNE. As mudanças podem não vir concretamente ou de imediato, pois os manifestos são ações pontuais. Mas são, sem dúvida, positivos, um primeiro passo para mover a consciência.

* Foi bonito, um ato de união. Quase no fim da passeata chuvas de papéis brancos se espalham pelo céu demonstrando aprovação dos moradores da Avenida Paulista. Palmas, gritos, buzinas, alegria e esperança... Um dia que vai ficar na lembrança. A recordação de quando o povo pediu mais investimento na saúde e educação, um povo descontente e com razão, visto que 1 trilhão de reais em impostos já foram pagos pelos brasileiros só nesse ano. Esse descontentamento finalmente foi exposto e tem que ser cada vez mais reforçado. Estimulando o investimento na educação, consegue-se um povo pensante, um povo pensante consegue trazer novas propostas, novas propostas quebram paradigmas, trazem inovações e por aí vai... Nada que interesse muito ao governo, claro.

* Ainda que estejamos sufocados com nossos desgostos, eu sigo um pouco reanimado, ciente de que não estou só. Alegre por saber que minhas palavras desesperadas fazem parte de outras gargantas, que meus pensamentos perturbados povoam outras mentes... Agora cabe a nós ser a mudança pela qual aclamamos em público. Modificar a si mesmo e ao redor, procure as brechas do sistema, eleve sua voz, traga o seu tema para a pauta. Ofereça argumentos, não basta ofender, tem que apresentar caminhos...

* Fuja um pouco das comunicações de massa, exerça o senso crítico, abandone julgamentos prévios. Por onde começar? Tente ir às ruas...

Priscila Silvério - 07 de setembro de 2011, São Paulo – Manifesto contra a corrupção

Priscila Silvério
Enviado por Priscila Silvério em 11/09/2011
Reeditado em 12/09/2011
Código do texto: T3214039
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.