Privação-vida.

Foi tentando entender que fui parar naquele balcão de bar. Foi em busca disso também que mergulhei no licor ardente da noite. Assim eu buscava as respostas e era – talvez – presenteado com essas, mas o tempo passava e a memória falhava: a cabeça doía e, ainda assim, eu não lembrava.

Voltava, dia após dia, ao mesmo balcão, ao mesmo bar. Variava os licores, alguns nem efeito mais surtiam e, talvez por isso, me sentia imune. Mas e as respostas? Dessas ainda não sabia. Ainda se me questionassem sobre as perguntas, destas eu saberia ditar em ordem e saberia ainda dizer qual mais me corroia.

Os dias iam passando. Ainda sem nada saber mergulhava minha alma naqueles copos coloridos, tão cheios de vida. Por falar em vida, era ali que ela abundava; as garrafas e seus rótulos suntuosos guardavam o segredo da vida, da liberdade. Prova disso é que mesmo quando caiam naqueles copos sujos em que qualquer garçonete me servia, o liquido me enchia de furor, de propriedade, de vida enfim. Mesmo em meio a toda aquela sujeira, toda aquela gente fedida – exalava podridão, assim como eu – aquele pequeno copo me trazia de volta tudo que antes era essencial a mim e que agora só com tal auxílio conseguia.

Devo ressaltar que era necessário aumentar as doses. É um princípio bem simples na verdade: quanto mais bebia, mas vida eu tinha. Não digo vida biológica, longe disso. A cada dia que passava meu corpo parecia estar se adaptando, mudando para viver – daí por diante – num apartamento emadeirado, num terreno de sete palmos. E estava.

Nesta ultima noite cumpri a mesma rotina. Enchi-me tanto de vida que estou a transbordar, mas parece que estou assim há tanto tempo que não me lembro de nada. Nem das perguntas, nem das respostas. Se me perguntar se estou vivo, responderei com toda certeza: sim, vivo. Se perguntardes, porém, se irei acordar, já terei esquecido.

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 08/10/2011
Código do texto: T3265218
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