MONUMENTO AO ÍNDIO: A ODISSÉIA DO GUERREIRO DE BRONZE (revisado)

Ao percorremos as ruas de Belém nos deparamos com um cenário, requintado, rebuscado e por vezes exótico. São construções poéticas que se inspiraram na estética francesa do período do século XVIII e que foram tecidos no período intitulado Belle époque. Período que brilhou em decorrência da produção de borracha na Amazônia e do investimento no trato com a cidade, sobretudo no governo de Paes de Carvalho. Junto à arquitetura há várias praças, dentre outras a Praça da República, Batista Campos, da Bandeira, e a do Relógio. Praças que guardam outra riqueza cultural: os Monumentos Públicos. Cada um deles materializa e fixa, no silêncio de suas performances, a memória de um fato histórico.

E basta olhá-los para penetrarmos em tempos passados, quando o vento, ao soprar nosso rosto, o faz ainda mais forte, em suas superfícies brônzeas, na tentativa de, ao escavar o limo acumulado, trazer de volta o tempo: o preciso e precioso momento em que brilhavam polidas, na festa de sua inauguração, nos olhos da multidão.

Na praça popularmente conhecida como Praça Brasil, cujo nome atual é Praça Santos Dumont, nos deparamos com um desses monumentos. Sobre um pedestal de granito de aproximadamente quatro metros de altura, está a estatua de um índio guarani, em bronze, tamanho natural, que constitui o “Monumento ao Índio”.

Tal obra foi inaugurada em 1º de maio de 1933, na época do governo do Interventor Federal Major Magalhães Barata. No entanto, a sua odisséia não começou nessa data.

Em 1905, a estátua foi encomendada, na Alemanha, por Francisco Monteiro, um dos herdeiros de uma das maiores loja de ferragens da época: “Loja Guarani”. Esta, situava-se na Rua 15 de novembro, Bairro Campina. A encomenda da escultura foi pensada como homenagem ao estabelecimento que foi assim nomeado em tributo ao escritor José de Alencar e ao Maestro Carlos Gomes, pelas obras de grande sucesso (um livro e uma ópera respectivamente) intituladas “O Guarani”. Assim, o índio de bronze cruzou as atrozes águas do Oceano Atlântico, aportou às docas paraenses no final do ano de 1906, e foi “fixada na parte central externa, sobre cantoneiras de ferro” da Loja Guarani. E lá, a estatua permaneceu, e se tornou um verdadeiro símbolo da arte, da apreciação e afeição pública de uma época. A tal ponto que foi criada um Shottisch para piano de autoria de Augusto J. Cardôso, em sua homenagem, que era vendida no Bazar Ideal Santos Silveira e Cia. Até que em 1933 a escultura foi retirada e colocada na Praça Brasil. O motivo? Segundo os livros e jornais que disseram sobre essa historia, uma grande dívida do armazém de ferragens com a prefeitura daquele tempo que propôs como pagamento a entrega da escultura. O que foi aceito.

Em seu novo lugar, o Largo do Esquadrão de Cavalaria, que passou a ser denominado Praça Brasil, o índio guerreiro foi posicionado de frente para a baia de Guajará, para onde lança um seu olhar serio e desafiador. De pé, corpo esguio, a perna esquerda permanece firme e ereta, enquanto que a direita pende-lhe para frente, na altura do joelho, como se seu andar tivesse sido interrompido por um encantamento. Na mão esquerda segura parte do que fora um arco, e na direita, vestígios de uma flecha. Na cabeça um cocar esculpido delineia as formas das penas, intercaladas entre maiores e menores. No pescoço o relevo de um colar, na forma de dentes de animais. Cingi-lhe a cintura o entalho de uma espécie de tanga também de penas, demonstrando ser do mesmo material dos braceletes e perneiras.

