Khronos e Kairos

Para os gregos, o tempo era classificado, — pensando no período denominado Grécia “antiga”— com dois epítetos: Khronos, a cronologia que se mede, modificante; e Kairos, o momento, aquilo que se faz eterno, indeterminado. A partir de tais princípios, mais uma vez exponho uma discussão acerca do Tempo.

Pensamos o Tempo com base nos três princípios relacionais, a saber, passado, presente e futuro. O tempo é relacional, o presente se faz entre um futuro e um passado, o passado com referência de um presente em relação a si e a perspectiva futura, e o futuro como passado sob presente e presente com projeção que se baseia na lógica de um antecessor pretérito. Assim, o tempo só existe como fator de relação, um para com outro, só existem temporalidades, a medida que baseamos nossa temporalização em relação a uma outra.

Quando formamos um calendário solar, ele se baseia em uma medida que atribuímos ao sol. A partir da mediação solar que estabelecemos a priori, criamos fatores temporais relacionáveis ao determinante solar. Só me considero velho, por determinar que uma outra coisa é jovem, e assim criamos as relações de tempo. Khronos é sempre esse outro, que possibilita percebermos a mudança, faz-se mutável. O determinante dentro de um processo de mutação, o ciclo da pupa a lagarta a borboleta.

Os físicos detectaram algo extraordinário, a relatividade temporal. Podemos mencionar Einstein. Com isso, o que é lento para um, em um mesmo instante, se faz rápido a outro. Aqui aparece Kairos. Heidegger já havia identificado um quarto elemento, pois se existe uma ligação entre passado, presente e futuro, existe uma outra possibilidade, o que promove a ligação. O que promove a relação entre os três momentos que são um mesmo percebido a partir de outro, seria esse quarto elemento.

Observamos que só existe um fator perceptivo, que se faz notar em uma perspectiva fora de si, medindo-se pelo outro, em uma projeção que promove uma dobra, criando a ideia de si, o eu nasce dessa curvatura do exterior que envolve aquele que se percebe, ou despercebe. Percebemos ao deixarmos de nos perceber, ao perceber o de fora, o outro que escapa a nosso “ser”. Kairos é o instante da relação, aquele momento oportuno, o ato em si, indeterminado, mesmo estando exposto dentro de uma campo de variadas determinações.

As possibilidades são dadas, mas a forma como se articulam, a variabilidade conectiva e desconectiva, que apresenta esse outro tempo, que chamo de Click ou Clique. O momento de encaixe, quando a relação ocorre, mas são diversas formas relacionais, ou seja, uma infinidade de Clicks. Uma espécie de movimento mecânico de engrenagem, onde ocorrem encaixes e desencaixes simultâneos, a todo momento.

Enquanto Khronos seria a peça em um momento ou noutro nesse processo conectivo, Kairos seria o clique de cada engrenagem, o instantâneo dessa movimentação, sendo que se faz o mesmo, apesar das mudanças cronológicas. Pois enquanto Khronos se movimenta, Kairos apenas clica, sempre o mesmo clique, a espreita do próximo movimento para clicar.

A relatividade é referente a Khronos, os diversos movimentos percebidos. O que implica outro problema, a perspectiva. Se uma pessoa possui percepção acelerada, ela terá um tempo diferente, ou seja, pode já ser quarta-feira para um sujeito, ainda ser segunda-feira para outro, sendo que um terceiro acredita que seja terça-feira. Esse exemplo está baseado no calendário latino ou gregoriano. Tais perspectivas diferenciadas, podem ser notoriamente comprovadas, culturalmente falando, quando nos deparamos com calendários distintos, como o caso do chinês em relação ao gregoriano, também em escala de fuso horário, onde dependendo da referência geográfica, muda-se a temporalização, embora estejamos aparentemente em um instante similar.

Essa similaridade instantânea seria o Kairos, mais uma vez manifesto. Mas não devemos confundi-la com um outro referencial. No caso do fuso horário, ainda que estejamos em pontos distintos, ainda estamos sendo regidos pela lógica solar em conexão com a rotatividade planetária. O Kairos serpenteia todas essas temporalizações de Khronos, fazendo, ou melhor, reproduzindo seu Clicks nessa cadeia de movimentos.

O Click seria o ápice da dobra, como quando o galho é flexionado e estala. Mas essa dobra não seria de galho seco, mas de galho verde, ele voltará a desdobrar. O Click não é a quebra, como em um graveto, não representa a ruptura, mas sim o limite da flexão, o ápice que irá nesse momento desdobrar, causando um retorno da força multiplicada em efeito catapulta. A dobra em si, se faz Click, um Kairos primeiro que estala em curvatura, desdobrando-se em novos Clicks, com intuito de alongar-se, estender-se, retificar-se em linhas que deslizam, cortam.

Que fique claro, Kairos não é o vazio, nem mesmo o espaço, muito menos o movimento, ele é o instantâneo, aquilo que só existe, ou só se manifesta de forma não mensurável. Podemos dizer que é o momento, quando oculto se manifesta, voltando-se posteriormente ao estado velado, aguardando outras manifestações momentâneas, como em uma fotografia, não sendo aquilo que ocorria quando captado, nem a foto captada, muito menos a câmera, fazendo-se um flash, só que não poderíamos reduzi-lo a mera iluminação prometéica.

Portanto, Kairos seria o Click que dispara o próprio flash, sendo essa luminosidade, apenas algo que ofusca a visão de quem tenta captá-lo, ficando restrito a essa contração da pupila. Ainda no exemplo da câmera fotográfica, nem toda foto precisa de flash, mas todas as fotos precisam do Click. Também não poderia ser reduzido ao mero ato de pressionar com o dedo, já que o movimento das falanges estaria repleto de Clicks anteriores ao toque do botão da máquina. Assim, Khronos é o movimento relacional observado por intervalos promovidos por Kairos.