Sobre a Rejeição do Prefixo “Re” ou O Jeito Sem Re

O objetivo deste ensaio é tratar do prefixo “Re”, de origem latina, tão comumente utilizado em nossa gramática. Pois se buscarmos a origem etimológica, chegaremos a idéia de repetição ou reciprocidade, sendo que ambas as palavras já pressupõem um “re” em cada uma delas.

Lendo as “Conversações” de Gilles Deleuze, me deparei com argumentação que compartilho, a de não funcionalidade ou a necessidade em descartar a chamada “reflexão”. Justamente por este conceito, ter o efeito de espelho, reflexo, ou seja, em uma argumentação crítica que busca-se a criação conceitual, o reflexo apenas reproduz o simulacro de um mesmo ao infinito. Imagens sobrepostas, isso que gera a reflexão, o que um filósofo — dentro da concepção tanto de Nietzsche quanto de Deleuze — deveria transcender.

O efeito do reflexo, aprisiona dentro de uma estética estéril, fomentando um repetimos que leva a um continuum, sendo que com o passar do tempo, o sujeito se prende mais ao reflexo do que a própria imagem, criando reflexo do reflexo e pensando que o primeiro ato reflexivo seria a origem da imagem. Até podemos supor que um reflexo primeiro seja parâmetro a um reflexo segundo, mas tê-lo como cerne, demonstra-se ineficaz, já que ele existe por conta de um que o antecede. Significantes que não reconhecem um significado, ou significantes-significativos sem significados-significantizados.

Não entrarei em delongas saussureanas, pois o próprio Deleuze, através das deduções de Nietzsche, expôs que nunca houve um significado, caminhamos no campo dos significantes desde as primeiras deduções. Mas esse é um assunto já debatido por esse genial filósofo, talvez exposto por mim em outra ocasião.

O interesse é voltarmos ao “re”, já que esse é um fragmento significativo desse estado reflexivo, apresentado-se como espelho imediato, que antecede o próprio objeto. Eis a necessidade de apresentar sua ineficácia. Para isso retornando uma questão.

Já expus em outros ensaios, assim como existem inúmeras fontes que salientam a pluralidade dos objetos, mais, a suas singularidades, cada um possuindo caráter próprio, mesmo que sejam reveladas relações. Assim, cada coisa possui uma característica por si, que a faz distinguir-se do restante, a distinção que dá sentido a existirem múltiplas ao invés de uma. Pois se todas fossem as mesmas, não existiria a necessidade da diversidade, muito menos da relação entre as partes.

Desse princípio, deduzi a incompatibilidade dos sinônimos, por não poder dizer que esse poderia ser substituído por aquele. Na mesma lógica, uma coisa se dá apenas uma vez, sendo que sua alteração leva ao aniquilamento. Alguns filósofos até diriam que no instante seguinte já não somos o mesmo do instante passado, o que diriam então acerca de objetos distintos, um pessoa em relação a um rocha, etc.

Quando o “re” se faz prefixo, dizendo que o restante do enunciado é um fazer novamente, um reflexo, até mesmo uma reciprocidade, cai numa contradição. Já que o feito uma vez, não pode ser repetido, uma ação será sempre ela, mesmo que na ciência tornemos a executar um experimento, que o mesmo venha a desencadear conseqüências similares, ainda assim, serão pontos distintos. Não aconteceram no mesmo tempo, no mesmo espaço, com os mesmo fatores de ligação, os mesmos objetos.

Quando dizemos que re-agimos, estamos apenas agindo, executando uma ação, não a mesma. Essa forma de buscar uma harmonia entre o feito passado e o presente, apenas nega o tempo, ou antes, tenta se fazer de tempo o objeto, já que se pressupõe a temporalidade como algo contínuo. Embora, mesmo o tempo, esteja sujeito a certos fatores relacionais que alterariam essa visão retilínea, que o digam as obras de Heidegger a respeito do seu Ereisen, vide a obra “Sobre a Questão do Pensamento”.

Retornando ao “re”, ou tornando ao “re”, em torno dele, podemos perceber, que mesmo utilizando a argumentação em termos gramaticais, que a palavra ao recebê-lo como prefixo, modifica a forma, caindo em uma questão lexical. Já que reação é diferente de ação, deduziríamos uma outra ação, visível na própria escrita. Além do prefixo, ou pré-fixo, ser determinante que a ação prossegue, fazendo da mesma uma constante alimentada por esse complemento que a conduz.

Esse é o “calcanhar de Aquiles”, já que ao alterar a forma, perde-se o sentido primeiro, tornando outro, mesmo com o desejo de expressar uma alternância temporal, faz-se não apenas um segundo momento, mas corrompe o motivo primário. Já que os tempos verbais, por exemplo, podem se ocupar de fornecer visualização acerca do tempo, faz-se desnecessária a utilização do “re” como sufixo.

Para concluir, nós não re-pensamos, mas pensamos, pensamos, pensamos, ou se preferirem, pensávamos, pensamos, pensaremos, pensáramos, etc. Pensem nos entes mortos, se existe sentido no re-viver, um filho morto vive de novo, claro, não expresso nesse texto valores de ordem mística-religiosa. Pensem a respeito do passado, re-fazemos algo? Quanto de nós desejaríamos que o termo fosse evidenciado. Nesse caso, deixemos os “re’s” aos poetas e outros inspirados literatos, para utilizarem esse prefixo da forma mais lírica e tautológica possíveis, a ponto de perder o rigor que na gramática ele impõe.