TIRANDO O CHAPÉU AO MUNDO DE SAINT EXUPÉRY

Quando Antoine de Saint Exupéry escreveu sua famosa e cosmopolita obra "O Pequeno Príncipe" já o iniciando na metáfora duma criança querendo desenhar o seu próprio mundo, e tal ele o fez na primeira pessoa do singular a nos sugerir a narração de sua psiquê autobiográfica, ali , nas entrelinhas da sua filosofia, sequer se imaginaria que o escritor seria piloto de avião num dos momentos de maior aflição da humanidade: a segunda grande guerra mundial na qual sua vida seria vitimada e finalizada.

Da filosofia aparentemente pueril para o campo da violência humana real.

A criança do livro, aliás um livro feito muito mais para a vida adulta dum leitor criança, sonhava com que as pessoas vissem o mundo com os seus "olhos do coração", a despeito da maior facilidade em se visualizar com os olhos DA MATÉRIA as aparências evidentes da realidade observada e vivida pelos Homens.

Já no intróito do primeiro desenho, que na fantasia infantil do personagem era o de uma cobra que engolira um elefante, todos ali o enxergavam superficialmente como um delineamento da figura dum chapéu.

A dificuldade dos espectadores entenderem a exteriorização do íntimo sentimento infantil nas linhas simbólicas dum desenho, aquele íntimo que também na vida adulta se perpetua em todos nós, num tão rico e pulsante mundo inaparente, o fez desistir de desenhar para sempre. Igualmente à ocorrência da fragmentação das expectativas e dos ideais de vida que carregamos conosco, e que ao longo do tempo são seccionados pela realidade de todos os dias.

Precocemente à proposta e ao chamado do escritor ali se nos delineava a genialidade do livro que teríamos.

De fato, quando nos tornamos adultos, a cada tempo nos deparamos perplexos entre a diferença do mundo real e aquele mundo ideal que todos carregamos dentro de nós.

Mas raramente conseguimos, a tempo, parar de desenhar...aquilo que nos imputam.

Agora os chamo à realidade do social dos nossos dias, como se decididamente entendêssemos que nossa vida em sociedade não é um simples e acinético desenho dum chapéu.

Nenhum de nós é um chapéu. Somos muito além do esboço dum imaginário desenho.

Na realidade somos um todo caóticamente desengonçado, fruto político e social do tudo que plantamos colhemos e engolimos, muitos sapos e cobras e lagartos, além de todos os elefantes que nos forçam goela abaixo, principalmente quando descobrimos que a cinética realidade social é paradoxalmente um mundo acinético "de faz de conta" bem diferente do mundo que sentimos na pele.

Em sociedade, o que parece ser raramente é...e o que é, raramente parece ser.

E como os políticos saem do social a o representarem fidedignamente, continuam a nos discursar que desenhamos um chapéu.

A grande massa é vista como um grande chapéu.

É preciso, a cada instante, tirar o chapéu "dos mundos" para que enxerguemos o que há dentro deles, para que, a transpor o seu materialmente visível e dispensável, cheguemos ao seu invisível essencial.

Deve ser por isso que o mundo, com o seu social e o seu político, cada dia mais me assusta.

Não é fácil abrir as bocas das tantas cobras do mundo para enxergar o seu todo deglutido...e ainda encontrar um elefante lá dentro.

Então, é quando reflito os ensinamentos do " Pequeno Princípe' e retorno ao meu eterno pueril , aquele que há em todos nós, à procura do meu mundo ideal, figurativo, invisível e fictício.

Dizem que é muito difícil "crescer", mas passar pelo tempo como um chapéu irreal é mais ainda, assim ninguém realmente cresce, todavia, é mágico continuar desenhando o "nosso mundo" dentro das nossas reais possibilidades e a despeito do tempo...e dos tantos velhos olhos do mundo, cada vez mais cegos ao que nos é deveras essencial.

Apesar do todo...eu nunca desenhei chapéus...