A Justificativa do Bem

Nunca se falou tanto em fazer o “bem”. Está em voga a divulgação da bondade, o ato bondoso, atrelados a tais conceitos, temos a moralização cristã ocidental, tanto quanto outros exemplos de cunho também oriental. Não entrarei nos meandros dessa moralização que foi tão bem exposta por Nietzsche em sua “Genealogia da Moral”.

O dilema do Mefistófeles na obra “Fausto” de Goethe, onde o demoníaco ser exclama com angústia que tentando fazer o mal, só conseguiu fazer o bem. Penso que hoje o dilema seja de ordem inversa, embora a lógica seja a mesma. Nunca se fez tanto o mal, com a tentativa de se fazer o bem.

Na verdade, utiliza-se o “fazer o bem” como justificativa para se fazer o mal. Devo ressaltar que mal e bem aqui, apenas referem-se a valores de causar dano ou não, eis o sentido moralístico aqui empregado.

As guerras são feitas na tentativa combater um mal, ou seja, em nome de um bem. As religiões esfregam seus dogmas aos fiéis, com intuito de lhes demonstrar qual é o bem. Os livros de auto-ajuda, assim como terapeutas, psicólogos, psicanalistas, médicos, professores, todos desejam lhe receitar o que é o bem.

Tentam fazer emergir de suas ideias, como uma ressonância de platonismo, também buscam dizer como seu corpo deve se comportar, daí uma dietética induzida por um saber higiênico, biológico, nada menos lógico do que lógica do bio. Falam sobre como devemos nos nutrir, aquilo que é preciso ser dito, comido, sentido, absorvido, vivido.

Eis o Tarô contemporâneo, só que com intuito de apenas dirigir-lhe ao bem, já que mesmo o jogo esotérico, possui vertentes que podem ocasionar o mal. Mas hoje as pessoas castigam os filhos para o bem deles, como outrora inquisidores fizeram, como os carrascos prisionais estão aptos a fazer, bem como a disciplinadora polícia.

A nossa sociedade não é a sociedade do bem, mas aquele que deseja obtê-lo. Somos realmente filhos da doutrina platônica. Só que para atingir esse objeto inalcançável, o Bem, utilizamos diversos ardis, inclusive o embuste benéfico. Eu lhe faço o mal, mas me perdoe, pois fiz com intuito de lhe proporcionar o bem.

Quantas discussões, quantas dores, quantas humilhações, quantos dissabores, enfim, quantas justificativas de bem. Quando deixaremos de querer o bem para o outro, já que esse valor é pessoal, variando conforme a moral de cada um. O bem que me serve é como uma vestimenta adequada, não serve de roupagem a outro que não eu.

Impomos nosso bem querer, para de forma arbitrária, fazer o outro seguir os nosso passos, num desejo de multiplicar o que somos, ou seja, o que desejamos ser. Até para matar, dizemos que assassinamos animais para bem alimentar o homem. Condenamos um criminoso para o bem da sociedade.

Pois decreto o Bem ser o de pior que existe, pois é hipócrita. Ele se mascara para legitimar seu ato, sendo togado com a arrogância do que se considera o correto. Já diz o dito popular que “de boas intenções o inferno está cheio.” Somos tão bons que só conseguimos praticar atos maus, nossa bondade higienizada fede a maldade pestilenta.

O mal de hoje foi o bem de ontem, como o bem de hoje foi o mal de ontem. A escravidão que hoje dizemos ser má, foi um bem, muitos homens escravizavam pensando que ter escravos seria um bem a sociedade, ou seja, a eles, enquanto proprietários de escravos. Hoje o trabalho infantil é posto como mal, mas muitas crianças ajudaram no processo de “industrialização”, até mesmo quando nem eram conhecidas como crianças, mas como adultos pequenos. O Jesus Cristo de hoje, considerado um bem, teria sido um mal na época que insurgia contra as seitas de sua época, assim como os direitos dos trabalhadores, que desagradaram determinadas facções em sua gênese.

Fica o alerta. Cuidado ao praticares o bem!! Antes abster-se do que cometeres a canalhice, já que muitos no fundo sabem o que praticam, utilizando apenas a justificativa benéfica para uma má-fé, mas não a sartrena, mas sim, aquela de consciência apurada, que a noite dá vôos rasantes sobre o leito do hipócrita que dorme, como o Morcego do Augusto dos Anjos.