O DIA EM QUE NOS TORNAMOS "SENHORES"

Quem já passou, ou passa por esta experiência, seguramente saberá entender melhor, o que me proponho a discorrer.

Um dia, de repente, isto acontece,e se por ventura ainda não lhe aconteceu, é simplesmente questão de tempo; este dragão que pouco se conhece, mas que tão bem sentimos, sempre disposto a nos engolir.

E assim,o vocativo “senhor”, passa rapidamente a fazer parte da sua vida.

No início, como sempre ocorre nas primeiras vezes, é algo inusitado, estranho, você desconfia...será mesmo comigo?

-Por favor senhora, a senhora poderia... desculpe senhor...

Num primeiro momento, você até olha para os lados, acreditando tratar-se de outra pessoa, mas com o repetir do vocativo, e daquele olhar insistente na sua direção...não resta mais dúvidas...é com você mesmo!

Esta primeira vez, pelo menos para mim, foi inesquecível.É como se fosse um marco, um aviso, uma constatação.

A primeira atitude que se segue ao fato, é procurarmos imediatamente uma desculpa...a segunda obviamente é procurarmos um espelho.

Quanto às primeiras mais inúteis desculpas que nos vêm à mente, são várias- “deve ser respeito profissional, deve ser o sexo, deve ser o filho ao lado, deve ser educação, deve ser a aliança no dedo” - enfim, sempre tem alguém gentil para concordar com seus argumentos, e que à sua pergunta inconformada- “mas estou parecendo tão "senil" assim”?-logo massageia seu ego, dizendo- “imagine, você está ótima”!

A partir deste marco, parece que aos poucos vamos nos resignando, principalmente depois que o espelho nos esclarece que ele apenas existe fora de você, embora esta talvez seja a parte mais difícil de entender.

Por que não temos espelho interno? Por quê a visão interna que temos de nós, não coincide com a refletida no espelho?

Por que um simples vocativo tem a responsabilidade de nos conscientizar de que já não somos os mesmos, mesmo quando ainda nos sentimos jovens demais?

Bem, depois da fase do susto e da resignação, vem a fase da comparação, que nada mais é do que uma sedimentação da resignação.

-Nossa, ele tem quarenta anos?- e aí percebemos que é bem menos do que temos, e nos perguntamos...será que estou assim?

-Puxa, e fulano é bem mais novo do que eu!

E então,ao nos sentirmos em “melhor estado”, acabamos mesmo nos conformando, e daí, passamos a nos iludir com a possibilidade de driblar o tempo!... como se ganhássemos pontos cada vez que alguém concluir... “nossa,parabéns, nem parece que tem esta idade!”...mas cuja melhor tradução seria-“tudo isto!...como você consegue não parecer?”E então, a explicação compete aos cirurgiões plásticos, à suposta medicina ortomolecular,à alimentação naturalista,à homeopatia, aos Florais de Bach, às academias,à genética, enfim, a toda a parafernália desta corrida neurótica pela eterna juventude, que jamais consegue calar o referido vocativo...apenas o adjetiva...um "jovem senhor","uma jovem senhora"... jovens “sarados”, jovens lipoesculturados...mas ainda assim, "senhores"...

Só uma dúvida me perturba...se o tempo nos torna senhores, eu vivo me perguntando...

-Senhores do quê?