O OUTRO LADO DA BRUXA

Houve época em que a figura masculina sentiu-se ameaçada a perder o poder para a figura feminina. A mulher estava se destacando, expondo sabedoria e inteligência, causando admiração e encantamento a sociedade. Providências foram tomadas, e uma nova cara foi pintada para a figura feminina. No lugar da beleza e inteligência, foi posto a fealdade e a maldade e denominada BRUXA, para ser temida e repugnada eternamente pela humanidade, foi uma grande campanha de desvalorização dessas mulheres.

Dona Benedita, que já não está mais neste plano, e que viveu oitenta e nove anos, disse-me em uma entrevista para um trabalho de feira de cultura, quando eu cursava o Ensino Fundamental: Diedre Ly, feminista do século XV, foi a única que escreveu sobre o retrato da bruxa, e que o texto foi tão insignificante para a sociedade da época, que não há registro da sua existência. Dona Bené, como gostava de ser chamada, disse-me que seu avô contava que um de seus descendentes, se apaixonou por uma linda mulher considerada bruxa por ser estéril (não poder ter filhos), Diedre Ly era o seu nome, que em seu único texto descreveu o retrato da Mulher Forte – a Bruxa, dizendo: fomos pintadas e expostas para que toda a sociedade nos repugnasse, e a partir daí as mulheres sábias viraram feiticeiras, e a sabedoria virou feitiçaria. Grandes mulheres, belas e inteligentes perderam a vida por ousarem desafiar o poder masculino, e para sermos totalmente apagadas para a sociedade, da qual muitos nos admiravam, assim nos pintaram:

Aparência: rosto envelhecido, com nariz grande, olhos esbugalhados, a boca quase totalmente desdentada, queixo comprido, poucos cabelos, pernas e braços finos, desproporcionais ao corpo.

Vestes: vestidos de cores “fúnebres” (roxa e preta), chapéu de cone comprido com abas grandes, cobrindo parte de seu rosto, botas de cano curto, tamanho sempre maior que os pés e um cinto largo apertando a cintura.

Objetos: uma vassoura (explicada como meio de transporte) e um caldeirão (explicado como utensílio de feitiçaria).

Animal de estimação: um gato (explicado como animal enfeitiçado para ajudar na prática da bruxaria).

Ainda não satisfeitos puseram-na em uma casa cheia de teias de aranhas, no meio da floresta ou em lugares bem distante de vilarejos e cidades; a abóbora foi destacada como seu alimento principal (explicando que após comer seu conteúdo, as cascas eram usadas para fazer máscaras assustadoras, para quem olhasse adquirisse a fealdade das bruxas).

Quem ousaria aproximar-se delas?

Ao contrário do retrato pintado, geralmente as mulheres que se destacavam perante a sociedade, as “bruxas”, eram belas e inteligentes.

Priorizavam o uso de roupas pretas por simbolizar a elegância. O chapéu, a bota e o cinto faziam parte das vestes femininas; claro, que combinando com estilo de cada mulher, pois na época era assim que elas se vestiam.

A cor lilás também apresentada na figura da bruxa, surgiu com o símbolo feminismo após 1857, quando 129 mulheres de uma fábrica de tecidos foram queimadas vivas, por reivindicarem melhores salários e condições de trabalho mais humano. Encontra-se registro de que no momento em que elas foram chamadas para o galpão onde foram queimadas, estavam todas trabalhando em um tecido de cor lilás.

O caldeirão, que na verdade na época era apenas uma panela grande, onde as mulheres preparavam alimentos deliciosos e irresistíveis, misturavam ervas aromáticas, transformado-as em aromas que perfumavam a pele feminina e aumentava o encanto masculino, preparavam os sucos medicinais que aliviavam e curavam os males de pessoas doentes, passou a ser simbolizado como utensílio para o preparo do feitiço.

Sábias mulheres dedicavam à cura do sofrimento humano. Através de orações as ditas “benzedeiras” aliviavam sofrimento de crianças e adultos, que não tinham como alcançar a medicina da classe privilegiada.

“O conhecimento que as mulheres revelavam, como por exemplo no trato com ervas, ajudando outras mulheres no parto, contracepção, na realização de aborto e ainda promovendo a cura, provocava a ira dos homens que lidavam com a medicina. Respaldados nos princípios religiosos, o discurso médico advogava o monopólio do saber e do poder de cura como uma instituição masculina e, sobretudo advogava a perseguição à prática executada pelas mulheres”, as quais eram acusadas de prática de bruxarias, eram as feiticeiras, as milongueiras...que pagavam com a vida o bem que faziam.

A vassoura sempre foi um instrumento para realização de limpeza. Algumas mulheres se dedicavam tanto a manter suas casas sempre limpas, a fim de agradar o marido e zelar pela saúde dos filhos, que eram vistas constantemente com uma vassoura na mão. Estudam mostram que as benzedeiras varriam bem o local onde benziam as pessoas e faziam as curas, a fim de tirar as energias negativas adquiridas com os males das pessoas que as procuravam, diziam que a vassoura tinha o poder de transportar para bem longe o sofrimento físico, e varrer para sempre os males da alma das pessoas. Na pintura masculina, a vassoura transformou-se em meio de transporte da bruxa, com função de levá-la para bem longe, excluindo-as da sabedoria.

Houve época em que as mulheres que não tinham marido e as que não procriavam, eram expulsas das cidades e condenadas a viverem sozinhas isoladas da sociedade, eram “bruxas”. Algumas delas ao se isolar, levavam um gato para lhe fazerem companhia, já que o cachorro era o melhor “amigo do homem” e não lhe era permitido acompanhar uma mulher.

Pobre gato! O bichano ficou simbolizado como o animal enfeitiçado para a prática da bruxaria.

As casas das bruxas aterrorizantes foram pintadas propositalmente para evitar aproximação de outras pessoas, pois as bruxas teriam de viver e morrer isoladas de todos.

Sozinhas, quase sem opção de alimento, dedicavam-se ao cultivo de algumas hortaliças e principalmente das abóboras que eram abundantes na região, não demorou para a deliciosa abóbora ser transformada em mais um objeto de terror para afastar qualquer idéia de aproximação dessas grandes mulheres, num tempo de profunda crueldade masculina.

Se voltarmos aos tempos remotos, encontramos na Idade Média lembranças de uma das maiores violências cometidas contra as mulheres a “caça bruxas” liderada pela Igreja, através da inquisição. As mulheres sábias, determinadas que de alguma forma demonstrasse perigo à fé e não se submetesse aos padrões determinados, eram acusadas de bruxas. Submetidas ao Tribunal Eclesiástico onde eram julgadas, condenadas a fogueira e queimadas vivas. Esse massacre estendeu-se por vários séculos. Há referência de que no século XIV, em um único dia três mil mulheres foram exterminadas por serem consideradas bruxas.

Hoje, em pleno mundo globalizado, onde as mulheres são a metade da população, demonstram sabedoria sem risco de serem acusadas de bruxas, e já testemunham campanha masculina que luta contra a violência praticada às mulheres, ainda encontramos estampados nos meios de comunicação: assassinatos, estupros, espancamento, torturas físicas e psicológicas praticados às mulheres do nosso século, que apesar de não mais serem caçadas como bruxas e condenadas a fogueira, muitas ainda dormem com seu inimigo, acordam com olho roxo, se envergonham e se calam.