Sobre o Livro O Fel e o Mel

Sempre tenho interesse em compreender a vida de um modo mais profundo. O Fel o mel é um excelente instrumento. Lendo, propus a mim mesma fazer um breve comentário, que agora passo para você ─ se houver interesse.

Observo no dia a dia que os livros, habitualmente, são coisas paradas, às quais entregamos, confiantemente, nosso descanso. Mas, no entanto, O Fel o mel não é porque você (Evan do Carmo) abre muitas janelas para pensarmos, para olharmos além do óbvio.

O Fel o mel não é um livro de fácil compreensão, e é como você mesmo fala:

Sou o único poeta-filósofo.

Em que se pode trocar a palavra “amor” por amor.

Em todos os meus textos ou versos,

É fácil achar este enigma.

(“Conjecturas”Niilismo p. 51)

Isso também podemos ver no poema Pescadores, pescadores são, na verdade, operários das incertezas, visto que quando acordam sabem que partirão dia adentro, rumo a seu destino, incerto. “E sobre tórridos ventos procuram o que não guardaram ... O mar não lhes dá atenção” ─ só na tempestade dos seus problemas veem, vazio, o dia chegar ao fim.

Quem não vive esta dura realidade enxerga no dia a dia dos pescadores motivos para poesia, invejando sua liberdade de ir e vir, fixo em sua autossuficiência.

É sem dúvida um belo poema, no qual se percebe algumas de suas temáticas (do Evan do Carmo). O poema todo está centrado na reflexão sobre dimensões da natureza humana, de um lado a liberdade e a vida dura dos pescadores; do outro, a acomodação do rico (abastardo), Em outras palavras: o poema fala das labutas de trabalhadores em busca de sustento, enquanto do outro lado está alguém em situação de opulência. Como o interesse é sugerir dimensões da natureza humana, em vez de retratá-la de maneira tão óbvia, eu arrisco dizer que o poema tem traços da estética simbolista.

Outra temática é que, apesar de no poema haver dois momentos, de ida e vinda dos pescadores, é com o tempo presente que você (Evan do Carmo) está comprometido, isto é, passado e futuro se fundem num presente momentâneo ─ observando aqui os verbos no tempo presente. Esta temporalização pertinente, talvez porque o futuro não seja suscetível a controles, é ir ao encontro do desconhecido, enfim: o presente é de todos.

Pensando nos dois momentos (de ida e de vinda) e em seu nome (Evan), ouso uma relação: Evan é aquele que fica, contrário da nave que vai. Para que isso não fique confuso, volto ao poema Pescadores: O barco é a nave que vai, o poeta (você) é a nave que fica. Esta relação é um tanto verdadeira, afinal de contas “Somos filtro de papel a mudar conforme o dia”.

Pescadores é um poema naturalista, paisagista e descritivo; poderia dizer até épico porque louva o mar e o homem na luz e na sombra. Assegura ao homem, notadamente, seu maior dom: a liberdade de ir e vir (no olhar do poeta debaixo da figueira). Observamos vários fenômenos naturais: os gritos do sol, calor da tempestade, tórridos ventos, em contraste ao silêncio do pescador mar adentro e sua volta de mãos vazias; e contraste também presente na visão do poeta observador e dos pescadores remadores.

É um texto conformista, pois os pescadores (operários das incertezas) voltam de mãos vazias e com fome. Se fosse um texto de inspiração marxista, seria mais contundente. O uso da palavra “substância” não está claro no texto; caso esteja falando de Aristóteles (ousia), é filosófico. Quando nos deparamos com o diálogo entre o homem e a natureza, tema universal, filosoficamente, toda a abordagem pode ser feita.

A complexidade de seu poema tem o intuito de instigar a reflexão dos leitores ─ esse parece ser o objetivo maior, se for: conseguiu! Com certeza, alguns dos teus disfarces me serviram.

Rosemary Chaia Rodrigues Escritora