Já o seu pedestal feito de granito, cuja arquitetura é de pedras em forma aproximada de cubos sobrepostos, assemelha-se a uma pequena torre quadrada que expressa um pequeno afinamento da direção do cume. E tomando como referência a postura do índio vemos cravados em seu pedestal os seguintes elementos:

• Parte frontal: deveria haver quatro objetos. De cima para baixo: O Brasão de Armas do Brasil (que já não existe); uma placa de mármore onde se lê: “Inaugurado em 1º de maio de 1933 - Interventor Federal Major Magalhães Barata - Prefeito Municipal Abelardo Conduru”; placa de metal, na cor azul, com os dizeres: Praça Santos Dumont. O Primeiro Comando Aéreo Regional (I Comar) e o jornalista paraense Thiago Luiz Barata Filho, sócio da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), dedicam esta placa sob o Título “Praça Santos Dumont, Em Homenagem ao Marechal-do-ar Alberto Santos Dumont, Pai da Aviação e Patrono da Aeronáutica Brasileira, por ter realizado no dia 23/10/1906, em Paris (França), o Primeiro Vôo com aparelho mais pesado que o ar, denominado 14-Bis”. Inaugurada Em 23 de Outubro de 1998; placa circular com o enunciado: A 25 de outubro de 1986 apresentou-se nesta praça a orquestra sinfônica de Campinas-SP, sob a regência do maestro Benito Joarez que apresentando trechos da ópera “O Guarani”, no encerramento do programa do sesquicentenário de nascimento do autor, maestro Carlos Gomes. Prefeito de Belém: Coutinho Jorge. Governador do Estado: Jader Barbalho.

• Lateral direita: observa-se a presença do Brasão de Armas do Estado do Pará;

• Lateral esquerda: vê-se o Brasão de Armas de Belém e abaixo uma placa Circular com o discurso: Reconstrução da Praça Santos Dumont. Prefeito Municipal: Hélio Mota Gueiros. Vice-Prefeito: Aldebaro Barreto Klautau. Presidente da Funverde: Therezinha Moraes Gueiros. Projeto Arquitetônico e Paisagístico: Aurélio Meira – Vera B. Bastos. Construtora Arquipla Ltda.

• Parte posterior: observa-se a ausência do Brasão de Armas de Portugal.

Ainda, segundo entrevista informal com um dos herdeiros comerciais do estabelecimento, houve nas décadas posteriores, à inauguração do monumento na Praça Brasil, a tentativa de reaver a estátua do índio guarani. No entanto, a prefeitura pediu um valor imódico, o que desfez as esperanças de recompor o passado. Além disso, ao ler a homenagem feita ao guarani de bronze, no ano de 1978, no Jornal O Liberal, é possível sentir um tom discreto de melancolia e tristeza pelo ocorrido.

Tudo isso somado aos desgostos e revezes econômicos fizeram com que a Loja Guarani perdesse seu equilibrio financeiro e mudasse de endereço, hoje situando-se na AvenidaTamandaré, bairro do Comércio, mas já esboça um ressurgimento na esfera comercial. Em seu local de origem está outro estabelecimento denominado Casa Cheia.

O Monumento ao Índio, na atualidade, apresenta avarias tanto na própria escultura, quanto em seu pedestal. Mas nele cada vestígio materializa as marcas do tempo, dos espaços, de uma sociedade e, da historia de um símbolo que representa o genuíno brasileiro. Tudo isso intrínseco na odisséia do índio guarani: O Guerreiro de bronze.

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Pesquisa e texto: Marta Cosmo - martacosmo@gmail.com

ROCHA COSMO, Marta de Lourdes.

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REFERÊNCIAS

ÁLBUM BELÉM DA SAUDADE. A memória de bem do inicio do século em cartões-postais. 2.ed.rev.aum. Belém. Secult, 1998.

AMARAL, Fernando Medina do. “O Guarani”. Jornal O Liberal, 7 de maio de 1978, 2º caderno, p.23.

ANDRADE, Paulo de Tarso. Belém e suas histórias de Veneza Paraense a Belle Époque. 2ª edição. Belém: Kanga Editora, 2003. 185 p.

CRUZ, Ernesto, Historia do Pará. Coleção Amazônica. Série José Veríssimo. Volume 2. UFPA. Belém,1963.

MIRANDA, Vitoriano Coutinho Chermont de. A memória paraense no cartão-postal (199-1930).

REGO, Orlando L. M. de Moraes. Calendário histórico de Belém 1916-1946. Belém, 1979.

UCHOA, Paulo (organizador). Introdução à história do comércio de materiais de construção. Belém, SINDMACO, 2002.

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Disponível também no site:

http://www.monumentosdebelem.ufpa.br/